A resistência LGBTI+ e a política de morte bolsonarista
Levantamo-nos, nos unificamos e obtivemos legítimos e brilhantes 6×0 no STF, que já conseguiu maioria para estabelecer a criminalização da LGBTfobia. Agora, tanto o Congresso, omisso há anos, como o governo LGBTfóbico, patriarcal, racista e machista terão de correr atrás e nos engolir como garantidores de direitos mesmo assim
A narrativa de ódio que chegou ao poder arrasando com políticas sociais, culturais e educacionais, extinguindo direitos de trabalhadores e perseguindo índios, negros, mulheres e LGBTI vai sofrer sua primeira derrota pública: a criminalização da LGBTfobia. Exatamente a população que eles colocaram no centro de seus discursos, criados para nos colocar como inimigos no consciente popular, será aquela que vai lhes impor goela abaixo a obrigatoriedade de aceitar que suas próprias atitudes são criminosas.
O movimento nacional LGBTI+ já havia alertado sobre o perigo que eram os acordos feitos com a bancada do ódio rifando nossas pautas. Foi ali que geramos o ovo da serpente que hoje tenta nos dizimar enquanto esquerda e campo popular e progressista. Com o cenário que se desenhava com o avanço conservador evangélico, era óbvio que a extrema direita no Brasil ia chegar ao poder e, com isso, ia querer destruir a todas nós; hoje vivenciamos uma ditadura fascista com apoio do voto popular.
Há aqueles, mesmo do nosso campo, que afirmam que não vivemos nem fascismo nem ditadura, mas em tempos de golpe, fragilidade dos ritos democráticos, fake news e redes sociais, não precisamos dos formatos antigos – a opressão se reinventa como que numa start-up em que todas as práticas fascistas se disfarçam de preocupação com a família e com o combate à corrupção. Aliás, o combustível para o fascismo é exatamente a moralidade e o medo. Primeiro começam a falar, com insistência, de pátria, família, Deus, religião e moralidade, e que seriam esses os valores que salvariam nossa sociedade do caos. Não à toa, nossas periferias estão repletas de igrejas e farmácias: nossa sociedade está doente, e curas milagrosas e messias são prometidos às populações como alternativas únicas de salvação.
Quando decidimos, como esquerda e governo, esconder as pautas de gênero, antiproibicionistas, de orientação sexual e identidade de gênero como necessárias para a mudança da sociedade no caminho da igualdade entre as pessoas, vendemos essas pautas como errôneas, reforçando o discurso moral cristão que diariamente persegue e mata as LGBTI+, sobretudo as transgêneras, negras e negros. Ou não são os homens de bem que procuram nossos corpos travestis à noite para serem possuídos pagando e financiando nossa prostituição, mas negando nossos direitos trabalhistas e nosso acesso à cidadania? Podemos existir numa esquina, mas nunca numa escola. Não são os moralistas a sexualizar crianças e defender o turismo sexual vendendo os corpos femininos como possíveis de serem estuprados? Não são os moralistas a defender o uso de arma e a resolução à bala? São esses ditos homens de bem que enriquecem à nossa custa, mas não querem que nos aposentemos.
Em vez de levantarmos a plaquinha do “EU JÁ SABIA!”, decidimos lutar por nossa existência! Assistimos ao fim da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), que tocava o debate de diversidade nas escolas; à perseguição ao turismo friendly; à divulgação da possibilidade de turismo sexual no Brasil; ao enxugamento da política cultural, do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Sistema Único de Assistência Social (Suas); aos discursos de ódio de ministros e ministras e diversas barbaridades propagadas contra nossa população. Mas nos levantamos, nos unificamos e obtivemos legítimos e brilhantes 6×0 no STF, que já conseguiu maioria para estabelecer a criminalização da LGBTfobia. Agora, tanto o Congresso, omisso há anos, como o governo LGBTfóbico, patriarcal, racista e machista terão de correr atrás e nos engolir como garantidores de direitos mesmo assim.
Não satisfeitos, contudo, eles ainda tentam esvaziar o conteúdo da vitória, buscando elaborar legislações que continuem legitimando a violência LGBTfóbica, justificando para isso as liberdades de discurso religioso e tentando extinguir a injúria como possível para uma legislação pró-LGBTI. Ou seja, seria possível punir a agressão que nos matou, porém jamais o discurso e a ação que provocam e estimulam essa violência. Ainda querem nos matar! Esta é a política que querem nos impor: a política da morte!
Mesmo vitoriosas desse processo, isso não bastará para que parem de nos perseguir. Acreditar num caminho viável de luta perpassa por reconhecermos que erramos e que o arco-íris é nossa bandeira, assim como tantas outras tradicionais da esquerda brasileira e mundial. Não há construção de sociedade possível sem incluir todas as manas, monas, minas, manos e todas as expressões possíveis e inventáveis, sejam todas, todos, todes, todxs, enfim, todas as nossas existências devem ser incluídas no rolê de uma relação social de igualdade.
Qualquer revolução sem levar consigo essa possibilidade e pensando que somente o pragmatismo eleitoral e os acordos de cavalheiros nos garantem a vitória é a prova de que o golpe não nos ensinou nada. Só demonstraremos que saímos grandes e reconquistaremos lutadores para nossas trincheiras quando nos reconhecermos como uma revolução trabalhista, socialista e do lacre. Caso contrário, um dia poderemos vencer Bolsonaro, mas nunca venceremos o patriarcado e o capitalismo.
Symmy Larrat é presidenTRA da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT).