Os protestos de junho de 2013 são um marco inconteste na vida política brasileira. Quase dez anos depois, muitos dos temas e das chaves interpretativas que pautam nossas discussões emergiram naquele momento. Junto com a Primavera Árabe, Occupy Wall Street, Indignados, entre outros, as Jornadas de Junho fazem parte das ondas de protestos que ocorreram em diversas partes do mundo e marcaram uma transformação nas ações coletivas.
O debate sobre as consequências desse processo tem sido intenso e Paolo Gerbaudo inicia sua contribuição com o livro Redes e ruas: mídias sociais e ativismo contemporâneo, e continua sua reflexão no lançamento Máscaras e bandeiras: populismo, cidadanismo e protesto global. Nesta obra, o autor traz o neoliberalismo e o populismo para o centro da análise dos protestos.

A máscara e a bandeira servem de símbolo para o que o autor identifica como “as duas principais orientações políticas – neoanarquismo e populismo de esquerda – que se encontraram, se misturaram e se chocaram nos movimentos de 2011 a 2016, dando lugar à ‘nova política’ do cidadanismo”. O autor valoriza a tomada de protagonismo dos cidadãos na busca de (re)colocar a cidadania no centro da vivência democrática sem, no entanto, fugir do debate sobre as contradições intrínsecas a esse processo que ele chama de “cidadania auto-organizada”.
Para nós, como brasileiros e brasileiras, é difícil olhar para os movimentos de 2013 e, sobretudo, para os anos que os sucederam e enxergar apenas essa perspectiva positiva. O caso brasileiro, de fato, parece desafiar pelo menos uma das premissas levantadas por Gerbaudo. Para ele, essa cidadania auto-organizada, buscada pelos cidadãos indignados, se colocaria “em oposição às oligarquias econômicas e políticas” e procuraria “reivindicar e expandir a cidadania”, o que certamente não aconteceu por aqui.
Justamente por isso essa obra é tão desafiadora. Se por um lado o caso brasileiro parece sair pela tangente em relação a alguns argumentos, por outro, Gerbaudo é capaz de traçar caminhos de esperança e de encontrar potencialidades que certamente são essenciais para processos de transformação social. Em tempos de desamparo político e social, buscar entender e aprofundar experiências inovadoras, interessantes e democratizantes é, sem dúvida, essencial, e esse livro é magnânimo nesse sentido.
Nina Santos é diretora do Aláfia Lab, coordenadora acadêmica do desinformante* e pesquisadora do INCT.DD, Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital, da Universidade Federal da Bahia (UFBA).