Robôs de serviços evoluem no Japão
Quem poderia imaginar ser recebido em um hospital por um humanoide, ou em um hotel por uma mulher de borracha que fala diversas línguas? Por enquanto, esses são casos excepcionais. Mas o Japão, líder em robótica industrial há cinquenta anos, lança-se no mercado de robôs de serviços. O país espera compensar o declínio dArthur Fouchère
Na ilha artificial de Odaiba, na Baía de Tóquio, vê-se apenas ele. Reinando sobre esse pôlder futurista, o robô Gundam, do alto de seus 18 metros, contempla a capital. Como um símbolo, a réplica gigantesca do herói de mangá cristaliza todos os fantasmas. No inconsciente ocidental, os robôs são legiões no Japão, estariam por toda parte e, em alguns casos, chegariam a substituir os homens.
Se na indústria pesada (automobilística, aeronáutica, química), a robótica japonesa domina o mundo, no âmbito dos serviços ainda não. Mas ela pode estar a caminho. O país está debruçado sobre o tema com vistas a uma clientela profissional: defesa, logística, agricultura. Os robôs sociais, pensados para dispensar cuidados e serviços, recepcionar ou dar assistência, têm marcado presença. Alguns possuem até aparência humana, para mais destreza e também para tornar o contato mais agradável.
Primeiro protótipo mundial dessa nova geração humanoide a ser exposto, Asimo foi concebido pela Honda em 2000 e até hoje é o robô bípede mais bem-acabado. Apesar do grande esforço e trabalho para conceber vários modelos, o mercado ainda balbucia. A maioria dos robôs recepcionistas ainda está em fase de teste e demonstração. Apenas os robôs domésticos – aspiradores e cortadores de grama – começam a se impor no mercado, mas são exclusivos da norte-americana iRobot.
Depois de perder a revolução digital (telas planas, smartphones etc.) e ter ficado para trás em relação aos principais concorrentes – Coreia do Sul e Estados Unidos –, o Japão espera não perder o bonde da robótica de serviços. O país apresenta um forte potencial: o número de robôs de serviços pessoais vendidos no mundo aumentou 28% em 20141 e chegou a 4,7 milhões de exemplares.
A terceira potência mundial estabeleceu um plano de ação de cinco anos para empreender sua “revolução robótica”2 e conta com essa nova era para enfrentar as consequências da diminuição da população que toma conta da sociedade japonesa há cinco anos. Ainda refratárias a uma política de imigração ativa,3 as autoridades japonesas apostam nos robôs para contornar a penúria de mão de obra – três vagas de trabalho por candidato no setor da construção, por exemplo – e o lento crescimento populacional. “É preciso estender o uso de robôs a todos os setores da nossa economia e sociedade”, afirmou o primeiro-ministro Abe Shinzo em 15 de maio de 2015.4 O plano, contudo, prevê o investimento de apenas 100 bilhões de ienes (R$ 3,127 bilhões) entre 2015 e 2020, por meio de parcerias público-privadas, enquanto a Coreia do Sul investe no setor R$ 8,5 bilhões.
A maioria dos projetos se realiza no âmbito de um consórcio, o I-RooBo Network Forum, composto por grandes grupos e cerca de trezentas startups especializadas. Desde o fim de 2014, o consórcio trabalha no lançamento de uma centena de robôs de serviços destinados ao grande público. Historicamente, são os mastodontes das indústrias automobilística e eletrônica (Honda, Toyota, Mitsubishi, NTT…), em parceria com grandes centros de pesquisa pilotados pela agência pública Nedo,5 que desenvolvem projetos robóticos. A associação com pequenas instituições deverá redinamizar a pesquisa e o desenvolvimento, cuja eficácia é bastante criticada.
