Quem matou Berta Cáceres?
O assassinato de Berta Cáceres em 3 de março em Honduras provocou uma onda de indignação. A morte se junta à de numerosos militantes ameríndios e ecologistas contrários às barragens hidrelétricas que proliferam na América Central.Cécile Raimbeau
Queremos trabalho e desenvolvimento!” Neste dia de abril de 2016, cerca de vinte camponeses bradam seus facões em torno de um líder, revólver na cintura. Diante deles, ameríndios Lencas, acompanhados de ecologistas de diversas nacionalidades, tentam chegar ao local da barragem Agua Zarca. Eles querem prosseguir a luta de Berta Cáceres, homenageada pelo Prêmio Goldman de Meio Ambiente em 2015 e assassinada um ano mais tarde, e a de Nelson García, morto quinze dias depois dela. Logo, a delegação internacional tem de recuar para escapar das lâminas e pedras que são jogadas. Os policiais permanecem imóveis.
A cena se passa em San Francisco de Ojuera, no oeste de Honduras. Ela oferece uma nova ilustração do conluio comum entre as forças da ordem e os apoiadores da empresa hidrelétrica Desarrollos Energéticos SA (Desa). Desde que o Conselho Cívico das Organizações Populares e Indígenas de Honduras (Copinh) – criado em parte graças ao impulso de Berta Cáceres – começou a protestar contra esse projeto de barragem, observam-se a militarização da região e o aumento da perseguição policial. As prisões arbitrárias se tornaram comuns.
Em 2009, menos de dois meses após o golpe de Estado militar (apoiado pela direita) ter derrubado o presidente Manuel Zelaya,1 Honduras aprovou a Lei Geral das Águas, que autoriza a outorga a terceiros de concessões dos recursos hídricos do país. Menos de um ano depois, quarenta já tinham sido aprovadas… e os assassinatos de manifestantes, se multiplicado. Em seis anos, 109 hondurenhos foram mortos por terem assumido uma posição contrária aos projetos de barragens hidrelétricas, exploração mineral, florestal ou agroindustrial.2
Esse balanço não é exclusivo do país: pelo menos quarenta defensores de rios foram assassinados em dez anos em toda a América Central, segundo o Movimento Mexicano das Pessoas Afetadas por Barragens e da Defesa dos Rios (Mapder).3 Em outubro de 2014, Atilano Román Tirado, líder de um movimento de agricultores mexicanos deslocados pela barragem Picachos, foi abatido. Ele apresentava seu programa de rádio, e os ouvintes puderam ouvir os tiros ao vivo. Na Guatemala, onde o governo do presidente Otto Pérez Molina foi forçado a deixar o poder em setembro de 2015 em consequência de um grande escândalo de corrupção, contam-se pelo menos treze mortos, entre os quais duas crianças da etnia maia q’eqchi’ originárias do vilarejo de Monte Olivo. Aqui como em outras partes da região, a oligarquia é a principal beneficiária desse entusiasmo pelo “carvão branco” (a energia elétrica), encorajado pelos empréstimos de bancos internacionais – Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Banco Centro-Americano de Integração Econômica (BCIE) – e pelas filiais das agências de cooperação europeias que se dedicam ao apoio do setor privado dos países do Sul: a francesa Proparco (filial da Agência Francesa de Desenvolvimento), a alemã DEG, a holandesa FMO… Esses organismos de economia mista não hesitam em se aliar mais ou menos discretamente com fundos de pensão e multinacionais, por meio de arranjos complexos.
