Santa propaganda
Denunciando em 1109 os ensinamentos do profeta Maomé, Guibert de Nogent definia o princípio da propaganda de guerra. Nada mudou desde então, exceto a época. De Saddam Hussein a Mahmoud Ahmadinejad, um “novo Hitler” substitui o outro
"E todo aquele que discutir a falsidade ou a verdade dos fatos perderá seu tempo; pois a atenção deve voltar-se somente à importância desse mestre, que foi a inspiração para tantos crimes tão tristemente famosos. Não corremos qualquer risco de falar mal de um homem cuja malignidade ultrapassa de longe tudo o que se poderia dizer de pior.”
Denunciando em 1109 os ensinamentos do profeta Maomé, Guibert de Nogent definia o princípio da propaganda de guerra. Nada mudou desde então, exceto a época. De Saddam Hussein a Mahmoud Ahmadinejad, um “novo Hitler” substitui o outro. No início de 2011, foi o coronel Muamar Kadafi que ocupou o lugar de fantasma número um do Ocidente. Quem ousaria assinar um “novo Munique” com a quintessência do mal?
Um genocídio está em curso na Líbia, a aviação bombardeia a população civil, o estupro é utilizado de maneira maciça (não se trata de simples troussage de domestique1): essas “verdades” foram marteladas durante semanas para justificar a intervenção militar. Se os crimes do regime de Kadafi são inegáveis, o relatório do Grupo Internacional de Crise2 esclarece que eles “não se aproximam nem remotamente do que poderia ser definido como genocídio”. Quanto aos estupros em massa, nenhuma organização que realizou investigações no local conseguiu confirmá-los.3
No entanto, uma missão de inquérito do Conselho de Direitos Humanos da ONU realizada em maio de 2011 concluiu que “crimes contra a humanidade” e “crimes de guerra” tinham sido cometidos pelas forças de Trípoli. Os insurgentes seriam, por sua vez, bravos cavaleiros, servos dos direitos humanos e da democracia?
A mesma missão também denunciou “crimes de guerra” perpetrados pela oposição – constatação confirmada pela Anistia Internacional e pelo Human Rights Watch. É de espantar? Mustafa Abdul Jalil, presidente do Conselho Nacional de Transição (CNT), introduzido no Palácio do Eliseu por Bernard-Henri Lévy, foi o responsável pelo calvário das enfermeiras búlgaras, com seus colegas Abdel Fatah Yunis e Idris Laga (que se tornou coordenador militar do CNT), diretamente envolvido em tortura.4 E o que dizer sobre a vontade do presidente do CNT, expressa no dia 23 de outubro, de aplicar a charia?
A Resolução n. 1.973 do Conselho de Segurança da ONU tem como objetivo declarado “proteger as populações e áreas civis sob risco de ataque”,5 o que não impede a União Europeia de rejeitar os refugiados. Mas a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) libertou-se do texto e rapidamente procurou, sem mandato internacional, livrar-se do coronel Kadafi, cuja partida – efetivada em agosto de 2011 – tornou-se condição para qualquer negociação. Mesmo a queda do “guia” não encerrou a ação da Otan, que apoiou o ataque dos rebeldes contra a cidade de Sirte – onde Kadafi seria morto – no outono [do Hemisfério Norte], ignorando perdas civis.