Raimundo Carrero: ‘acredito que possa existir um Brasil mais justo e menos violento’
Autor pernambucano é o último entrevistado no especial do Le Monde Diplomatique Brasil em comemoração ao Dia Nacional do Escritor
O quinto e último entrevistado do especial do Le Monde Diplomatique Brasil em comemoração ao Dia Nacional do Escritor (25 de julho) é o escritor e jornalista Raimundo Carrero, nascido em Salgueiro (PE), em 1947. Nas últimas semanas, também foram entrevistados Cidinha da Silva, Carlos Eduardo Pereira, João Anzanello Carrascoza e Eliana Alves Cruz.
Autor de livros como Maçã agreste (1989), As Sombras Ruínas da Alma (1999) e Minha Alma é Irmã de Deus (2010), Raimundo Carrero venceu alguns dos principais prêmios literários do país, inclusive o Jabuti, o São Paulo, o APCA e o Machado de Assis. Desde 1990, ministra a própria oficina de criação literária, responsável por revelar grandes nomes da literatura brasileira contemporânea.
Em 2010, sofreu um AVC, que o deixou com o lado esquerdo do corpo comprometido. No livro O senhor agora vai mudar de corpo (2015), aborda a experiência que mudou para sempre sua vida.
O pernambucano era bastante próximo do escritor e dramaturgo Ariano Suassuna (falecido em 2014), de quem recebeu o melhor conselho de toda a sua vida: “não atenda aos modismos e defenda sempre a sua visão do mundo.”
Confira a entrevista na íntegra:
Recentemente, a Oia Editora reuniu em um box quatro obras do início de sua carreira que estavam fora de catálogo: A dupla face do baralho, Viagem no ventre da baleia, Sinfonia para vagabundos e Os extremos do arco-íris. O lançamento também fez com que o senhor revisitasse esses livros? Como foi esse reencontro?
A minha obra é uma experiência única e reúne elementos de que trato desde o começo da minha carreira, de forma que os temas e as reflexões se encontram e se afirmam. A tetralogia foi uma grande ideia de Carlos Benevides [editor da Oia Editora] de maneira que o leitor encontra ali o caminho que enfrentei para mostrar minhas preocupações com o mundo.
Seu livro de contos Estão matando os meninos, publicado pela Iluminuras em 2020, traz um olhar crítico e sensível às injustiças do Brasil, especialmente no que se refere à violência policial. Para o senhor, a possibilidade de um país mais justo e menos violento existe? Se sim, o que é preciso para torná-lo realidade?
Sim, acredito que possa existir um Brasil mais justo e menos violento até porque temos uma índole pacífica. E ainda temos uma imprensa livre que denuncia constantemente as injustiças.
Sua oficina de criação literária é uma das mais conhecidas em todo o país, inclusive é constantemente elogiada por grandes escritores que passaram por ela, como Marcelino Freire e Tiago Germano. Quais são, em sua opinião, os elementos indispensáveis a uma boa oficina de criação literária?
Estudo permanente, dedicação e empenho. Uma oficina exige, ainda, muita leitura e exercícios constantes. Enfim, é necessária a crença absoluta nessa vocação que não existe sozinha.
Em comparação com o momento em que o senhor estreou como autor, acredita que, atualmente, leitores e editoras dão mais atenção à literatura produzida por escritores e escritoras do Nordeste?
Acredito que sim, até porque existe a questão de que os livros de autores nordestinos ficaram muito tempo sem serem adotados em escolas. Agora, além de eles terem recuperado o seu espaço nas instituições, temos tido a participação de autores em eventos e debates. Com isso, os leitores foram aparecendo e criando um público muito interessado.
Em 25 de julho, foi comemorado o Dia Nacional do Escritor. Na atualidade, o que os autores e as autoras mais têm a celebrar no país? E com o que eles e elas devem se preocupar?
Nesse momento, os escritores têm muito a celebrar, justamente por conta do crescimento deste público com mais leitores e mais vendas.
Em sua opinião, qual escritor ou escritora merece maior atenção de leitores, leitoras, editoras e da crítica especializada no Brasil?
No plano contemporâneo, chamo a atenção sempre para as mulheres que realizam um edificante compromisso literário com a dimensão de Micheliny Verunschk, por exemplo. Uma grande escritora.
Qual foi o melhor conselho que o senhor já recebeu no meio literário? E o pior?
O melhor conselho, eu ouvi de Ariano Suassuna: não atenda aos modismos e defenda sempre a sua visão do mundo. Já o pior, não sei dizer. Ninguém me disse algo tão ruim assim.
O que move sua escrita?
A vontade de mudar o mundo, com o que acredito muito, e sonhar com a solidariedade humana.
Bruno Inácio é jornalista, mestre em comunicação e autor de “Desprazeres existenciais em colapso” (Patuá) e “Desemprego e outras heresias” (Sabiá Livros). É colaborador do Jornal Rascunho e da São Paulo Review e tem textos publicados em veículos como Le Monde Diplomatique, Rolling Stone Brasil e Estado de Minas.