Problema falso, questão verdadeira
“Mas seria impossível financiar!” Eis o que costuma ser a primeira objeção levantada aos proponentes de uma renda universal desconectada do emprego. A primeira, mas sem dúvida também a mais fracaBaptiste Mylondo
Se confiarmos em seu PIB, a França é hoje o quinto país mais rico do mundo. Em 2010, a renda disponível (após o pagamento dos benefícios sociais e contribuições dos impostos diretos) se elevava a 1.276 euros por mês e por pessoa, levando em conta adultos e crianças. Teríamos, portanto, recursos suficientes para garantir uma renda de 1.276 euros para cada indivíduo se decidíssemos fazer uma partilha estritamente igualitária das rendas disponíveis. E seria impossível financiar uma renda incondicional de esquerda (isto é, uma quantia suficiente para viver)? Se quisermos tomar por base a linha de pobreza atual, por exemplo (em 60% da renda mediana),1 ou seja, 960 euros por adulto e 320 euros por criança, isso representaria uma renda disponível mínima de 820 euros por pessoa, em média. A França, sem dúvida, disporia, portanto, de meios para garantir a todos os seus habitantes uma renda pelo menos igual à da linha de pobreza.
No entanto, se o financiamento é um falso problema, suas modalidades, por sua vez, colocam perguntas reais, porque não são neutras e determinam parcialmente o alcance de uma renda incondicional em termos de transformação social e de partilha da riqueza. Uma renda incondicional de esquerda tem dois objetivos principais: a erradicação da pobreza e uma forte redução das desigualdades. Mas, de acordo com as escolhas feitas, ela só atingiria o primeiro, em especial se essa criação fosse generosamente confiada a bancos por meio de um grande empréstimo.
Além de participarem de uma lógica de redução das desigualdades, as modalidades de financiamento devem respeitar os princípios de prudência, sustentabilidade, adequação, coerência e pertinência. Elas devem permitir uma melhora das condições de vida, e, para isso, é preciso primeiro garantir que não impliquem uma deterioração da situação dos mais desfavorecidos nem questionem as conquistas sociais. Essa consideração é essencial e explica, em parte, as reservas, ou mesmo a hostilidade, expressas pelos sindicatos. A renda incondicional não significaria um recuo da proteção social?
A questão surge especialmente quando pensamos em seu autofinanciamento. Na verdade, podemos considerar que fragmentos da renda garantida já são pagos hoje em dia, parcialmente e sob condições, na forma de benefícios sociais, subvenções diversas ou bolsas. Uma renda incondicional poderia, portanto, substituir alguns desses dispositivos. Alguns, talvez, mas certamente não todos, a não ser que caiamos nos defeitos das propostas liberais.
No seio do sistema de proteção social, convém, por exemplo, distinguir os benefícios contributivos baseados no regime de seguros, financiados pela contribuição – aposentadorias, previdência social – e os serviços não contributivos – as ajudas sociais, que dependem do regime de solidariedade nacional e são financiadas pelos impostos. A renda incondicional não substituiria o sistema de seguros, cujos benefícios não se destinam apenas a proteger da pobreza, mas também a garantir a manutenção do padrão de vida. Em contrapartida, ela pode ficar no lugar das ajudas sociais que a renda incondicional viria substituir de maneira perfeita e vantajosa. “Vantajosa”: o montante da renda incondicional deveria ser pelo menos igual ao do benefício suprimido – a atual renda de solidariedade ativa (RSA), por exemplo, ou bolsas de estudo. Em contrapartida, não seria o caso de eliminar, por exemplo, a cobertura de saúde universal ou o subsídio para adultos deficientes (AAH, na sigla em francês), que têm objetivos muito específicos. Isso, ainda assim, deixa um bom espaço de manobra em termos de transferências orçamentárias e, portanto, de autofinanciamento potencial da renda incondicional. Seguindo as arbitragens e o montante escolhidos, esse autofinanciamento pode representar mais de um terço do investimento necessário.
Mas outros recursos ainda precisam ser encontrados. Várias opções podem ser consideradas: a introdução de novos impostos direcionados, um aumento da taxa sobre o consumo (TVA) ou impostos sobre a renda ou o patrimônio.
Popularizado pelo documentário suíço-alemão A renda básica,2 o financiamento feito por meio de um aumento da taxa de valor agregado (TVA) é outra opção. Os autores do filme, Daniel Häni e Enno Schmidt, propõem um sistema tributário reformado baseado unicamente no imposto de consumo. Essa opção apresenta várias vantagens. Em primeiro lugar, como todos são consumidores, todos pagam esse imposto. Ora, quanto maior é o bolo, mais moderadas podem ser as taxas aplicadas. Então, a TVA, diretamente integrada nos preços, é menos percebida pelos contribuintes. Além disso, na ótica de um imposto único sobre o consumo, o risco de fraude fiscal seria limitado. Finalmente, a combinação de um imposto proporcional – TVA – e um benefício de quantia única – a renda básica – equivaleria ao estabelecimento de um imposto progressivo, portanto redistributivo. Embora muitas vezes se critique a TVA por seu caráter desigual e regressivo, o argumento é significativo.
