Procura-se fantoche para tocar o plano econômico de Temer
As corporações midiáticas e financeiras apoiam a política econômica do candidato de Bolsonaro que nada mais seria que a continuação do governo Temer. Mas não coaduna com a visão moral do presidenciável conservador. Lógico que o empresariado não pensará duas vezes caso tenha que escolher entre salvar sua fortuna ou preservar sua moral
As massas precisam ser domesticadas. Para isso, precisa-se de um mestre. Jean-Jacques Courtine destaca que, para Gustave Le Bon, conservador e darwinista social, a multidão “é um estado da natureza e esta natureza é feminina. Por sua suposta condição feminina, ela buscaria, portanto, um mestre para dominá-la”.[1] Sendo assim, essa visão resgata o “modelo arcaico dominante”, isto é, o modelo da dominação masculina. Isso explica porque as elites estão aderindo-se ao candidato conservador do PSL, pois acreditam que ele consegue exercer essa função, já que esbanja imponentemente uma imagem máscula.
Isso porque as classes dominantes estão desesperadas a procura de um líder capaz de tocar o projeto econômico de Temer (privatizações, cortes em educação e saúde, redução de impostos para o empresariado etc.). Contudo, parte delas está preocupada com a questão moral. E a disputa tornou-se curiosa.
As corporações midiáticas e financeiras apoiam a política econômica do candidato do PSL que, por sua vez, nada mais seria que a continuação do governo Temer. Mas, parte dela, não coaduna com a visão moral do presidenciável conservador.
Por outro lado, essas mesmas classes opõem-se ao projeto econômico de Haddad e Manuela, pois o golpe foi dado justamente para romper um projeto econômico que não queria pôr em risco os investimentos sociais. Mas não se opõem a visão de mundo dessa esquerda liberal que, diga-se de passagem, lembra muito o ponto de vista dos democratas norte-americanos.
Lógico que o empresariado não pensará duas vezes caso tenha que escolher entre salvar sua fortuna ou preservar sua moral. Por isso, vemos grande parte dele aderindo-se ao candidato do PSL, o único que restará, em um segundo turno, interessado em dar prosseguimento ao governo Temer, retirando os direitos trabalhistas conquistados ao longo dos séculos.
Essa lógica se inverte quando pensamos no povo, no assalariado de um modo geral. Parte das classes médias e baixas estão preocupadas com as questões morais e acreditam que elas são as causas da crise. Daí surgem deputados religiosos e militares, que para muitos são incapazes de cometer crimes já que representam valores sublimes.
Por um lado, essas classes apoiam o plano moral do candidato do PSL, mas, quando tem acesso às sugestões econômicas do presidenciável conservador, torcem o nariz e, alienados pelo poder inebriante do mestre, preferem nada comentar. É o que vemos nas redes sociais quando Paulo Guedes se manifesta: os seguidores do candidato de direita silenciam-se.
Por outro lado, a maior parcela do cidadão comum é contra a privatização, o fim dos direitos trabalhistas e à favor de políticas públicas que deu a ele, por exemplo, mais acesso à universidade. Ou seja, o cidadão comum, quando pensa economicamente, é muito mais simpático a ideia de recuperar a política econômica do PT que a das privatizações.
Entretanto, se levado a escolher entre sua moral e a questão econômica, ele é mais facilmente persuadido pela moral. Por isso, o candidato que carrega o discurso conservador adquire força.
Esse cenário é perfeito para a política econômica inaugurada pelo governo de Michel Temer se prolongar. As classes dominantes podem deixar de apoiar o candidato do PSL, caso Haddad sinalize uma adesão ao plano econômico que elas sustentam. Foi assim que Lula chegou ao poder em 2002.
A partir daí elas matariam dois coelhos com uma cajadada só, pois teriam o liberalismo em todos os aspectos (morais e econômicos), o mundo dos contos de fada da burguesia.
Essas eleições dificilmente colocarão fim ao projeto econômico de Temer. Ele avançará, seja por meio de um fantoche fanfarrão protofascista, ou através de um acordo, no mais, um equilíbrio que em tempos de alta deixa cair algumas migalhas para os operários.
Contudo, dessa vez, a volta do PT seria mais à esquerda, já que a vice também é de esquerda, completamente diferente de Temer, monstro que o PT erroneamente alimentou para manter a governabilidade. Um golpe hoje colocaria Manuela D’Ávila no poder, trocando seis por meia dúzia. Nem na época de Lula o vice era de esquerda. Ou seja, isso pode assustar um pouco a burguesia, caso o PT, no meio do caminho, decida ficar mais à esquerda de fato (cabe lembrar que a vice de Ciro Gomes, Kátia Abreu, é muito mais adepta ao agronegócio e ao repúdio às lutas por terras que qualquer outro candidato da esquerda).
Ou seja, embora essas eleições sejam incapazes de pôr fim ao projeto Temer de forma imediata, ela pode abrir espaço para a esquerda assumir o poder de fato. Isso ocasionaria em uma política de distribuição de renda direta ou indireta, no fim da política de cortes nos gastos públicos e na taxação das grandes empresas e do latifúndio, para, assim, angariar recursos que possam ser canalizados para a fomentação do microempreendedor e da agricultura familiar, setores que geram mais empregos e estimulam o consumo regional. Esse é o melhor plano, sincero e real, capaz de tirar o Brasil da crise tendo como maior protagonista o povo e nenhum líder de araque fantoche do mercado.
*Raphael Silva Fagundes é doutorando do Programa de Pós-Graduação em História Política da UERJ. Professor da rede municipal do Rio de Janeiro e de Itaguaí.