Pouco enfrentamento ao desmatamento, muito gasto no orçamento
Central para desenvolvimento da política socioambiental para Amazônia, o Conselho Nacional da Amazônia Legal tem como realidade a ausência de diálogo com povos indígenas e tradicionais e composição militarizada
Amazônia vive recorde de desmatamento, atrai a atenção de olhares de governos e organizamos internacionais e tem seus povos ameaçados constantemente pelos diferentes poderes e o mercado. Este cenário demandaria um espaço de diálogo entre sociedade e governo para a articulação e desenvolvimentos de políticas públicas. No entanto, o espaço existente não tem servido para isso, pelo menos não nestes termos.
O Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL) é o órgão responsável pela coordenação e acompanhamento da implementação das políticas públicas voltadas para a Amazônia, tendo sido reativado por meio do Decreto nº 10.239/2020, de 11 de fevereiro de 2020, e atualmente sendo presidido pelo vice-presidente da República, o general Hamilton Mourão. A reativação do Conselho vem junto com modificações importantes na sua estruturação, principalmente relacionadas as suas competências, composição e alcance. O CNAL passa a prever expressamente a competência para fortalecer a presença do Estado na Amazônia (discurso reiterado durante a ditadura empresarial-militar brasileira), sendo transferido do Ministério do Meio Ambiente para a vice-presidência da República.
Além de ser presidido por Mourão, a atual composição do Conselho é extremamente militarizada. A secretaria executiva do Conselho, por exemplo, conta com 71% de militares em sua composição, entre titulares e suplentes. No caso da Comissão de Proteção da Amazônia Legal, uma das poucas que contam com representantes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o servidor titular é um coronel.
Militarização da política socioambiental e gastos no orçamento público
A militarização da política socioambiental para a Amazônia não fica restrita apenas a composição do Conselho Nacional, o que por si só já é preocupante tendo em vista a completa ausência da participação da sociedade civil neste espaço. A militarização está refletida também na quantidade de decretos que autorizam as operações de garantia da lei e da ordem (GLO). A excepcionalidade para aplicação da GLO – que somente deveria ser acionada após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio – vem sendo acionado constantemente pelo Conselho como mais um elemento dentro desse processo de militarização da política socioambiental da Amazônia.
Nos dois anos de reativação o CNAL tem concentrado seus esforços principalmente na coordenação de operações GLO, Verde Brasil 2 (VB2)[1]e Samaúma, no desenvolvimento do Plano Amazônia 2021/2022.
Sob a retórica da tríade “preservar, proteger e desenvolver”, o Conselho Nacional da Amazônia Legal, tem direcionado grandes quantias do orçamento público, por meio das operações de garantia de lei e da ordem, que, no entanto, não guardam proporcionalidade com as ações de enfrentamento ao desmatamento no território amazônico, mostrando-se pouco efetivas.
Operação Verde Brasil 2, por exemplo, de execução no período entre 11 de maio de 2020 a 31 de abril de 2021, teve destinada durante sua execução a quantia de um total de R$ 379.230.988,82, sendo R$ 1.071.273,98 por dia. No entanto, as taxas de ilícitos ambientais aumentaram. O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) aponta que a Amazônia teve 56,6% de aumento no desmatamento do seu território nos últimos três anos (2019-2021) em relação ao período anterior (2016-2018), com destaque para territórios indígenas.
Os valores vultosos do orçamento público destinado para operações do Conselho Nacional da Amazônia Legal, as baixas taxas de efetividade com relação ao enfrentamento aos crimes ambientais e o contínuo enfraquecimento dos órgãos de fiscalização ambiental, por meio da estagnação de redução orçamentária (como o orçamento destinado ao Ibama, por exemplo) demonstram, na verdade, que após sua reativação o Conselho passou a ter estrutura e práticas mais de comando do que se Conselho, ou seja, além da centralização das funções na figura do Mourão, o Conselho Nacional da Amazônia Legal tem construído e desempenhado suas ações operadas pelo Ministério da Defesa.
Ausência de participação da sociedade civil no CNAL
O Levante Popular da Amazônia, articulação que reúne movimentos sociais e organizações que atuam em defesa da vida dos povos da Amazônia, tem feito a denúncia da ausência da participação da sociedade civil no Conselho da Amazônia no Supremo Tribunal Federal (STF).
O grupo articulou uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADFP) – um tipo de ação que busca evitar ou reparar danos à algum princípio básico da Constituição -, no Supremo em que apresenta, entre outros pontos, o esvaziamento dos espaços de participação popular em conselhos deliberativos e na formulação da política socioambiental brasileira, em detrimento da concentração desses poderes nas mãos da ala militar do atual governo federal. Busca-se ainda demonstrar como a composição e atuação do Conselho não incluem o necessário diálogo com povos indígenas, comunidades quilombolas e povos tradicionais.
A ação (ADPF 744), protocolada em 18 de setembro de 2020, está sob relatoria do ministro Dias Tofolli e já teve manifestação da Advocacia Geral da União (AGU) e da Procuradoria Geral da República (PGR). Com mesma linha de argumentação, os órgãos sustentam, em síntese, a discricionariedade da organização administrativa para atender ao interesse público e o não cabimento da ação por questões processuais. Não há enfrentamento, no entanto, as questões de fundo apontadas pelas organizações autoras da ação, como a falta de ações efetivas de proteção da floresta e dos povos da região. A sociedade aguarda o julgamento desta ação.
Luísa Câmara Rocha é assessora jurídica popular da Terra de Direito, do Programa Amazônia.
[1]A operação Verde Brasil 2 é uma espécie de continuação da operação GLO de 2019, que durou 61 dias (24/08/2019-24/10/2019) e intitulada de Verde Brasil 1. No caso desta operação, o Conselho Nacional da Amazônia Legal ainda não tinha sido reativado e a operação se deu sob coordenação do próprio Ministério da Defesa