Facilitadas por práticas clientelistas e especulativas, as concessões se multiplicam, de tal forma que os projetos hidrelétricos pululam em toda a América Central: 111 no Panamá, cerca de sessenta na Costa Rica, mais de trinta na Nicarágua, pelo menos quarenta em Honduras, cerca de vinte em San Salvador, mais de cinquenta na Guatemala e no México… Previstas ou em construção, todas essas barragens fazem parte de um amplo programa de integração regional: o Projeto Mesoamérica (PM), versão mais apresentável do controvertido Plano Puebla-Panamá,4 que pretendia combater as desigualdades reforçando a liberalização das trocas graças ao desenvolvimento maciço das infraestruturas regionais. Esse novo programa promove a energia chamada “renovável” em nome da luta contra o aquecimento climático. A meta é conectar uma multidão de centrais hidrelétricas à nova linha de alta tensão de 1.800 quilômetros que atravessa seis países, do Panamá à Guatemala. Trata-se do Sistema de Interconexão Elétrica dos Países da América Central (Siepac), que inclui a transnacional ítalo-espanhola Endesa-Enel entre seus acionistas. Em suas margens, as companhias nacionais de eletricidade dos países envolvidos, todas em via de privatização…
“O objetivo é promover um mercado elétrico regional, competitivo, aberto às empresas do setor elétrico de cada país, que sejam produtoras ou distribuidoras de energia”, explica Giovanni Hernandez, secretário executivo da Comissão Regional de Interconexão Elétrica (Crie), o organismo regulador desse mercado, estabelecido na Cidade da Guatemala. Ao autorizar a importação e exportação da energia de um país para outro, esse grande mercado da eletricidade deve “servir o crescimento econômico num esquema em que todos ganham”. A lógica desse equilíbrio seria evidente: a competição entre atores privados garantiria melhores serviços com tarifas mais vantajosas para os usuários.
Barragens no coração das terras indígenas
Não vendo essas promessas se cumprirem, os adversários das barragens dos países atravessados pelo Siepac ficaram preocupados com os abandonos de soberania que essas concessões provocam: se deixarmos de lado a Costa Rica, onde os movimentos sociais lutam há cerca de vinte anos para preservar o setor público, cerca de 80% da produção de eletricidade da América Central já está privatizada. Empresas transnacionais (AES, Enel, Gas Natural Fenosa, TSK-Melfosur, Engie etc.) e regionais (Grupo Terra, Lufussa) conquistaram as mais importantes fatias de mercado, tanto na distribuição como na produção de eletricidade.5
Na Guatemala, onde a privatização do setor de energia foi subordinada à reconstrução após o fim da guerra civil em 1996, vários camponeses não conseguiram mais pagar suas contas de luz, mesmo usando apenas duas ou três lâmpadas por residência. “Sua fatura se eleva a mais de 20% do salário”, observa Thelma Cabrera, presidente do Comitê de Desenvolvimento Camponês (Codeca). “Em vinte anos, o preço do quilowatt-hora aumentou a ponto de se tornar o mais caro de toda a América Central e de muitos países da América Latina.” Em 2015, a empresa Energuate (do grupo britânico Actis) cobrava cerca de US$ 0,25 pelo quilowatt-hora, 2,5 vezes mais que o preço médio para os particulares em outros países da América Central.
Para protestar contra essa situação e exigir a renacionalização dos serviços elétricos, os membros do Codeca se recusam a pagar, ao mesmo tempo que fazem ligações clandestinas na rede. Os três principais movimentos guatemaltecos de resistência a essas elevações tarifárias se expõem assim à repressão. Entre 2012 e 2014, foram 97 pessoas presas, 220 feridas, 17 mortas. A maior parte fora das manifestações.6
Se as privatizações ainda não provocaram a diminuição das tarifas, a multiplicação das barragens “deveria contribuir para isso”, garante por sua vez Luis Manuel Buján Loaiza, diretor financeiro da empresa proprietária da rede Siepac (EPR), instalada em San José, capital da Costa Rica. “A hidreletricidade é no momento a energia menos cara para produzir, o que deveria com o tempo repercutir nas contas de luz dos usuários.” No entanto, o caso da Costa Rica fornece um novo exemplo do contrário disso: nesse país, onde, em 2015, 72% da eletricidade produzida era de origem hidráulica, as tarifas subiram até 2013, depois permaneceram entre as mais elevadas da região, sobretudo para as residências.7
Na esteira da Guatemala, primeiro exportador de eletricidade da América Central, a Costa Rica se engaja nesse caminho, desprezando populações locais, que não tiram disso nenhum benefício, acabam sendo deslocadas ou veem seu meio ambiente ser perturbado. Já autossuficiente, com 97% de sua eletricidade fornecida graças a energias renováveis, o país pretende construir a maior barragem da região, provida de um reservatório que cobre mais de 6.800 hectares, no território dos ameríndios Térraba. “Por seu porte, esse projeto, batizado de El Diquís, vai emitir tanto metano – gás do efeito estufa emanado da decomposição da vegetação tropical inundada – que fica difícil considerá-lo mais ecológico que uma central térmica”, destaca o professor Jorge Lobo, biólogo na Universidade Nacional da Costa Rica. Embora produzindo uma energia “renovável”, as barragens, em particular as maiores, estão longe de ter um impacto aceitável no meio ambiente: terras aráveis submersas, aceleração da erosão, retenção de sedimentos, modificação da repartição das águas e dos ecossistemas, redução da biodiversidade etc.
