A retomada de direitos de crianças e adolescentes ainda requer atenção
As ações orçamentárias de proteção social tiveram um incremento considerável nos valores autorizados de 2022 para 2023
A análise dos gastos financeiros de 2023 e do planejamento para 2024 realizada pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) sinaliza a retomada de políticas importantes direcionadas a crianças e adolescentes, mas a capacidade de execução ainda foi insatisfatória em algumas pastas.
Na assistência social, as ações orçamentárias de Proteção Social Básica (PSB) e Proteção Social Especial (PSE), que estão organizadas em torno dos Centros de Referência em Assistência Social (Cras) e Centros de Referência Especializados em Assistência Social (Creas), que atendem um número significativo de famílias com crianças e adolescentes, tiveram um incremento considerável nos valores autorizados de 2022 para 2023 (124,6% para a PSB e 120% para a PSE). E a execução financeira dessas ações aumentou em R$ 900 milhões (99%) e R$ 336,7 milhões (85%), respectivamente, no mesmo período.
Dentro da mesma área, os programas específicos para a infância e adolescência, o Criança Feliz (PCF) e o de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), tiveram um desempenho mais desfavorável. O PCF recebeu menos recursos em 2023, contudo houve movimentação em torno do reordenamento do programa conforme proposição da Câmara Técnica da Primeira Infância no Sistema Único de Assistência Social criada no ano passado. Espera-se, portanto, que haja maior qualificação do programa e melhoria no atendimento.
Já o Peti teve mais recursos autorizados pela União do que no ano anterior e empenhou quase o valor integral, mas não executou nenhum recurso. Em 2022, não houve nem o esforço para o empenho. A dificuldade em executar o orçamento pode estar associada à reorganização do programa que foi sucateado na gestão anterior. Investiu-se mais de R$ 272 milhões em valores reais (corrigidos pelo IPCA) no Peti entre 2014 e 2018. Em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, gastou-se R$ 6,4 milhões e de 2020 a 2022 foi gasto R$ 0 com esse programa. Para 2024, foram autorizados mais de R$ 50 milhões, o que significa um valor oito vezes maior do que o gasto total do governo anterior (nos quatro anos de gestão) com o Peti.
No que tange à saúde de crianças e à atenção materna, o orçamento autorizado em 2023 foi superior aos valores de 2022, tanto para a Política de Atenção Integral à Saúde da Criança (+58% ou R$ 16 milhões) quanto para a Rede de Atenção Materno-Infantil (+93% ou R$ 46 milhões). No entanto, o gasto foi aquém do esperado, com execução financeira de -42% e -36%, respectivamente. Mesmo que se tenha empenhado parte significativa dos recursos, o Ministério da Saúde informou, por meio da Lei de Acesso à Informação, que a necessidade de contingenciamento no Ministério impactou essas ações.
Pela análise do orçamento, visualiza-se que grande parte das políticas específicas para a infância e adolescência são focalizadas em ações que reparam violações já ocorridas e menos para promoção e prevenção. Os recursos para saúde de adolescentes e jovens, por exemplo, não foram nem empenhados em 2023.
Uma política importante, criada em 2024, foi o Programa Pé de Meia, de apoio financeiro para estudantes de baixa renda do ensino médio. No entanto, ele é insuficiente para a demanda dessa população que tem sofrido com violências diversas, principalmente quando se trata de grupos mais vulnerabilizados socialmente e racialmente do país. É preciso ampliar políticas de promoção à saúde com grifo em saúde mental e educação sexual, sempre considerando os aspectos de raça, etnia, gênero e território; políticas de esporte, cultura e lazer que tenham meninos e meninas na centralidade; políticas de segurança alimentar com educação para alimentação saudável; e políticas de prevenção às violências.
Em 2024, a previsão de recursos está melhor na maioria das áreas. O Plano Plurianual (PPA) 2024-2027 do governo federal está mais abrangente e com metas precisas. Há rubricas que não recebiam recursos desde 2019 e que agora retornaram, como é o caso do enfrentamento de violências. O apoio para educação infantil aumentou consideravelmente. Ainda assim, é essencial que se faça pressão para execução desses recursos para que não sejam contingenciados em detrimento do alcance da meta fiscal, pois a política de austeridade fiscal, iniciada no governo Temer e aprofundada na gestão Bolsonaro, atinge, especialmente, crianças e adolescentes já desfavorecidos pelas estruturas de classe e raça. São profundas desigualdades que exigem urgência em termos de adoção de ações direcionadas à garantia de direitos desses grupos e é prioritário que o orçamento público também reflita essa especificidade.
Thallita de Oliveira é assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).