Shopping centers em busca de algo mais
Odiosamente funcionais, seus ancestrais destruíram a paisagem das periferias urbanas. Agora, os novos shopping centers querem se tornar “lugares para viver” ecológicos e acolhedores. Entre estes, o Atoll, perto da cidade francesa de Angers, é um dos maiores da EuropaJulien Brygo
(Foto do shopping Atoll, na periferia de Angers)
Estamos em um conjunto habitacional de pavilhões, como existem aos milhares na França. Carros e trailers meticulosamente estacionados nas garagens coletivas, casas idênticas com arbustos perfeitamente podados e cercas de grades de plástico, placas de “cão bravo”: estamos em Mancharderie, no coração da comuna de Beaucouzé, na periferia de Angers.
São 19h30. Hora em que, normalmente, o casal Dupont janta sentado à velha mesa de madeira, com o som da televisão ao fundo. Mas, nesse dia, atrás das paredes da casa, ressoa um barulho de marteladas. Patrick Dupont está lutando contra o velho armário da Borgonha, que pertenceu à avó de sua esposa. Depois de ter reinado na sala por quase trinta anos, a peça de antiquário deve ceder seu lugar a um conjunto mais moderno: “A inauguração do Atoll nos deu ideias”, confessou Dupont enquanto retomava o fôlego por um instante.
O Atoll? Um novo shopping center futurista que abriu as portas a cinco minutos de carro dali, no dia 3 de abril de 2012. O jornal Libération descreveu essa nova “ilha encantada do consumo” como um espaço “mágico”, num ambiente “elegante, calmo, imenso e discreto” (22 abr. 2012). “Houve um grande barulho da mídia na época da inauguração”, lembra Dupont, que acaba de obter uma vitória contra a peça de madeira.
Com seus 71 mil metros quadrados, o Atoll é um dos maiores shopping centers de um único proprietário construído fora da região parisiense. A carcaça de alumínio toda desenhada de 1,8 quilômetro de circunferência dá a impressão de um estádio olímpico. Essa fachada – desprovida de logomarcas para não poluir o ambiente visual – dissimula estoques, caminhões e latas de lixo. Seus idealizadores o veem como o top do top dos centros comerciais de fora do limite das cidades. Um pouco de música pop escapa, entre outras coisas, pelos alto- -falantes dispostos ao longo do que se pode chamar de “percurso”. As inovações do Atoll não deixam nenhum curioso indiferente: sala de esportes, salão de cabeleireiro, carrinho elétrico, parquinho infantil, bancos “públicos” (que custaram 5 mil euros cada), pequenos parques com fonte, lixeiras futuristas, árvores importadas da Alemanha (7 mil euros cada)…
Um lugar de vida
A Companhia de Phalsbourg, um dos três mastodontes do mercado imobiliário comercial na França, não poupou meios: mais de 150 milhões de euros de orçamento, dos quais 2 milhões para os espaços verdes e 22 milhões para a construção de alumínio. O responsável pelo marketing, Jean-Sylvain Camus, pequenos óculos, terno impecável e entusiasmo transbordante, multiplica as alegorias e as metáforas para descrever a paixão dos primeiros meses. De pé no meio das vagas de estacionamento delimitadas por faixas gramadas, ele descreve os parafusos escolhidos para acondicionar as pequenas lombadas, depois elogia o caráter “revolucionário” das plantas no entorno que “captam o carbono”. E discorre sobre a intenção do primeiro promotor do empreendimento: “Quando ouvimos falar em ‘But’ ou ‘Castorama’, esperamos prédios imundos, caixas coladas umas às outras e, para cada uma, seus pequenos limites, seu pequeno estacionamento… Pois é, aqui é o contrário. Estacionamos apenas uma vez, estamos tranquilos, podemos comer, passar o dia, beber alguma coisa… É verde para todo lado”. E nos carrega em uma visita-maratona a pé, de carrinho elétrico etc.
Meio século depois da chegada maciça dos hipermercados, que modificaram radicalmente o comportamento dos franceses,1 esses novos centros de consumo se apresentam como uma ruptura do que se fazia até então, seja So Green em Seclin, Green Center em Aire-les-Moussons, So Ouest em Levallois, Confluence em Lyon, Family Villages ou Atoll em Angers.