Quando máquinas têm alma
O plano Abe visa dotar pequenas e médias empresas, assim como as micro, de “robôs colaborativos”, mais polivalentes e baratos que os robôs industriais tradicionais, para efetuarem tarefas repetitivas e de baixo valor agregado. Em 2013, a empresa Kawada revelou um busto humanoide com ótimo desempenho, o Nextage. Com câmeras integradas em seus olhos e braços, ele comanda equipamentos eletrônicos (como caixas registradoras) com grande precisão. Em três anos, duzentos exemplares a R$ 234 mil cada um (pouco mais que um carro de luxo) foram vendidos a cerca de cem fábricas japonesas. “O Nextage não substitui o trabalhador, que coexiste com ele e ainda intervém no processo da cadeia de montagem”, detalha Fujii Hiroyuki, responsável de marketing. O homem e a máquina trabalham lado a lado, e constantemente o primeiro atribui à segunda um nome, prova de sua adoção pelo mundo dos humanos.
A inovação mais espetacular, que o governo deseja impulsionar, é a chegada de robôs recepcionistas interativos, a serviço dos consumidores (conselho, venda, recepção). A primeira empresa a adotar esse robô foi a operadora telefônica Softbank, que comprou a francesa Aldebaran em fevereiro de 2015. A Softbank introduziu em suas lojas e outros estabelecimentos o humanoide Pepper: um robô rolante com ar infantil, capaz de detectar as expressões faciais e o tom de voz para destilar certas informações. No Japão, foram vendidos 10 mil exemplares em um ano. Presente em setenta países, ele começa a ser exportado para a Europa e, desde junho, realiza serviços de recepcionista em dois hospitais belgas: o Centro Hospitalar de Citadelle, em Liège, e o AZ Damiaan, em Ostende.
No Hotel Henn-na, próximo a Nagasaki, os turistas são acolhidos por um humanoide e um dinossauro há cerca de um ano, criados pela Universidade de Osaka, enquanto um robô em forma de mulher, trilíngue, com pele de látex, Junco Chihira (concebida pela Toshiba), foi recrutada para informar transeuntes no shopping center Aqua City, em Odaiba.
Por mais impressionantes que pareçam essas realizações, é difícil ver por trás da divertida fachada mais do que um projeto comercial piloto. Os fabricantes prometem protótipos mais eficazes a partir de 2017. A inteligência artificial desses humanoides deveria ser complexificada – se por um lado sabem analisar o ambiente, seus algoritmos ainda não lhes permitem “pensar”, o que limita suas reações e gestos a palavras pré-programadas – um verdadeiro desafio diante da necessidade de desenvolver a robótica no âmbito da saúde pública, por exemplo, para auxílio de idosos dependentes.
Atualmente, no Japão, 26% da população tem mais de 65 anos (contra 17% na França e pouco mais de 3% no continente africano). Esse índice pode chegar a 40% em 2060.6 O número de pessoas idosas dependentes não para de crescer, enquanto estudos oficiais preveem uma penúria de auxiliares médicos perante a demanda – que, se em 2013 era da ordem de 1,71 milhão de idosos, em 2025 pode chegar a 2,53 milhões.
Uma das soluções reside no recurso a robôs enfermeiros para reduzir a falta de mão de obra de auxiliadores e acompanhantes, e também o reforço da autonomia dos idosos na vida cotidiana (com políticas de acessibilidade, como melhorias no transporte, acessibilidade em banheiros etc.). O plano Abe prevê ainda cobrir os gastos ligados ao uso de robôs no regime específico de seguro-saúde criado recentemente. Por enquanto, o preço e o peso frearam a expansão.
Bastante anunciado pela mídia no Ocidente, o robô urso Riba, do Instituto Riken, nunca foi comercializado. Muito pesado e desajeitado, ele não carrega pacientes nos braços com segurança, como confirma o doutor Toshiharu Mukai: “Trata-se de um projeto de pesquisa que terminou em março de 2015. Posso assegurar que o Riba jamais será utilizado em situações reais em hospitais”.
Alguns protótipos, contudo, estão a caminho. Após uma década de pesquisa com seu célebre Humanoid, a Toyota lançou em 2013 diversos modelos de sua linha Partner Robot (robô parceiro), um robô falante de braços articulados, comandado por um tipo de tablet e capaz de levar um objeto a um paciente acamado, abrir a porta, fechar as cortinas. Hoje, esses protótipos são usados em cerca de quarenta centros médicos – ainda muito pouco. “O robô não pode, em nenhuma circunstância, ferir o paciente e deve ser um complemento real do assistente humano. Além disso, é preciso tempo para chegar a esses resultados”, resume Akifumi Tamaoki, diretor do projeto Partner Robot, da Toyota, na fábrica de Hirose.
