Nós, as pessoas migrantes, desalojadas e refugiadas, e nossas organizações, constituímos um novo sujeito político e uma força social mundial que se consolida neste III Fórum Social Mundial das Migrações. Por isso, levantamos nossa voz para dizer:
Não à crescente deterioração das condições de vida que incide sobre a maioria das pessoas, tanto ao norte como ao sul do globo, e atinge de maneira especial os migrantes, refugiados e desalojados dos diferentes continentes, principalmente os povos palestino, saharaui, colombiano, sudanês e iraquiano, e as políticas cúmplices dos Estados Unidos, Europa e Espanha, em particular.
Não às migrações forçadas dos povos indígenas, como resultado da expropriação de suas terras e dos megaprojetos agroindustriais, que trazem como conseqüência a destruição e o rompimento com suas culturas.
Não às diferentes manifestações de racismo contra as pessoas e comunidades migrantes em todos os continentes e, particularmente, contra as pessoas da África negra e da comunidade latina nos Estados Unidos.Não à reprodução e ao fortalecimento de um sistema patriarcal que, no contexto da feminilização das migrações, aprofunda ainda mais a diferença de gênero já existente, e se traduz na continuidade da colocação da mulher em trabalhos de âmbito privado ou em condições de escravidão. Não aos projetos que estigmatizam, segmentam e excluem as pessoas migrantes e suas famílias, e deterioram o tecido social comunitário e organizativo. Rechaçamos a pretensão de transformar as extradições em substitutos para políticas estatais de desenvolvimento nos países de origem e em reforços ao circuito financeiro do capital, ampliando ainda mais as históricas assimetrias sociais, políticas, econômicas e culturais existentes. Não ao discurso midiático convencional que reforça, com estereótipos, a criminalização e a vitimização das pessoas migrantes, a xenofobia, a discriminação e o racismo.
Não à globalização capitalista, neoliberal, concentradora e excludente, depredadora do ser humano e da natureza, e que em seu conjunto representa a causa fundamental das migrações contemporâneas.
Nossos direitos
Somos sujeitos que fazemos parte de processos, analisamos e interpretamos a complexa realidade do fluxo migratório considerando o lugar do ser humano, sua dignidade e a integridade de seus direitos. Imaginamos e colocamos em marcha múltiplas iniciativas, e apostamos em nosso protagonismo histórico para a construção de outra realidade.
Nas condições atuais do capitalismo mundial nós, as pessoas migrantes, somos uma mostra evidente das desigualdades econômicas e sociais entre os países e dentro deles. Situação que se aprofunda pela simultaneidade de uma crise mundial econômica, ambiental, alimentar e energética.
A construção de muros geográficos, políticos, legais e culturais, assim como a diretiva européia da “vergonha” e outras leis públicas e disposições oficiais semelhantes, são uma estratégia de criminalização para permitir uma maior rentabilidade ao capital internacional, eliminando todos os direitos humanos. Insistimos para que os acordos trabalhistas bilaterais e regionais sejam cumpridos plenamente, com as obrigações estabelecidas nos convênios 97 e 143 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sem os quais se aprofunda a deterioração integral do trabalho humano, com a perda de seu valor salarial, social e jurídico, convertendo as pessoas migrantes em mercadorias.
Afirmamos a necessidade de defender, reivindicar e difundir, frente ao trabalho forçado, escravo e precário, o trabalho digno para uma vida digna, que compreenda liberdade, igualdade de tratamento e taxas adequados para todas as pessoas trabalhadoras. Valorizamos as iniciativas de economia solidária, que fortalecem o tecido associativo e contribuem para processos de economia social e desenvolvimento integral das pessoas. Rechaçamos sua utilização como instrumento para negar o direito de migrar.
Promovemos a cidadania universal e ratificamos o direito das pessoas à livre mobilidade, como estabelece a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Um mundo sem muros é condição essencial para construir outro mundo possível. O cumprimento pleno dos artigos 13 e 14 da Declaração Universal dos Direitos Humanos é uma exigência, e nos compromete a continuar nossa luta pelos direitos de todas as pessoas migrantes. Por isso, exigimos:
A assinatura, ratificação e colocação em prática da Convenção Internacional sobre os Direitos Humanos dos Trabalhadores Migrantes e suas Famílias pelos Estados que não o fizeram. Saudamos os Estados que a ratificaram e demandamos que adéqüem seu marco normativo nacional às exigências da Convenção. Saudamos o compromisso por parte dos governos municipais de participar da campanha pela ratificação.