“Seria correto multiplicar as barragens hidrelétricas em nome da luta contra o aquecimento climático sem questionar um modelo de desenvolvimento hiperconsumidor de energia e destrutivo?”, pergunta por sua vez o presidente da Federação Ecologista da Costa Rica, Mauricio Álvarez. Sua organização contesta as projeções de consumo energético oficiais, que justificam a necessidade de barragens. Essas avaliações ignoram qualquer sobriedade energética e são calculadas sobre a base do desenvolvimento de uma economia mineira e extrativa, ao mesmo tempo poluente, grande consumidora de eletricidade e geradora de conflitos socioterritoriais assassinos.
No Panamá, a barragem Barro Blanco, contestada pelos indígenas Ngäbes, vai produzir a quantidade de eletricidade necessária para um único grande shopping center climatizado, ainda mais “energívoro” que qualquer arranha-céu da capital. Apesar dos difíceis anos de protesto, a população de três aldeias ngäbes está prestes a ser deportada com a conclusão do reservatório e seu primeiro represamento. Este foi construído nas proximidades da fronteira que delimita o território atribuído aos Ngäbes-Buglé, protegido pela Constituição panamenha, de modo que seu lago artificial vai inundar ilegalmente 6 hectares do domínio ameríndio.
Empresas regionais e internacionais constroem ao longo de todo o Siepac barragens em terras indígenas contra a vontade de seus habitantes. Os direitos dos povos autóctones “à consulta e ao consentimento prévio, livre e esclarecido” figuram na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Autóctones e na Convenção n. 169, relativa aos povos indígenas e tribais da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pela maior parte dos países americanos.
Os Ngäbes, que fazem manifestações desde o verão, já perderam dois dos seus por ocasião das marchas anteriores, duramente reprimidas em 2012. Eles denunciam a aprovação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), ligado ao Protocolo de Kyoto, concedido à barragem Barro Blanco. Esse sistema de mercado do carbono encorajado pela ONU promove o financiamento pelos países ricos de projetos que favoreçam as energias renováveis nos países do Sul. As empresas hidrelétricas convertem em créditos de carbono o gás carbônico que não foi emitido e os vendem a empresas poluidoras que precisam compensar suas emissões. “Essas aprovações são concedidas a projetos que pretendem emitir menos gases de efeito estufa que um projeto de energia fóssil. Mas as necessidades energéticas reais dos países não são fatores que têm primazia nos parâmetros de atribuição, e ainda menos têm a opinião das populações locais”, salienta o professor Lobo, preocupado com os desflorestamentos que ameaçam a rica biodiversidade da América Central.
“Precisamos da solidariedade internacional”
Os Ngäbes enviaram cartas com reclamações ao conselho executivo do MDL. Berta Cáceres nada obteve desse organismo da ONU. Após seu assassinato, a polícia militar hondurenha realizou a prisão de seis suspeitos, entre os quais um militar da reserva, ex-empregado da Desa, e um militar da ativa. A família da ecologista e as organizações indígenas continuam a reclamar uma investigação independente, especialmente desde que o diário britânico The Guardian revelou que ela era mencionada numa lista do Exército hondurenho na qual aparecia o nome de pessoas que deveriam ser eliminadas.8
“Precisamos da solidariedade internacional e da pressão dos cidadãos da União Europeia sobre suas próprias empresas, bancos e governos”, lança Bertita, a filha de Berta Cáceres. “Minha mãe não morreu por nada, sua luta deve se propagar.” O impacto desse assassinato levou vários fundos internacionais (FMO, Finnfund) a suspender seus financiamentos ao Projeto Agua Zarca, enquanto a empresa alemã Voith Hydro congelou toda entrega de turbinas à empresa hondurenha, à espera das conclusões da justiça. Mas os investidores estrangeiros ainda estão longe de ter integrado o princípio do livre consentimento das populações locais antes de apoiar os projetos regionais.