A norma internacional ISO 13482, lançada pelos japoneses, enquadra a certificação de robôs de uso pessoal desde sua adoção, em 2014. Ela pode estimular o setor, que ainda é pouco desenvolvido: US$ 166 milhões em 2015, ou 4,5% do mercado de robôs de serviços. O plano Abe prevê ultrapassar os US$ 500 milhões em 2020, e especialistas falam em US$ 4 bilhões com o horizonte de 2060.
A Panasonic obteve assim uma certificação ISO em abril de 2016 para seu entregador de medicamentos automatizado, Hospi, colocado em uso após dez anos de testes. Vários pesquisadores se debruçam também no suporte anatômico externo robotizado – o exoesqueleto –, concebido para reforçar a motricidade em caso de paralisia, poliomielite, mobilidade reduzida ou reeducação motora. Apenas alguns milhares de unidades foram vendidas no Japão, mas a expansão deve seguir as tendências e previsões em escala mundial e quadruplicar até 2025.7
Toyota, Panasonic, Honda e mesmo a gigante de robótica industrial Yaskawa já produzem robôs e começam a introduzir um sistema de locação-venda em centros médicos. Mas foi a pequena empresa Cyberdyne (derivada da Universidade de Tsukuba) que conquistou primeiro o mercado mundial com seu membro de assistência híbrido HAL (Hybride Assistive Limb). O aparelho capta sinais emitidos pelo cérebro e detecta as intenções de movimento. Útil aos idosos e pessoas com deficiência, também pode auxiliar trabalhadores: no aeroporto de Haneda, funcionários utilizam-no para facilitar o carregamento de cargas pesadas.
O hospital universitário Fujita Health, um dos mais modernos do Japão, usa amplamente os exoesqueletos, como o robô de caminhada assistida, que utiliza uma tela para controlar a qualidade da caminhada e a repartição do peso do corpo – sob a supervisão indispensável de auxiliares médicos. “Além do exoesqueleto autônomo e do de caminhada assistida por computador, existem exercícios de equilíbrio associados a games, muito apreciados por idosos”, explica Saitoh Eiichi, diretor do hospital, ao supervisionar uma sessão. Essas máquinas permitem – com a ajuda ainda indispensável de cuidadores – que os pacientes trabalhem o equilíbrio (movimento das ancas, flexão dos joelhos etc.) ao subirem em uma plataforma rolante robotizada que simula esqui, tênis e outras atividades nos moldes do Wii, o videogame da Nintendo. Por enquanto, ainda não é possível comprar um equipamento como esse para uso doméstico.
Finalmente, apareceram os “robôs emocionais”, destinados a assistir problemas cognitivos e comportamentais. Estabelecem uma relação com o paciente com o objetivo de acalmar sua demência (em caso de Alzheimer e outros transtornos emparentados), ansiedade e solidão. A ideia é reproduzir os efeitos da zooterapia, sem os riscos inerentes aos animais reais. O bebê-foca Paro, por exemplo, é dotado de sensores e recoberto por uma pele sintética suave, e reage em função do toque do paciente: produz alguns barulhos, mexe as narinas, pisca os olhos. Milhares de unidades já foram vendidas e são exportadas há anos para Escandinávia, França, Itália, Alemanha e Estados Unidos.
No futuro, tudo indica que os robôs serão menores, mais baratos e facilmente compatíveis com outros objetos a eles conectados. Nao, o outro humanoide de Softbank, e Sato, da NTT, por exemplo, lembram aos seus donos que eles precisam verificar a pressão ou tomar medicamentos, mas será preciso esperar alguns anos para que cheguem a ambientes residenciais.
