Relações militares com Israel: ônus e contradições
A esperança é que o governo brasileiro ouça às vozes do forte e crescente movimento global por um embargo militar a Israel. Dezenas de movimentos sociais, partidos políticos, centrais sindicais, acadêmicos e parlamentares brasileiros fazem coro a este pedidoMaren Mantovani
No início desta semana, o Secretário Geral das Nações Unidas (ONU) Ban Ki-Moon disse que Israel não pode seguir atacando àqueles que criticam de maneira bem intencionada suas políticas “míopes ou moralmente prejudiciais”. Em artigo no New York Times, Ban Ki-Moon rebateu os ataques do primeiro ministro israelense Benjamin Netanyahu a suas críticas às políticas israelenses, reitrando sua oposição à ocupação dos territórios palestinos, que classificou como “humilhante e sem fim”, e às políticas de expasão das colônias ilegais e demolições de casas palestinas por Israel.
Ataques como resposta a críticas têm sido uma constante por parte de Israel. Há duas semanas, Netanyahu declarou que não haverá outra indicação de embaixador caso o Brasil não aceite Dani Dayan, ex-presidente e atual representante internacional do Conselho Yesha, instituição que representa os colonos ilegais na Cisjordânia e Jerusalém. Este impasse, segundo um alto oficial brasileiro, poderia acarretar em atraso na execução de contratos militares entre Brasil e Israel, sobre o que o ex-ministro da Defesa Celso Amorim comentou: “Não podemos continuar excessivamente dependentes da tecnologia de Israel, é hora de diversificarmos nossos fornecedores”.
O caso traz luz ao que movimentos palestinos e brasileiros já denunciavam: como quinto maior importador mundial de armas israelenses, o Brasil não somente põe a sua soberania política em risco, como financia as violações do direito internacional cometidas por Israel. Até recentemente, quase todos os projetos estratégicos da defesa brasileira contavam com componentes tecnológicos de empresas de Israel.
A israelense Elbit Systems, marcadamente, fornece ao Brasil veículos áreaos não tripulados (VANTs) e tecnologia para o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON), para aviões, helicópteros e tanques Guaraní das Forças Armadas. Não à toa, a subsidiária gaucha da empresa obteve, entre 2003 e 2013, um salto no seu faturamento de 300 mil para quase 154 milhões de reais.
A Elbit está diretamente envolvida em crimes de guerra contra o povo palestino: participa da construção do Muro, considerado ilegal pela Corte Internacional de Justiça, e das colônias na Cisjordânia, que juntos tem usurpado mais de 60% da Cisjordânia ocupada por Israel desde 1967. Se por um lado o Brasil segue criticando estas e outras políticas israelenses, por outro continua financiando a infraestrutura que as viabiliza.
O país esvazia a credibilidade de sua política externa a cada novo contrato militar com Israel e empresas que testam suas armas e tecnologias em construções ilegais e repetidos massacres contra a população palestina. Durante o último massacre à Gaza, o Brasil chamou seu
embaixador para consultas, mas manteve os adidos militares brasileiros de ligação com o exército israelense. Enquanto Dayan é negado, o presidente da Elbit Systems, Joseph Ackermann, é condecorado com a Ordem do Mérito Aeronáutico no Grau de Comendador.
Ainda que durante o mandato de Celso Amorim, o Ministério de Defesa começasse a buscar novos parceiros, o país continuou comprando tecnologia testada sobre os palestinos: a FAB, por exemplo, adquiriu a última geração de drones da Elbit, os VANTs Hermes 900, que ainda estavam sendo testados durante o massacre a Gaza de 2014. Também a compra de caças da sueca SAAB só foi aprovada depois de um acordo que incluiu a Elbit no contrato.
Para incrementar seus lucros no Brasil, a Elbit tem recorrido a “joint ventures” com companhias brasileiras. A boa notícia é que no início deste ano a Harpia, junção da AEL Sistemas, filial brasileira da Elbit, a Embraer e a Avibras foi desfeita por falta de recursos. Com isso, a empresa israelense ficou fora do desenvolvimento dos drones brasileiros.
É o segundo projeto estratégico da Elbit que não consegue avançar no país. Ainda em 2014, uma campanha da sociedade civil que denunciou os vínculos da Elbit com as violações de direito internacional de Israel conseguiu que um acordo por desenvolvimento de satelites militares do governo do Rio Grande do Sul com a AEL fosse anulado.
Cresce, assim, o movimento por Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), no Brasil. Esta tática não-violenta, tem pressionado governos, instituições, acadêmicos e artistas pelo mundo a romperem seus vínculos e terminarem com sua cumplicidade material e institucional com as violações do direito internacional perpetradas por Israel.
Dayan é um símbolo importante neste contexto, representa um projeto de colonização, limpeza étnica e apartheid que se desenvolve há decadas, a despeito de mudanças de governo em Israel ou nomeações de embaixadores. A continuidade desse projeto permanecerá garantida enquanto a comunidade internacional for condescendente com os perpetradores e contribuir com os lucros das empresas envolvidas.
A esperança é que o governo brasileiro ouça às vozes do forte e crescente movimento global por um embargo militar a Israel. Dezenas de movimentos sociais, partidos políticos, centrais sindicais, acadêmicos e parlamentares brasileiros fazem coro a este pedido. Trata-se de um modo concreto de contribuir ao respeito dos direitos humanos do povo palestino, valorizando simultaneamente a soberania brasileira. Como escreveu Ban Ki-Moon: “o status quo é insustentável”.
Maren Montovani é mestra em Estudos Orientais e há 10 anos coordenadora de relações internacionais da campanha ‘Stop the Wall’ (“Pare o Muro”, em tradução livre). É autora, entre outros, de “Relações Militares Entre Brasil e Israel“, um amplo estudo sobre o assunto.