Programados para matar…de risos!
Bolsonaro e Daciolo são perigosos pelo seu potencial de minar a democracia pelos signos que oferecem aos fanáticos, atuando no campo das fantasias direitistas
O filme “Rambo – programado para matar”, dirigido por Ted Kotcheff (1982), mostra Sylvester Stallone em uma guerra particular contra tudo e contra todos, gerando pânico e destruição sob a imagem de heroísmo ilimitado. Jair Bolsonaro sonha em ser nosso Rambo tupiniquim “Sou capitão do Exército, minha missão é matar” e sua guerra particular atinge a esquerda e os direitos humanos.
O Cabo Daciolo, por sua vez, quer ser o equivalente político do bispo Edir Macedo, e como o título de sua cinebiografia, não tem “Nada a perder”. Ele usa a mesma estratégia que a igreja usa para canalizar seu público: para o cinema e para a política, basta que o jargão seja o mesmo, “Em nome do senhor Jesus” e tudo está resolvido, é a senha para os fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus comparecerem ao cinema ou a mesa de eleição. E, como no personagem do filme, basta encontrar um personagem com história muito sofrida, que sofreu humilhações, mas que –detalhe – tenha sido salvo pela palavra de Deus, que voilá, eis Daciolo no mesmo lugar de Macedo.
Ambos estiveram presentes no debate promovido pela TV Bandeirantes e viraram motivo de piada. Ambos representam o espelho convexo e deformador de nossa realidade política. Pensávamos que nada podia ser pior que Bolsonaro: calma aí, você não viu nada, veja agora o Cabo Daciolo. Ambos são produtos da era do espetáculo político para as massas misturados com o pior de nossa indústria cultural televisiva. Ambos são a síntese de nossos piores programas de auditório, e como tais, sempre suscitam a pergunta: será que alguém realmente acredita neles?
Em Bolsonaro está presente o mesmo ethos militarizante e masculinizante americano dos anos 80, a produção de uma visão maniqueísta do mundo e da vida social, a identificação do inimigo na figura da esquerda e o pensamento conservador como o infinitamente bom. Ora, como Rambo, o Bolsonarismo nada mais é do que a assunção da violência para eliminar o Outro que o ameaça. E, da mesma forma que o filme serve de propaganda ideológica, o Bolsonarismo apresenta justificativas e naturalizações para o autoritarismo de que se faz portador.
O fato de que essa violência fascina o eleitorado é preocupante. Bolsonaro atualiza o viés autoritário da sociedade e retira a sua parcela de responsabilidade nos horrores produzidos ao longo do tempo. Como afirma Bruno Carvalho, professor em Harvard, o sucesso de seu discurso se baseia na culpabilização de terceiros “Não foi você”, estimulando nossas fantasias de heroísmo “O bolsonarismo oferece a expiação da culpa e a transferência de responsabilidades”, diz Carvalho.
O bolsonarismo não é uma “bravata”, tem potencial destrutivo. Misoginia, racismo, homofobia, conversão do opressor em vítima, demagogia, mal informação e violência são seus ingredientes. O eleitor é ganho pela clareza: o problema é o bandido? Acabe-se com a bandidagem. É sua componente anti-intelectual, sua aversão a complexidade e ao conhecimento que o torna perigoso, ao contrário dos candidatos que agregam conteúdo a sua narrativa, como Boulos e Ciro. Quando Bolsonaro é criticado, tudo se resume ao…ataque ao direito de fazer piadas!
Em Daciolo está presente o mesmo ethos de espetáculo religioso comum aos pastores da igreja, mas o agravante é o aprofundamento da visão maniqueísta do mundo e da vida social de Bolsonaro, porque agora, o pensamento religioso na política é o equivalente do infinitamente bom. Ora, como Edir Macedo, o Dalcionismo nada mais é do que a assunção do discurso religioso na política para eliminar o Outro que o ameaça. Não se trata de apenas um discurso autoritário, é um discurso místico-religioso-político. Ele cobra votos porque eleição também é uma manifestação de fé. O fato de que essa religiosidade exacerbada possa atrair os crentes é preocupante. Em 2010, a população evangélica conta com cerca de 42 milhões de fiéis, e está crescendo, alvo de Daciolo. Ele pode sequer existir nas pesquisas, mas é bom estar atento: na era da transformação da política em espetáculo, e frente a ignorância da população, como Bolsonaro e Daciolo são perigosos porque são um perigo pelo seu potencial de minar a democracia pelos signos que oferecem aos fanáticos, atuando no campo das fantasias direitistas. Bolsonaro se quer programado para matar, mas até o momento, só conseguiu matar a língua portuguesa. Daciolo, se quer “fruto de Deus vivo” mas é a caricatura de nossa política, a prova de que sempre podemos piorar. Se ficarem só na imagem do que desejam ser, estamos no lucro. Mas é bom estar atento a sua evolução com cuidado: por enquanto, ambos só nos matam de…risos!
* Por Jorge Barcellos, historiador, mestre e doutor em educação. autor de O Tribunal de Contas e a Educação Municipal (Editora Fi, 2017), é colaborador de Sul21, Le Monde Diplomatique Brasil, Jornal do Brasil, Folha de São Paulo e do Jornal O Estado de Direito. Mantém a coluna Democracia e política no Jornal O Estado de Direito e a página jorgebarcellos.pro.br