Quem elegeu Ursula von der Leyen?
No dia 16 de julho, quando os deputados confirmaram a escolha dos chefes de Estado e de governo, as proclamações de campanha – “progressistas” contra nacionalistas – novamente cederam lugar a uma configuração política completamente diferente. Os parlamentares socialistas votaram ora contra a deputada Von der Leyen (franceses e alemães, em particular), ora a favor (espanhóis e portugueses).
Providencial a onda de calor de julho de 2019! Ela ofuscou um caso igualmente revelador de distúrbios atuais, mas democráticos. Cegos pelo suor, poucos europeus realmente notaram que o discurso político que lhes vinha sendo servido havia pelo menos três anos acabara de ser dinamitado. E a imprensa, ocupada com outras “investigações”, não se deu ao trabalho de lhes sinalizar isso.
Centenas de milhões de eleitores europeus eram, até então, embalados por um grande discurso maniqueísta. A política da União Europeia e as eleições de 26 de maio se resumiam ao enfrentamento entre dois campos: liberais contra populistas.1 No entanto, em 2 de julho, uma vez concluída a eleição dos deputados, uma cúpula dos chefes de Estado e de governo da União Europeia recomendou que a ministra democrata cristã alemã Ursula von der Leyen se tornasse presidenta da Comissão Europeia. A ideia teria vindo de Emmanuel Macron. Sua sugestão foi naturalmente retomada pela chanceler alemã Angela Merkel, mas também pelo… primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán.
Desde sua eleição, no entanto, o presidente francês não deixara de jurar que se mostraria inflexível diante dos nacionalistas e dos “populistas”, portadores de “paixões tristes”, “de ideias que, tantas vezes, acenderam os braseiros em que a Europa poderia ter perecido”. Eles “mentem para o povo” e lhe “prometem o ódio”, ele tinha dito.2 Macron até se afastou de sua modéstia irrepreensível para desafiar dois desses incendiários, o ministro italiano do Interior, Matteo Salvini, e Orbán: “Se eles quiseram ver na minha pessoa seu principal adversário, eles estão certos”.
No dia 16 de julho, quando os deputados confirmaram a escolha dos chefes de Estado e de governo, as proclamações de campanha – “progressistas” contra nacionalistas – novamente cederam lugar a uma configuração política completamente diferente. Os parlamentares socialistas votaram ora contra a deputada Von der Leyen (franceses e alemães, em particular), ora a favor (espanhóis e portugueses). E, no último caso, eles se uniram aos nacionalistas poloneses e os companheiros de Orbán. Ou seja, os mesmos que Marine Le Pen estava cortejando alguns dias antes para formar com eles um grupo comum em Estrasburgo… No final, a candidata de Macron deve sua eleição à presidência da Comissão Europeia – obtida graças a uma maioria de apenas nove votos – a uma coalizão heteróclita composta dos treze parlamentares húngaros leais a Orbán, bem como dos catorze eurodeputados “populistas” do Movimento 5 Estrelas, na época aliados de Salvini.
Vamos apostar, no entanto, que, mesmo quando as temperaturas tiverem voltado ao normal no Velho Continente, a maioria dos jornalistas continuará a se debruçar sobre as categorias artificiais com que Macron os paparicou.
Serge Halimi é diretor do Le Monde Diplomatique.
1 Ler Serge Halimi e Pierre Rimbert, “Populistes contre libéraux, un clivage trompeur” [Populistas versus liberais, uma divisão enganosa], Le Monde Diplomatique, set. 2018.
2 Discurso da Sorbonne, Paris, 26 set. 2017.