Quando o lucro cala direitos, é hora de regular
O atual modelo de negócios das plataformas digitais, baseado na extração massiva de dados e na atenção como mercadoria, reforça as estruturas de desigualdades e ataca direitos fundamentais
A agenda sobre a regulação de plataformas digitais não diz respeito apenas ao modelo de negócios das empresas proprietárias destas plataformas. Se fosse apenas sobre o modelo de negócios já seria grave, mas, estamos tratando do controle sobre o debate público, sobre o que é debatido e como é debatido. Significa dizer também que os serviços dessas empresas incidem diretamente sobre o estreitamento da compreensão atual do que são as formas de participação democrática possíveis no debate em sociedade.
Exatamente por deter uma influência tão grande sobre as condições em que o debate público ocorre, tornam-se necessários instrumentos públicos e sociais para contrabalançar essa influência. Ao se autodenominarem “redes sociais”, as empresas, na realidade, anunciam a origem de seu butim — o lugar de onde extraem sua pilhagem — e atendem ao imperativo da acumulação de capital: os laços que entrelaçam as relações sociais cotidianas por meio de seus afetos, os quais, estes sim, tecem uma verdadeira rede social de amizades, vínculos familiares e relações profissionais. A ordem capitalista assenta-se sobre estruturas de poder historicamente formadas e orientadas para disputar essas relações, através das quais, pela constante reorganização de suas bases materiais e ideológicas, extrai os meios de dominação e legitimação da reprodução da lógica de acumulação.
As estruturas formam as condições sociais de classe, raça, gênero e sexualidade nas sociedades. Por conta disso que se constata, corretamente, que as empresas de plataformas digitais, privatizando as redes sociais, organizam uma fusão entre ódio e negócios, moldando afetos e subjetividades políticas. Encontra, assim, uma tremenda afinidade na vazão das violências de classe, raça, gênero e sexualidade reiteradas para a manutenção da ordem do capital, isto é, a sua ordem.
A campanha Internet Legal nasce como um espaço para organizar a indignação diante deste cenário e defender a esperança de que é possível transformá-lo, com organizações como a Coalizão Direitos na Rede, Rede Soberania Digital, Rede Nacional de Combate à Desinformação e o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação. O estopim foi a declaração da Meta, em janeiro de 2025, afirmando que abandonaria compromissos com políticas de moderação de conteúdo e que atuaria para impedir avanços regulatórios na América Latina e Europa. A mensagem foi explícita: as empresas de plataformas digitais não pretendem abrir mão do controle sobre seu butim.

Diferentes organizações da sociedade — de variados campos de luta como direitos digitais, saúde, meio ambiente, cultura, educação, moradia e comunicação — decidiram se articular para construir a Internet Legal. O que nos une é a certeza de que o atual modelo de negócios das plataformas digitais, baseado na extração massiva de dados e na atenção como mercadoria, reforça as estruturas de desigualdades e ataca direitos fundamentais.
Essa lógica, que organiza o tempo e o cotidiano de bilhões de pessoas ao redor do mundo, alimenta uma máquina de vigilância, desinformação e precarização. E tem impacto direto no nosso bem-estar mental e até na sustentabilidade do planeta — basta observar os custos ambientais da infraestrutura que sustenta a chamada “nuvem”.
A campanha Internet Legal quer construir caminhos alternativos, fazendo com que a internet seja um espaço no qual possamos conversar, criar, aprender, amar — com liberdade e sem medo. Onde os laços sociais venham antes dos lucros. Onde as regras sejam claras e democráticas, e não ditadas unilateralmente por empresas bilionárias. É possível uma internet que respeite a diversidade, promova o conhecimento e garanta direitos. Mas, para isso, é preciso regulação democrática, participação social e coragem política.
Alexandre Arns Gonzales é consultor da Coalizão Direitos na Rede e integrante do Direito à Comunicação e Democracia (DiraCom).