Ainda assim, esse modo de financiamento levanta algumas questões. Primeiro, de um ponto de vista técnico: há o temor de que um aumento da TVA venha a complicar a luta contra a pobreza, provocando uma elevação dos preços. A renda incondicional seria ainda suficiente quando os preços tivessem aumentado? E se os preços não subissem, as empresas poderiam tentar compensar o aumento da TVA por uma redução equivalente dos salários. Aliás, é essa segunda hipótese que é destacada no filme.
Mas, em última análise, é essencialmente uma questão de coerência que deve ser levantada, em especial se a renda incondicional é defendida por uma esquerda antiprodutivista. Depois de termos nos concentrado no atrativo do ganho dos especuladores (taxas Tobin e Keynes) e na inconsciência ecológica dos cidadãos (impostos verdes), podemos realmente contar com o entusiasmo dos consumidores para financiar a renda incondicional, e, assim, reconhecer uma utilidade social no consumo?
Ora, por uma questão de coerência, o financiamento de uma renda incondicional deveria estar a serviço de uma distribuição de renda mais justa. Pode-se imaginar um aumento de impostos sobre as empresas, mas é possível dirigir o interesse principalmente para a alta das contribuições sociais proposta por Bernard Friot3 e pela Rede Salarial. Na ótica deles, trata-se de criar um “salário para toda a vida”, e não uma renda incondicional. Não se trata aqui de discutir as vantagens e os inconvenientes dessa opção,4 mas a reflexão sobre o financiamento continua a ser pertinente. Colocando de novo em questão a propriedade privada lucrativa, Friot propõe realocar quase inteiramente a riqueza produzida por empresas – que se tornariam então “sem fins lucrativos” – a caixas de contribuições que permitiriam financiar, por um lado, um salário para toda a vida e, por outro, o investimento partilhado. Essa perspectiva se beneficia primeiro da força simbólica da contribuição, de sua herança histórica. Em seguida, vai em sentido contrário à tendência atual, que vê as remunerações do capital apararem gradualmente as remunerações do trabalho. Ela se faz acompanhar, por fim, de uma gestão paritária das contribuições que escapa parcialmente do controle do Estado.
Taxar a riqueza
Uma última possibilidade – nessa lista não exaustiva de soluções provavelmente convocadas a se combinar entre si – consistiria em contar com o imposto de renda. A vantagem dessa opção é que ela fornece uma resposta evidente para a questão da progressividade dos descontos, mas também para a questão da alta dos preços, concentrando-se no financiamento sobre a renda das pessoas físicas. O inconveniente é que um financiamento pelo imposto implica uma profunda reforma tributária e um forte aumento das taxas de imposto. Sobre esse último ponto, as simulações fiscais de Marc de Basquiat5 preveem um aumento da ordem de 30 a 50 pontos na taxa média do imposto de renda, caso se queira financiar uma renda incondicional de esquerda.
A magnitude desse aumento, no entanto, deve ser relativizada. Primeiro, já seria mais moderada se se estendesse ao conjunto dos rendimentos: rendimentos do trabalho, do capital, da propriedade, de heranças etc. Além disso, ela deveria ser distribuída de forma igualitária entre todos os contribuintes. Portanto, sempre numa lógica de redução das desigualdades, o recurso a uma flat tax, esse imposto proporcional proposto por alguns autores,6 não é certamente a opção mais justa. Ao contrário, é a progressividade do imposto que deveria ser enfatizada. Seria conveniente, portanto, taxar mais as famílias ricas, reintroduzindo taxas de imposto mais elevadas sobre as rendas mais elevadas, e até mesmo um teto das remunerações para as rendas mais altas, numa lógica não mais simplesmente de financiamento, mas de redução das desigualdades.
Em paralelo, e para limitar o aumento das taxas de imposto sobre as primeiras parcelas, seria conveniente taxar mais a riqueza. Além disso, se as desigualdades de renda são flagrantes na França, as desigualdades de riqueza são ainda mais gritantes e justificam plenamente essa resposta fiscal.
Claro, pode-se questionar a sustentabilidade de um modo de financiamento baseado em uma reforma do imposto de renda. Não seria o caso de temer que o aumento da taxa de imposto por um lado e o pagamento de uma renda incondicional de outro encorajassem as pessoas a reduzir seu tempo de trabalho? A atividade econômica e, com ela, a fonte de financiamento dessa renda se veria então fortemente afetada… Um mecanismo simples permitiria remediar isso: qualquer baixa de atividade alteraria a base de financiamento da renda incondicional e, com isso, o montante dessa renda, reavivando o incentivo ao trabalho. E, além disso, se o financiamento da renda incondicional fizer baixar a produção, tanto melhor: a lógica não produtivista que o fundamenta se veria concretizada.
Tendo em conta os defeitos do atual sistema, seria possível sem dúvida se acomodar com um recuo da atividade econômica; mas, se a capacidade da sociedade de responder a suas necessidades fosse questionada, cada pessoa ativa, confrontada com a diminuição de sua renda incondicional, seria incentivada a trabalhar para complementar essa renda, contribuindo assim para responder às necessidades de todos….
Baptiste Mylondo é Autor de Pour un revenu sans condition [Por uma renda incondicional], Utopia, Paris, 2012.