Sem Censura na Bahia e Resistência da Comunicação Pública
Em um cenário de exclusão digital, a televisão se mantém como um meio de comunicação acessível e essencial para grande parte da população brasileira. A TV resistirá, não apenas como uma alternativa mais barata, mas também como uma poderosa ferramenta de construção da opinião pública
Vivemos um momento de reorganização na forma de comunicar, em que a desigualdade no acesso à internet reforça a exclusão social e limita oportunidades. No Brasil, cerca de 36 milhões de pessoas permanecem sem acesso à internet, especialmente entre as classes mais pobres, pessoas negras, idosos e aqueles com baixa escolaridade, segundo o IBGE (2022). Regiões mais afastadas e carentes de infraestrutura enfrentam os maiores desafios, dificultando o acesso a serviços essenciais que cada vez mais dependem da digitalização. Embora a internet seja reconhecida como um direito humano, muitas pessoas dependem exclusivamente de celulares para se conectar, o que restringe as atividades mais complexas e aprofundadas.
Os altos custos dos planos de dados são um dos maiores obstáculos, tornando a conexão estável um luxo para muitas famílias. Iniciativas públicas que ofereçam acesso gratuito ou a preços reduzidos seriam fundamentais para ampliar a inclusão digital. A predominância do uso de dados móveis evidencia a precariedade do acesso, insuficiente para atender às demandas de trabalho, estudo e lazer, especialmente em lares com recursos escassos. Destaco a questão econômica, mas, certamente, existem vários outros fatores.
Nesse cenário de exclusão digital, a televisão se mantém como um meio de comunicação acessível e essencial para grande parte da população brasileira. Enquanto a pobreza e a exploração persistirem, a TV resistirá, não apenas como uma alternativa mais barata, mas também como uma poderosa ferramenta de construção da opinião pública. É crucial disputar esse espaço, oferecendo conteúdos educativos, culturais e informativos, além de proporcionar entretenimento de qualidade à população trabalhadora. Pierre Bourdieu (1997) destaca que “a televisão não é apenas um espaço de transmissão de informação, mas também de construção simbólica.” Assim, a TV pública desempenha um papel fundamental na democratização do acesso à informação, funcionando como mediadora simbólica e social.
Ao mesmo tempo, a internet tem intensificado um fenômeno contemporâneo preocupante: a superficialização da informação. Como apontado por Bauman (2005), a “modernidade líquida” prioriza abordagens simplificadas e fragmentadas, substituindo a reflexão analítica necessária à compreensão de temas críticos. Nas redes sociais, essa tendência é agravada pela disseminação de conteúdos descontextualizados, que podem distorcer questões essenciais. Para enfrentar tanto a exclusão digital quanto a superficialidade informacional, é indispensável promover o acesso público à informação e fomentar debates aprofundados, mesmo em tempos de digitalização desenfreada.
A TV comercial, por sua vez, tem se distanciado dessa função crítica e reflexiva, adotando um modelo que privilegia o sensacionalismo e a exploração da pobreza como espetáculo. Essa abordagem, enraizada no capitalismo midiático, desumaniza os indivíduos e perpetua estigmas, justificando a falta de políticas públicas efetivas e reforçando preconceitos. Stuart Hall (1997) ressalta que as representações midiáticas não apenas refletem a realidade, mas também a constroem, influenciando o imaginário coletivo e as relações sociais.
Com isso, o ressurgimento de programas como o Sem Censura na TV pública brasileira ganha uma relevância ainda maior. Criado em 1985, durante a transição democrática, o programa foi idealizado como um espaço plural e democrático para debates qualificados, refletindo o desejo de liberdade de expressão após anos de censura. Exibido pela TV Brasil, o Sem Censura reafirma seu papel como uma plataforma de discussão ampla, abordando temas como política, saúde, cultura, comportamento e direitos humanos.
Diferentemente dos formatos predominantes na comunicação contemporânea – como podcasts e programas de variedades que frequentemente priorizam a leveza e a banalidade –, o Sem Censura oferece um espaço de diálogo aprofundado, valorizando a diversidade de vozes e a análise crítica. Essa abordagem contraria a tendência à superficialidade e à espetacularização que caracteriza grande parte da mídia comercial, especialmente programas que exploram a pobreza e a violência como entretenimento. Essa prática, como pontua Stuart Hall (1997), não apenas reflete a realidade, mas também a molda, perpetuando estigmas e marginalizando ainda mais os grupos vulneráveis.
Ao ressurgir em um momento de desinformação generalizada e fragmentação de conteúdo, o Sem Censura reafirma a necessidade de uma comunicação que promova o pensamento crítico e a inclusão. Como espaço que valoriza o aprofundamento dos debates e a pluralidade das ideias, o programa fortalece o papel da TV pública como mediadora social e cultural, combatendo tanto a superficialidade quanto a desespecialização da informação. Além disso, ao ampliar o acesso a temas fundamentais para a sociedade, como direitos humanos, diversidade e cultura, o programa responde às necessidades reais da população, que busca não apenas entretenimento, mas também ferramentas para compreender e transformar sua realidade. Dessa forma, o Sem Censura não é apenas um resgate de um formato histórico; é uma resposta vital à demanda por informação de qualidade em um cenário de profundas desigualdades comunicacionais.

Sem Censura na Bahia: Celebração e Reflexão
A atual temporada do Sem Censura, apresentada em cooperação com a TVE da Bahia no recém-inaugurado Cineteatro 2 de Julho, é comandada por Cissa Guimarães, que traz sua experiência e carisma para ampliar ainda mais o alcance e a relevância do programa. Sob sua condução, o Sem Censura reforça seu compromisso com a comunicação pública de qualidade, propondo uma reflexão crítica sobre as questões que moldam o Brasil contemporâneo.
O Sem Censura Verão chega à Bahia com uma edição especial que celebra a riqueza da cultura negra brasileira, destacando os 40 anos do axé music e reunindo grandes personalidades negras do país. Com um elenco diverso e inspirador, o programa contará com nomes emblemáticos como Ivete Sangalo, Carlinhos Brown, Daniela Mercury, É o Tchan, Banda Mel, Timbalada e Olodum, revisitando a história e a força do movimento musical que colocou a Bahia no mapa global.
A programação, majoritariamente negra, reforça o compromisso com a representatividade e a celebração da identidade afro-brasileira, proporcionando um espaço para valorizar artistas, intelectuais e ativistas que moldam o presente e o futuro da cultura nacional.
Diante de uma mídia comercial cada vez mais voltada ao lucro e menos comprometida com a reflexão crítica, o Sem Censura reafirma a importância da TV pública como um espaço de resistência e transformação. Ao proporcionar um debate qualificado e incluir vozes diversas, o programa não apenas informa, mas também educa, contribuindo para uma sociedade mais consciente e engajada. O Sem Censura demonstra que é possível fazer televisão de qualidade, respeitando a inteligência do público e promovendo a inclusão social.
É evidente que o Sem Censura possui excelente conteúdo para a internet, com cortes que têm repercutido em todo o Brasil. Entretanto, sem abrir mão dos avanços tecnológicos, o programa mantém a boa tradição da conversa longa, bem-humorada ou séria, quando necessário, dentro do tom que cabe ao bom debate.
Na Bahia, o programa pode ser assistido às 16h, na TVE, em Salvador no Canal 10.1 e está sendo exibido até o dia 31.01.25
Herlon Miguel é bacharel em administração, produtor cultural e escritor, destaca-se como criador da plataforma ative a cidadania, dedicada à formação, capacitação e lançamento de autores e autoras negras. Além disso, é fundador da plataforma de comunicação Negrito LAB.