Os obstáculos à popularização dos robôs são físicos e financeiros, não psicológicos. No Japão, 65,1% dos pacientes são favoráveis ao uso de robôs e percebem as máquinas como companheiros, de acordo com estudo do governo.8 Os robôs estão bem estabelecidos na cultura nipônica, como mostra o mangá Astro Boy, lançado nas décadas de 1950 e 1960. Durante a dinastia Edo (1603-1868), as karakuri ningyô, pequenas bonecas dotadas de molas, serviam chá. Além disso, no culto xintoísta, alguns animais ou paisagens podem carregar uma alma – os chamados kami. Entre eles, estão o Monte Fuji, os gansos do parque da cidade de Nara e, potencialmente, os robôs…
Sem dúvida, o Japão – que pretende ganhar a batalha da robótica de serviços – terá humanoides como vitrine nos Jogos Olímpicos de 2020, em Tóquio. “Estamos preparando, de verdade, jogos olímpicos entre robôs”, declara Kochiyama Satoshi, chefe do projeto no departamento de robótica da Nedo. “O objetivo é acelerar a introdução na sociedade, provando a necessidade deles para a população. A cidade olímpica também será robotizada”, completa.
Amenizar os desequilíbrios demográficos e dar o fôlego que falta às Abenomics (a política econômica do primeiro-ministro), contudo, requer muito mais que isso – a começar pelo incentivo à imigração e pelo trabalho das mulheres.
BOX
UM OLHO EM WASHINGTON…
Obrigado a recorrer aos robôs militares da empresa norte-americana iRobot na ocasião do acidente de Fukushima, em 2011, o Japão ficou com o orgulho ferido. Desde então, o país levantou a cabeça. As três gigantes do setor, Toshiba, Hitachi e Mitsubishi, associaram-se à iRobot e à BMW, sob coordenação do Instituto Internacional de Pesquisa pela Descontaminação Nuclear (Irid), baseado em Tóquio, para conceber robôs encarregados de inspecionar reatores da central nuclear de Fukushima-Daichi e limpar, se possível, os combustíveis derretidos.
Terremoto de Kobe em 1995, tsunami em 2011, erupção do vulcão Ontake em 2014, terremoto de Kyushu em abril de 2016. Diante do risco de catástrofes naturais, Tóquio quer se munir de tecnologias úteis em tempos de crise. Um programa sobre robôs humanoides foi lançado em 1998. Em 2002, o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologias Avançadas (Aist), centro público de pesquisa, apresentou o humanoide HRP-2, antes de dar vida, após a catástrofe de 11 de março de 2011, a um impressionante bípede de 1,72 metro equipado de câmeras 3-D, o HRP-2 Kai (“melhorado”, em japonês). O HRP-2 Kai sabe caminhar em escombros, agachar-se, erguer uma liga metálica, abrir portas, girar válvulas. Contudo, “esse robô não evoluirá em situação real por pelo menos dez ou quinze anos. Cada um de seus gestos necessita de múltiplos comandos informáticos e, apesar de desempenhar bem gestos e ter equilíbrio, ele ainda não é suficientemente rápido para salvar um ser humano em um ambiente que conhece e analisa em tempo real”, explica Kanehiro Fumio, chefe de projetos da Aist. Depois de uma reaproximação com o Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) na França, uma plataforma de desenvolvimento baseada em Toulouse trabalha atualmente nesse robô.1
… E outro em Pequim
As preocupações de Tóquio também tocam a China. Graças à importação maciça desse tipo de tecnologia (65 mil unidades em 2015, de acordo com a Federação Internacional de Robótica), a China possui, desde 2013, o maior parque industrial robótico do mundo. Mas ela espera desenvolver fabricantes nacionais, como a Siasun, e planeja triplicar sua própria produção anual de robôs industriais em cinco anos. Desde julho de 2016, o país entrou para a categoria dos grandes e estremeceu o mercado quando o grupo chinês Midea comprou um dos líderes mundiais do setor, a alemã Kuka.
O Japão, sem dúvida, tem inúmeras vantagens em relação a peças e detalhes que mantêm seu rival chinês em uma relação de dependência. Os grandes fabricantes japoneses continuam a investir no aperfeiçoamento das máquinas para conservar o status de pioneiros em robôs de grande estatura. Mas Pequim investe pesado em recuperar o atraso, e isso tornará esse mercado cada vez mais competitivo. (A.F.)
Arthur Fouchère é jornalista.