“Se você leu O paraíso das damas,2 entendeu tudo. O Atoll é um lugar de vida, pois hoje em dia é mais fácil ficar de pantufas no seu sofá e comprar pela internet do que ir fazer compras em um supermercado. Então, para que as pessoas saiam de casa, é preciso oferecer mais, é preciso oferecer do bom e do melhor.” As crianças podem brincar nos grandes módulos no Coração do Atoll ou assistir a um DVD sob a vigilância dos funcionários na Casa do Atoll, enquanto a mãe – mais frequentemente – faz compras, vai ao cabeleireiro, pratica zumba3 na academia de ginástica ou almoça em um dos dez restaurantes situados no centro da zona, tranquilizada pela presença de 101 câmeras de segurança e pelas patrulhas dos agentes de segurança terceirizados (Securitas). Nenhuma indicação agressiva: trata-se de colocar tudo em ação para que ninguém se sinta em um shopping center.
A abertura do Atoll recebeu a visita de mais de 1 milhão de pessoas em menos de cinco semanas – 50 mil no primeiro dia. Um número que, se comparado com as 8 mil pessoas que habitam seu entorno – quer dizer, a zona geográfica de onde os clientes devem provavelmente afluir –, testemunha o deslumbramento provocado por essas novas superestruturas. E a eficiência do plano de comunicação: falsos caronistas pedindo ao longo das estradas “Me levem para o Atoll!”, publicidades nos jornais, nas caixas de correio e na televisão, fogos de artifício no valor de 100 mil euros, visitas privadas para os moradores de Beaucouzé ou motoristas de táxi – “bons transmissores de opinião” –, ou ainda para o bispo de Angers, que veio ver “o povo pelo qual é responsável”…4 O orçamento anual do Atoll para comunicação e marketing chega a 800 mil euros.
“Temos a impressão de entrar na corte dos nobres. Um shopping center no estilo norte-americano!”, entusiasma-se Corinne Busson-Benamou, a diretora de comunicação. “Quisemos tornar as pessoas felizes.” Mas o Atoll não é bem para ela, que confessa preferir “os pequenos restaurantes chiques, o centro típico com pedras de ardósia…”. “Eu, no final de semana, não tenho vontade de passear em um shopping center, quero ficar em casa! O Atoll é mais para, ah…” Ela procura as palavras, preocupada em não cometer nenhuma gafe, antes de terminar sua frase: “para as CSP menores” – ou seja, as “categorias socioprofissionais inferiores”. “Isso lhes dá sonhos”, continua. “As atrações, os anúncios, os bares, as palmeiras tunisianas, os bancos, os cadeados nas grades do Jardim dos Namorados, no estilo da Pont des Arts…5 Eles têm a impressão de entrar num grande mundo, em uma Disneylândia. E, depois, encontram ali uma troca, uma ligação social com a qual talvez não estejam acostumados.”
Os Dupont fazem parte dos cerca de 3,2 milhões de visitantes6 que vieram, viram e, às vezes – apenas às vezes –, compraram. Pois agora, quando têm vontade de sair, não mais pisam nos paralelepípedos do centro antigo, e sim nos revestimentos de madeira do Atoll, do qual eles são clientes VIPs. Conscientes de serem os “alvos” de uma “máquina de fazer dinheiro”, eles ainda assim aderem ao que Jean-Luc Debry descreve como uma “paródia de um tempo em que os mercados na praça pública do vilarejo eram um local de sociabilidade importante”.7
O importante é onde, não o quê
Com um contrato de duração indeterminada (CDI) de meio período (800 euros por 101 horas mensais), Adrien Poupard, de 18 anos, também experimenta o “orgulho” de trabalhar em um restaurante do McDonald’s que figura entre os três campeões de clientes: “122 mil euros em uma semana! Só estamos atrás do McDonald’s da Champs-Elysées! Nos primeiros dias, era realmente inacreditável. Você deveria ter visto a fila de espera!”.
