Promessa européia…
Por trás do véu do Tratado de Lisboa pode-se encontrar mais um sorriso amarelo. Democracia, segurança, mudanças climáticas entram na lista de uma Europa Unida. Ao mesmo tempo, em que xenofobia, guerras contrastam com as aclamadas liberdade, igualdade e fraternidadeSerge Halimi
No momento em que um júri dá seu veredicto e inocenta um réu, o presidente do tribunal concede a palavra ao promotor para que este reinicie sua argumentação. Imagine também que, desta vez, a acusação consiga condenar o acusado. Isso seria possível, já que no dia 12 de junho, pouco tempo depois da rejeição do Tratado de Lisboa pelos irlandeses (ele pode entrar em vigor somente com o acordo da totalidade dos 27 países da União Européia), a maioria dos dirigentes deixou claro que o processo de ratificação continuava. Prometeram, ao mesmo tempo, “respeitar a vontade” dos irlandeses… É hábito das elites européias violar a soberania popular. Isso tornou-se “marca registrada” do continente, considerada como o reino da democracia na terra.
Por terem rejeitado um tratado “simplificado”, bastante enigmático, ao ponto de o primeiro ministro Brian Cowen admitir que não conseguiu lê-lo em sua totalidade, os irlandeses teriam, segundo um deputado europeu, ressuscitado a memória de “uma democracia popular”. Não é por acaso, que o referendo é o procedimento mais utilizado por ditadores [1], afirmou um de seus colegas. E o presidente do Parlamento Europeu Hans-Gert Pottering concluiu: “O não irlandês não pode ser a última palavra” [2]. Portanto, haverá um segundo referendo sobre o tratado de Lisboa e, talvez, um terceiro. Em Dublin, se votará até a aprovação do sim, já que isso é o que exigem os Estados cujos eleitores não foram consultados uma única vez.
Os irlandeses são culpados! Ingratos, egoístas, populistas, eles não conseguem alcançar o nível de generosidade e altruísmo de sua classe dirigente. Exceto quando lhe confiam o poder e dão permissão para empreender “reformas corajosas”. Mas neste caso, eles não votam de novo. Nisso, são muito europeus…
A marca Europa não pára de se expandir. A imagem de céu azul e nuvens fofinhas é vendida para mascarar o céu nublado europeu
Uma mola quebrou. A marca Europa não pára de se expandir e vender, evocando a paz, a prosperidade, justiça, igualdade. Ela produziu lindos cartazes com um céu azul e muitas mães que amam seus filhos. Dispõe de inúmeros jornalistas e artistas. Seminários, reuniões, gratificações produzem a Europa de forma tão certa quanto os moinhos produzem vento. Mas sua bandeira mal se agita. Sua identidade parece tão evanescente, que quando ela imagina uma moeda única, o único sentido impresso nas notas é a vida mais cara.
Ela fala de paz, mas prepara guerras incertas ao lado do exército norte-americano. Ela fala de progresso, mas organiza a desregulamentação do trabalho. Ela fala de cultura, mas escreveu uma diretiva, televisão sem fronteira, cujo principal resultado será multiplicar a freqüência dos anúncios publicitários. Ela fala de ecologia, de segurança alimentar, anulando um embargo de 11 anos sobre a importação de frangos norte-americanos anteriormente imersos em um banho de cloro [3]. Finalmente, a Europa fala de liberdade. E subscreve uma “diretiva da vergonha”, prevendo que os estrangeiros ilegais poderão ser colocados em prisão por 18 meses antes a expulsão do país.
Manter a promessa européia impunha a harmonização por cima: liberdade, direitos sociais, impostos progressivos, independência. Em nome da unificação, ao contrário, diminuiram-se as conquistas nos estados mais avançados. O resultado é a detenção prolongada, o trabalho noturno para as mulheres, o livre-comércio, a aliança com os Estados Unidos. Finalmente, este tipo de reflexo terminou de criar uma Europa Social: aquela que diz não. Quando observou que na Irlanda as mulheres, os jovens de 18 a 29 anos, os trabalhadores e os empregados rejeitaram maciçamente o texto proposto, o semanário The Economist ironizou :” Um colégio eleitoral próximo aos do século 19 – ou seja, restrito aos proprietários idosos do sexo masculino – teria produzido um enorme sim ao Tratado de Lisboa” [4]. Mas qual Europa pode se construir com o regresso ao voto censitário?
traduções deste texto >>
English — European style: nobody loves it
Esperanto — Irlando
français — Irlande
فارسى — ايرلند
Português — Irlanda
Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).