O estabelecimento de um mandato ou procedimento especial dentro do sistema da ONU para preencher as lacunas dos instrumentos de proteção às pessoas migrantes.
A revogação da diretiva de retorno da União Européia, assim como de todos os instrumentos legais que permitem a detenção de migrantes no mundo. O desmantelamento do Frontex e de todos os dispositivos policiais que militarizam as políticas migratórias, e a fiscalização dos centros de internação por parte de organizações sociais, até seu fechamento definitivo.
Que as fronteiras do mundo deixem de ser espaços de impunidade, onde as pessoas migrantes são objeto de todo tipo de violação e crimes, e têm de assumir riscos que colocam sua vida em perigo. Demandamos que os países de origem, trânsito e destino assumam sua responsabilidade para reverter essa situação. A regularização de todas as pessoas migrantes sem documentos no mundo. O reconhecimento de outras formas de perseguição e a ampliação jurídica das causas de asilo, refúgio e tratamento de pessoas, garantindo que as aplicações e os procedimentos cumpram com tudo que prevê a lei e priorizem os direitos humanos desses grupos.
Demandamos igualmente o cumprimento das condições que o Direito Internacional exige para o retorno dos refugiados.
A denúncia de todos os convênios de expulsão impostos aos Estados de origem ou trânsito, que conduzem a graves violações dos direitos, ruptura familiar, represálias das autoridades do país de origem e separação das pessoas migrantes. A anulação dos acordos e cláusulas de readmissão e o cessar de toda a negociação de acordos desse tipo entre a União Européia e os países terceiros, e entre os países terceiros.
A promoção das pessoas e comunidades migrantes para que se organizem, se rebelem, denunciem toda forma de dominação e exploração e façam valer seus direitos, fortalecendo suas organizações e as redes de apoio mútuo. O cumprimento da legislação internacional que garante a proteção adequada aos meninos e meninas que são parte importante dos fluxos migratórios internacionais.
A incorporação em nossas lutas da reivindicação de uma justiça ambiental e o reconhecimento e proteção jurídica dos refugiados que a mudança de clima e a destruição do ambiente provocam, fazendo-se urgente uma nova ordem mundial que promova a dignidade humana de todas as pessoas, em sintonia com as potencialidades do planeta.
A aplicação de políticas para garantir a igualdade de oportunidades, aprofundando mecanismos de inclusão que não dependam da situação administrativa das pessoas migrantes; de políticas que integrem, nos serviços públicos, a diversidade cultural das pessoas migrantes; de políticas em longo prazo para a integração dos jovens e para o avanço na equiparação de direitos para os coletivos migrantes LGTB e suas famílias.
O direito ao voto em âmbito municipal e a participação ativa na definição dos planos locais de desenvolvimento e em respeito à autonomia das organizações e movimentos sociais, de tal maneira que o exercício pleno da cidadania das pessoas migrantes seja efetivado. Participação política do migrante para incidir, tanto na política interna como externa do país de chegada, a favor de seu país de origem, tornando-se sujeitos ativos.
A continuação do processo de redação coletiva da Carta dos Migrantes, assim como a de todos os processos e iniciativas que signifiquem o fortalecimento da defesa dos direitos das pessoas migrantes.
A multiplicação e fortalecimento de meios de comunicação democráticos e inclusivos que reflitam adequadamente a complexidade da migração.
Queremos recuperar a dimensão do sujeito humano e sua dignidade, evitando que a lógica mercantil afete nossa relação como movimentos sociais. Assumir que nossa identidade como migrantes, refugiados e desalojados não nega nossas múltiplas identidades e lutas. Migrar não é crime, crime são as causas que originam as migrações.”
I Declaração de Rivas
Espanha, 13 de setembro de 2008