Quais são os problemas da relação Brasil e Estados Unidos?
Em um texto anterior, eu já havia escrito no Le Monde que o Brasil poderia ter problemas em três relações bilaterais em 2025: EUA, Argentina e Venezuela. E nesse cenário complexo, as tensões estão acontecendo com os EUA. Quais são essas tensões entre os dois países?
Desde que Donald Trump assumiu um novo mandato em janeiro, os dois países não acertaram encontros bilaterais. Esse já é um indicativo de que há menor disposição para o diálogo. Especialmente, do lado norte-americano, que está tratando o Brasil e a América Latina como seu quintal.
A prioridade americana no governo Trump em política externa são os continentes da Europa, Ásia e a região do Oriente Médio. Em termos práticos, o foco está nos conflitos entre Rússia x Ucrânia e Israel x Hamas, além da inevitável atenção para a China. Portanto, não há espaço para atender o Brasil e tão pouco a América Latina.
Além desse imbróglio diplomático, há mais duas questões que podem potencializar os problemas entre Brasil e EUA: as taxas comerciais de Trump e o a disputa Musk-STF.
No primeiro caso, trata-se de um assunto relacionado à pauta econômica. As barreiras impostas por Trump terão impactos em diversos setores brasileiros, como o aço, o agronegócio, entre outros. É importante lembrar que os EUA são o segundo maior parceiro comercial do país. Eles possuem uma importância relativa para a balança comercial brasileira, por exemplo, no ano de 2024, o Brasil conseguiu alcançar superávit de aproximadamente 75 bilhões de dólares, segundo dados do ComexStat do Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio (MDIC).
A estratégia brasileira será a reciprocidade. Ou seja, se os EUA taxarem em 10% dos produtos brasileiros, haverá medida semelhante adotada pelo Brasil. Como esse tema causa impacto em vários setores da economia nacional, há certo apoio dos diversos setores políticos a medida recíproca, caso ela venha a ser adotada no futuro.

O outro ponto de tensão entre os dois governos, é a disputa pela regulação da liberdade de expressão nas redes. No mês passado, o Itamaraty encaminhou uma nota à imprensa contestando um setor do departamento de estado norte-americano que era favorável ao não cumprimento de decisões judiciais pelas empresas norte-americanas. Esse debate envolve as empresas americanas que são aliadas do governo Trump, por exemplo, do bilionário Elon Musk.
Nesse caso, o Itamaraty agiu de forma coerente com a sua conduta. Não podemos esquecer da importância de reafirmar nossa soberania, algo que muitas vezes não é levada em consideração pelos americanos quando querem impor seus interesses. Nesse caso, o assunto envolve atores políticos que são aliados na defesa de valores antidemocráticos, a dupla Trump-Musk. Qual seria a alternativa do Brasil para essa relação tensa com os EUA?
Por um lado, o Brasil precisa apostar pela solução multilateral com seus vizinhos da América do Sul e da América Latina. O Mercosul e a CELAC são caminhos naturais para buscar acordos comerciais e aumento de mercados, como alternativa as tarifas impostas por Trump.
Por outro lado, é necessário contrabalançar a relação com os EUA por meio da China. Há possibilidades de comércio, inovações tecnológicas e maior intercâmbio cultural com os chineses. Aprofundar ainda mais nosso principal parceiro comercial é uma alternativa para que não sejamos tratados como quintal. Essa via pode ser feita de forma bilateral ou multilateral, com alinhamentos de postura no BRICS+.
É somente criando alternativas para os problemas que surgem com os EUA, que o Brasil poderá ser mais autônomo. Buscando sempre uma relação igual e recíproca com nossos vizinhos, sem adesões subalternas aos presidentes de turno no Tio Sam.
Danilo Sorato é professor de História e Relações Internacionais. Doutorando em Estudos Estratégicos pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Pesquisador do Laboratório de Política Externa Brasileira (LABPEB/UFF) e Pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos e do Planejamento Espacial Marinho (CEDEPEM/UFF/UFPel). Escreveu diversos artigos acadêmicos e jornalísticos sobre as relações internacionais do Brasil, em especial os governos Temer, Bolsonaro e Lula.