Segurança energética e os desafios da transição
O futuro da Petrobras segue sendo a “nossa energia”, mas uma energia renovável, produzida com baixa emissão de carbono, com garantia de condições de trabalho decentes e a preços justos para o consumidor brasileiro
A Petrobras não é apenas uma empresa. É a expressão de um processo histórico de luta política e social pela conquista e defesa da soberania e segurança energética brasileira. Os resultados alcançados por ela ao longo dos últimos setenta anos são conquistas do Brasil, desde a garantia da autossuficiência nacional em petróleo até a vanguarda tecnológica que viabilizou a exploração e produção de óleo e gás em águas profundas e ultraprofundas do pré-sal. A posição de liderança industrial e tecnológica da companhia é hoje a sua maior vantagem para o enfrentamento dos desafios inerentes à transição energética.
A resiliência e a inovação são marcas dessa instituição desde sua criação, em outubro de 1953, em meio ao acelerado processo de industrialização nacional que demandava a busca por independência e soberania energética. Sua resiliência está explícita, por exemplo, nas lutas contra as tentativas de privatização nos anos 1990, momento em que a liderança e a capacidade de mobilização da categoria petroleira, sob o mote “Privatizar faz mal ao Brasil”, foram fundamentais contra a venda da empresa.

E assim foi também no embate contra o acelerado processo de desmonte e desnacionalização ocorrido entre 2016 e 2022, que resultou na fragilidade financeira e operacional da companhia. Nesse período, segundo levantamento do Ineep, foram vendidos cerca de 264 ativos estratégicos à Petrobras e ao país, além de distribuídos cerca de R$ 340 bilhões em dividendos, o equivalente a mais de 77% da riqueza líquida gerada pela empresa no período.
Apesar dos múltiplos ataques, a Petrobras segue como a maior empresa brasileira e permanece como um potente instrumento para o enfrentamento dos entraves ao desenvolvimento do setor energético nacional. A vitória eleitoral da frente ampla liderada pelo presidente Lula sinaliza para retomada de uma visão estratégica de uma empresa estatal, integrada e atenta à crise climática. No entanto, é preciso lembrar que a Petrobras ainda é objeto de ampla disputa tanto em sua estrutura de governança corporativa quanto no cenário geopolítico internacional. O petróleo permanece sendo um insumo estratégico à segurança energética e está no centro das disputas comerciais e conflitos bélicos globais.
Hoje o principal desafio da Petrobras é o realinhamento de suas diretrizes estratégicas aos preceitos constitucionais atribuídos às empresas estatais, isto é, ao interesse coletivo, à garantia da segurança energética nacional, à redução das desigualdades sociais e regionais e à busca pela autonomia tecnológica do país. Esses pilares devem ser a base para se enfrentar a agenda da transição climática e energética, o maior desafio global nas próximas décadas.
A crise climática é uma realidade que se impõe e questiona a organização social, econômica, política e espacial do capitalismo hoje. A necessidade de descarbonização das atividades produtivas e de alterar os atuais padrões de produção e consumo são condições-chave para superar a emergência climática. O Brasil, pelas características de sua matriz e potencialidades energéticas, pode exercer um papel de liderança no fomento de um processo de transição energética. E isso, sem dúvida, passa por sua principal empresa estatal.
A atual gestão da companhia tem desafios incontornáveis, entre eles, decidir se restringe sua atuação a revitalização/recuperação de campos maduros ou se avança na exploração de novas fronteiras exploratórias, o que não se resume à Bacia da Foz do Amazonas, área de reconhecida sensibilidade ambiental e social, e deve considerar alternativas como a Margem Leste, bacia de Sergipe-Alagoas, a recuperação da Bacia de Campos e outras bacias da Margem Equatorial, como Barreirinhas, Pará-Maranhão, do Ceará e Potiguar. Outro desafio é a decisão de liderar ou não a transição energética em direção à descarbonização de nossa matriz energética e reduzir a dependência nacional de importações de insumos energéticos, seja via expansão da oferta de derivados de petróleo ou pelo desenvolvimento de novas rotas tecnológicas nos segmentos renováveis. Essa tarefa exige uma mudança no perfil e volume de investimentos da companhia.
O futuro da Petrobras segue sendo a “nossa energia”, mas uma energia renovável, produzida com baixa emissões de carbono, com garantia de condições de trabalho decente e a preços justos para o consumidor brasileiro. O petróleo, seus derivados e o gás natural seguirão como insumos estratégicos à segurança energética nacional nas próximas décadas, o que não pode atrasar o avanço da companhia na descarbonização de suas atividades e desenvolvimento de novas rotas tecnológicas. As complexidades, incertezas e riscos envolvidos ainda hoje na transição energética não devem impedir que a Petrobras, mais uma vez, assuma uma posição de vanguarda global nessa agenda.
Disputar os rumos da Petrobras é necessário para que o Brasil não perca a oportunidade de avançar nas transições em curso no segmento industrial energético e no capitalismo global. O Estado e a sociedade brasileira devem participar da construção dessa Petrobras do futuro. O diálogo social, não apenas com atores de mercado, é condição para construção de uma transição justa, com equidade e inclusão social. O acesso a insumos energéticos com preços justos para a população e valorização do trabalho também devem orientar as práticas da Petrobras nos próximos anos. Afinal, a magnitude industrial e o significado social alcançados por ela hoje são fruto da permanente e histórica luta da sociedade brasileira e da categoria petroleira na defesa desse patrimônio nacional.
Mahatma Ramos dos Santos é diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), doutorando em Sociologia no PPGSA-UFRJ e membro do núcleo de pesquisa Desenvolvimento Trabalho e Ambiente (DTA-UFRJ).
Ticiana Oliveira Alvares é diretora técnica do Ineep.