Posições ambíguas na reação internacional
Manifestando-se a favor “do retorno imediato do presidente Zelaya ao posto e às funções que a soberania popular lhe outorgou”, o presidente da Assembleia Geral da ONU afirmou que “nenhuma outra opção será aceitável para a comunidade internacional”. Porém, em Washington, fortes pressões vão em outro sentido
Da Organização dos Estados Americanos (OEA) à Organização das Nações Unidas (ONU), passando pela União Europeia e pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, a reação foi unânime: a condenação definitiva do golpe de Estado que, em 28 de junho, derrubou o presidente de Honduras, Manuel Zelaya e expulsou-o para o exílio na Nicarágua. Manifestando-se a favor “do retorno imediato do presidente Zelaya ao posto e às funções que a soberania popular lhe outorgou”, o presidente da Assembleia Geral da ONU, Miguel d’Escoto, acrescentou em seguida: “Nenhuma outra opção será aceitável para a comunidade internacional1”.
Contudo, não faltaram aqueles que expressaram suas dúvidas em relação à legitimidade “do ex-presidente” que, segundo eles, havia “violado a Constituição” ao pretender modificá-la, “para poder pleitear um novo mandato” (uma vez que ela proíbe tal possibilidade) por ocasião da eleição presidencial de 29 de novembro deste ano.2 Esta alegação é um erro ou, pior, uma mentira. Contando com o apoio dos 400 mil signatários de um abaixo-assinado, o chefe de Estado havia simplesmente previsto organizar uma “consulta” de caráter facultativo. Esta visava perguntar aos hondurenhos se eles desejavam ou não a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte3, dentro de um prazo a ser definido.
A Constituição atual apresenta a particularidade de comportar diversos artigos – artículos pétreos, um dos quais estipula a não reeleição do presidente (art. 4) – dos quais ela “proíbe” terminantemente toda e qualquer revisão. Trata-se de uma estranha camisa-de-força imposta ao povo, a quem, em princípio, pertence “a soberania da qual emanam todos os poderes do Estado4”. Assim, foi por ter “planejado”, segundo afirmam, uma reformulação da Carta Magna – muito além da questão da reeleição! –, que Manuel Zelaya foi derrubado.
Na realidade, ele cometeu três pecados capitais: oriundo do Partido Liberal, de centro-direita, ele rompeu com as elites político-econômicas que sempre reinaram no país; aumentou o salário mínimo em 60%; e ainda aderiu à Alba (Aliança Bolivariana para as Américas), passando com isso a integrar o campo que preconiza a ruptura com o neoliberalismo, ao qual pertencem Bolívia, Cuba, Equador, Venezuela etc. É o “elo frágil” desta organização que a direita continental acaba de atacar.
Em abril de 2002, o ex-presidente George W. Bush havia apoiado a tentativa de golpe contra o mandatário venezuelano Hugo Chávez. Já Barack Obama tem sido voz ativa na condenação generalizada do putschista Roberto Micheletti. Contudo, no mesmo momento em que ele declarava que “o único presidente de Honduras é Manuel Zelaya”, a secretária de Estado, Hillary Clinton, ofereceu aos “golpistas” uma folga que lhes permitiu respirar. Ela propôs uma mediação do conflito pelo presidente costa-riquenho Óscar Arias, o que jogou de fato para escanteio a OEA, com posições majoritariamente mais progressistas.
Em Washington, fortes pressões vêm sendo exercidas contra Manuel Zelaya. O Pentágono possui em Honduras, em Palmerola, uma base militar considerada estratégica. Ora, ele já perdeu recentemente a base de Manta, no Equador, que foi fechada a pedido do presidente Rafael Correa. Nomeado por Bush em setembro de 2008, o embaixador americano Hugo Llorens era, em 2002 e 2003, o diretor para os Assuntos Andinos – e portanto, estava ligado à Venezuela no momento daquele golpe de Estado – no Conselho Nacional de Segurança (NSC). Nos dias que antecederam o golpe de 28 de junho em Honduras, ele participou de numerosas reuniões com os “responsáveis militares e líderes da oposição5”.A principal proposta apresentada por Óscar Arias – instaurar um governo de reconciliação nacional (ou seja, o retorno de Manuel Zelaya à presidência, mas sem poder real) – foi recusada por este último. Ela também foi rechaçada por Roberto Micheletti, o que suscitou a cólera de Hillary Clinton, que estava lhe oferecendo, de mão beijada, uma solução para a crise por meio da qual ele sairia parcialmente vitorioso.
Haveria um jogo duplo por parte de Washington? Divergências entre a Casa Branca e o binômio formado pelo Departamento de Estado e o Pentágono? Se o Estado de Direito não for restaurado, e/ou se Honduras afundar na violência, o crédito de Barack Obama acabará sendo seriamente comprometido aos olhos de uma América Latina que, até então, acompanhava sua gestão com esperança e simpatia.
*Maurice Lemoine é jornalista e autor de “Cinq Cubains à Miami (Cinco cubanos em Miami)”, Dom Quichotte, Paris , 2010.