“É como o metrô de Moscou”, ousa Camus. “A ideia é dizer: o povo tem direito a lustres, ouro e mármore. Nós somos o Karl Marx do setor imobiliário comercial: recolocamos o comércio de pé.”8 E o filósofo alemão não é o único a ser convocado na conversa: “No ato da compra, o que conta não é o que estamos comprando, é onde estamos comprando. Estamos em plena distinção social” – o mecanismo descrito pelo sociólogo Pierre Bourdieu. “E, além disso, não há um só euro de dinheiro público!” Afirmação exata, salvo o detalhe de que a construção do Atoll exigiu 30 milhões de euros na adaptação das rodovias em volta do centro. Gastos bem públicos…
Na França, na periferia de muitas cidades grandes ou médias, as coletividades locais têm como ponto de honra acolher novos centros destinados a evitar “a evasão comercial” dos clientes. Em Angers, por exemplo, os moradores tinham se rendido ao centro Atlantis, de Nantes, a 90 quilômetros de casa. Para os titulares dos quatrocentos empregos criados, dos quais a maioria é de meio período, o sentimento de “ruptura” é mais relativo. “Nos primeiros meses, eu tinha a impressão de trabalhar num museu”, lembra Diaraf Leye, de 44 anos, delegado do pessoal da Força Operária (FO) da loja Darty, do Atoll. “É uma bela obra, mas infelizmente não foi pensada para os funcionários que trabalham ali.” Ele mesmo decidiu deixar o comércio e se reconverter na criação de empresas.
“A regra”, explica, “são os horários descompassados, o reino do pequeno poder dos chefes e a caça aos sindicalistas. E, além disso, no Atoll, todo mundo ganha o salário mínimo.” E “para onde vão os lucros?”. Os aluguéis comerciais rendem cerca de 10 milhões de euros por ano para o proprietário. O que melhora ainda mais o lugar do presidente diretor-geral, Philippe Journo, na classificação das maiores fortunas francesas (321º lugar em 2012, com 100 milhões de euros, segundo a revista Challenges) − uma situação que não evoca realmente a “revolução” clamada durante a inauguração.
Atrás do balcão de recepção – um espaço lounge, onde dominam cores quentes e ambiente de feltro –, a assistente de informação Rahba Khouloud, com decote profundo e postura impecável, anuncia com orgulho o número de clientes VIPs, quer dizer, os que gastaram pelo menos 1.500 euros em uma das cinquenta lojas do centro e, por isso, têm acesso gratuito a esse espaço de descanso entre as compras: “Já atingimos 170!”, comemora a jovem, que vê em seu trabalho muitos pontos em comum com seu antigo emprego de hostess na hotelaria. “O chefe nos pediu que ‘tivéssemos classe’ e conseguíssemos apenas mensagens positivas no livro de opiniões.”
“Aqui, você tem a possibilidade de se informar com a imprensa local, a imprensa nacional e as revistas de decoração e habitação”, continua Rahba. “Aqui, DVDs para adultos e crianças. Ali, pequenas geladeiras em que os clientes podem se servir de refrigerante à vontade. E por fim, aqui, uma máquina de café expresso de cápsulas, com grandes mesas para ler, escrever ou até mesmo trocar as fraldas do seu bebê.” Podemos nos sentir numa sala de aeroporto. Com a compra de uma nova geladeira, uma nova televisão e novos móveis, os Dupont tiveram direito ao prêmio, que eles apresentam orgulhosamente. Não é o caso de quatro jovens adultos de tênis e camiseta que, no hall de entrada da loja de bricolagem, se divertem abrindo e fechando as portas de um modelo de cozinha planejada: “Estamos tendo dificuldades, na verdade. Não temos mais o que fazer”.
Mais adiante, Romain Deniel, de 21 anos, agente de manutenção interino de uma fábrica têxtil para o mercado automobilístico, veio comprar placas de acrílico destinadas a um abrigo para suas cobras. Ele se diz decepcionado: teria desejado que a lógica do parque de diversões fosse mais assumida. “Viemos ver, mas não tem nada para fazer aqui, é chato. Se realmente eles quisessem fazer um lugar para se divertir, como dizem, teriam colocado um centro de jogos, um parque com brinquedos, um boliche, um cinema, um spa, uma sauna, uma boate… Aí, sim, teria sido excelente. A gente viria fazer compras no Castorama, comer no McDonald’s, se divertir no centro de jogos, jogar boliche, e de noite a gente dançaria na boate! Passaríamos o dia aqui!”
Julien Brygo é Jornalista.