Sindicalismo e Cooperativismo Latino Americano unidos contra retrocessos
Grandes centrais sindicais e cooperativas reuniram-se na cidade de São Paulo para discutir os desafios e encontrar novos caminhos para classe trabalhadora frente à atual conjuntura política e econômica
Países da América Latina vivenciam, de modo geral, um realinhamento ao neoliberalismo nesse momento do século 21. Depois de alguns anos de governos de esquerda, um novo ciclo parece se instalar, e vem com retrocessos aos direitos trabalhistas conquistados nas últimas décadas, como no caso do Brasil, com reformas feitas em caráter de urgência, sem o devido tempo para consultas e para ouvir os trabalhadores e trabalhadoras que por elas serão duramente atingidos.
Para além da realidade latino-americana, projetos conservadores se fortalecem em todo o mundo, como a vitória de Donald Trump nas eleições norte-americanas, o Brexit na Grã-Bretanha, além do avanço de setores de extrema direita na França, Alemanha e Holanda.
Frente a esse cenário, grandes centrais sindicais e de cooperativas se reuniram na cidade de São Paulo na última semana de março de 2017 para discutir os desafios da classe trabalhadora frente à atual conjuntura política e econômica. Representantes do Uruguai, Argentina e Brasil, além de Canadá e Itália, se encontraram para debater estratégias de enfrentamento e fortalecimento.
Embora admitam avanços nas ações das organizações que representam trabalhadores e trabalhadoras, e certa visibilidade, as centrais são unânimes na reflexão sobre a necessidade de um programa que unifique as expressões e necessidades, buscando fortalecer ações que ajudem a impulsionar medidas e politicas verdadeiramente representativas.
Sob a coordenação da CICOPA Américas (organização internacional que reúne cooperativas industriais, artesanais e produtoras de serviços, vinculada à Aliança Cooperativa Internacional), centrais sindicais e de cooperativas avançaram nesse plano de ação, reunindo os pontos de maior relevância numa declaração.
Dentre as instituições que elaboraram o documento estão as uruguaias Plenario Intersindical de Trabajadores/Convención Nacional de Trabajadores (PIT/CNT), Federación de Cooperativas de Produccion del Uruguay) e Asociación Nacional de Empresas Recuperadas por los Trabajadores (ANERT); as argentinas Confederación Nacional de Cooperativas de Trabajo (CNCT), Federación de Cooperativas de Trabajo de La República Argentina/Central de Trabajadores de la Argentina (FECOOTRA/CTA), Federación Gráfica Bonaerense/Confederación General del Trabajo (CGT) e Sindicato de Obreros Curtidores; as brasileiras Central Única dos Trabalhadores (CUT), Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários (UNISOL Brasil), União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (UNICAFES), União Nacional das Organizações Cooperativas Solidárias (UNICOPAS), Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB); além da Nexus (Itália) e da Confédération des Syndicats Nationaux (CSN), do Canadá.
Basicamente, as propostas consolidadas na declaração se reúnem entorno de dois pontos: construir unidade entre sindicalismo e cooperativismo em escala nacional e regional e consolidar um programa e propostas de ação conjunta.
“O grande sentido é afirmar que a economia solidária, o cooperativismo, são uma resposta auto organizada, autogestionária da classe trabalhadora. Então nós temos que ter agendas comuns com o movimento sindical, que representa a classe trabalhadora”, afirma o presidente da UNISOL Brasil, Leo Pinho.
A integração entre sindicalismo e cooperativismo deve dar-se em termos políticos, mas também econômicos, gerando propostas unificadas que permitam sustentar e incrementar os níveis de participação institucional alcançados nos espaços regionais: Mercosul, Unasur, OIT, RECM, CICOPA e ACI América.
O programa de ação sugerido pelas centrais tem como seu primeiro ponto a defesa da democracia como ferramenta fundamental para o desenvolvimento da economia solidária, do cooperativismo e da autogestão como única alternativa capaz de gerar um modelo econômico alternativo em defesa dos setores sociais mais vulneráveis.
Gerar uma agenda positiva com as organizações da sociedade civil que compartilham os valores de uma sociedade mais justa e solidária, e que possam dialogar com os poderes do estado, promovendo diálogo comum com organizações sindicais e cooperativas de trabalhadores e trabalhadoras para a criação de políticas conjuntas, é o segundo ponto do documento.
“Estamos diante de uma disputa de modelo de desenvolvimento, de modelo de sociedade. E como sociedade organizada temos que ocupar espaços de debate e de deliberação, e muitas vezes não fazemos isso. Temos que ocupar esses espaços nos parlamentos em nossos países, nos espaços nacionais e internacionais. Temos espaços deliberativos com assentos para a classe trabalhadora, e muitas vezes quem está nesses lugares não nos representa, mas está lá definido o que é bom e o que é ruim para a gente. Portanto, são espaços que nós temos que ocupar”, aponta o diretor da CICOPA Américas, Arildo Mota.
A valorização do cooperativismo e a demonstração na prática dos valores do projeto cooperativista, fomentando a promoção das cooperativas nas compras públicas, assegurando o reconhecimento da condição econômica das cooperativas por parte do estado e exigindo que se garanta uma porcentagem das compras à produção delas, é outro ponto da declaração.
Consideram importante também, observar e exigir que os bancos centrais dos diversos países da América, geradores dos marcos regulatórios do sistema financeiro, protejam as formas cooperativas que permitam acessar fundos para o desenvolvimento de vantagens competitivas dos empreendimentos de economia solidária.
O fortalecimento de um sistema de finanças cooperativas, que tenha alcance nos diversos territórios onde se desenvolve a economia dos trabalhadores, é também parte do programa de ação. Como também a garantia de que empresas falidas devem ser recuperadas para manter os postos de trabalho como uma resposta cultural da identidade da classe trabalhadora.
Por fim, o grupo defende a unidade do Mercosul, declarando-se contra a retirada de qualquer país desta instituição, e a realização de uma agenda de luta contra a perda de direitos de trabalhadores e trabalhadoras na América.
“Devemos ter políticas de estado e de governo em favor dos trabalhadores. Mas uma das primeiras questões que temos que ter clara é que precisamos estar organizados. Estar organizados em sindicatos, em centrais de cooperativas, e que essas instituições se juntem para desenvolver políticas e ações para o futuro. Para melhorar e para substituir esse sistema explorador por um sistema alternativo”, define Carlos Aulet, da PIT/CNT.
Paulo Vanucchi, da comissão de direitos humanos da OEA, destaca a importância do cooperativismo como parte da luta sindical, lembrando que ele também faz parte da disputa com o segmento empresarial e patronal, demonstrando a capacidade da classe trabalhadora de ser organizadora da produção e idealizadora de inovações. “No socialismo o tema é muito importante. A luta do cooperativismo tem uma belíssima história, de séculos. E controvérsias dentro do movimento socialista sobre sua importância. Até o ponto em que o experimento concreto da revolução de 1917 criou uma experiência de socialismo que, embora tenha tido feitos extraordinários, terminou num desmoronamento formidável porque acabou se erguendo abrindo mão do conceito essencial – que está na base da ideia cooperativista – da liberdade. O cooperativismo nesse experimento ficou em segundo plano. O que se escolheu foi que o bom mesmo era a economia estatal, em gigante escala, e que no fundo equivaleu a uma subordinação do trabalhador a uma outra estrutura hierárquica. E esse socialismo tem que renascer agora dentro de um desafio da liberdade”, comenta Vanucchi.
*Mônica Ribeiro é jornalista