Steve Bannon e as eleições fake
A extrema-direita utiliza do que há de mais sofisticado em termos de tecnologia de informação e conduz as parcelas menos engajadas do eleitorado a revoltarem-se com boatos que modificam os resultados de uma eleição “democrática”
Um novo termo começou a ser difundido desde a última eleição presidencial norte-americana: fake news. Até algumas semanas tratávamos disso com certo comedimento, era comum aparecem notícias falsas pela internet. Então surgiram rumores da atuação de uma tal Cambridge Analytica, chefiada por um tal Steve Bannon, especializados em coletar dados de contas do Facebook, criar e difundir conteúdos via Whatsapp no intuito de manipular eleições nacionais. A Cambridge Analytica foi fundada em Londres em 2013 e imediatamente passou a compor o Strategic Communication Laboratories (SCL), que em seu site afirma promover “programas de mudança comportamental” em países de todo o mundo, por meio de “operações psicológicas” que visam uma “dominância informativa”. Nos Estados Unidos em 2016 foram 50 milhões de perfis invadidos, a partir dos quais localizaram-se as mensagens com potencial de engajamento de pessoas e grupos em prol de um posicionamento político de extrema-direita. O que pode mover cidadãos, num determinado país, a simpatizar e apoiar um político conservador e reacionário? Se nos Estados Unidos a questão era de cunho racial e étnico, a solução foi encontrada na promessa da construção de um muro anti-imigração de latinos na fronteira com o México. Se o que parcelas da população norte-americana queriam ver era uma “América grande novamente”, precisavam limitar os imigrantes, precisavam expulsá-los do país, e precisavam isolar os chineses, novos vilões que supostamente querem levar a América à falência. Assim se elaborou a vitoriosa campanha de Trump. Mas como eram elaboradas essas mensagens, e como elas chegavam nos cidadãos-alvo? Isso só ficou claro para nós, brasileiros, com o final do primeiro turno das eleições presidenciais de 2018.
O envolvimento de Bannon com a campanha de Jair Bolsonaro tornou-se público a partir da postagem de Eduardo Bolsonaro no Twitter, de 4 de agosto de 2018. Eduardo escreveu os seguintes dizeres: “Foi um prazer conhecer Steve Bannon, estrategista da campanha presidencial de Donald Trump. Nós tivemos uma ótima conversa e compartilhamos da mesma visão de mundo. Ele disse ser um entusiasta da campanha de Bolsonaro e estamos certamente em contato para unir forças, especialmente contra o marxismo cultural”. Qual seria a lógica dessa operação no Brasil? Que tipo de mensagem falsa poderia mover as pessoas a engajarem-se no campo da extrema-direita?
Quando da realização do maior ato antifascista da história do país – o “Ele não” – isso se revelou. No dia seguinte à manifestação protagonizada pelas mulheres brasileiras surgiram montagens de vídeos que mesclavam imagens dos eventos realizados em todo o país com imagens provenientes de outros protestos, por exemplo: vídeos de mulheres semi-nuas profanando crucifixos, vídeos de pessoas vestidas de vermelho atacando pessoas vestidas com camisetas da CBF, vídeos de feministas radicais europeias gritando com pessoas “de família”. Empresários brasileiros teriam bancado, dentre outros, o disparo robótico desse material para centenas de milhares de grupos de Whatsapp pró-Bolsonaro, gastando mais de R$ 12 milhões sem que nenhum centavo fosse declarado ao TSE como contribuição para fundo de campanha eleitoral, conforme matéria da Folha de S.Paulo. Aliás, o gasto declarado pelo PSL (cerca de R$ 1,7 milhão), partido de Bolsonaro, e que está disponível na página do TSE, não chega nem perto do real valor gasto para a realização da manobra política. O resultado dos atos “Ele não” contrariou tudo o que era esperado. As pesquisas de intenção de voto apontavam para um crescimento de 4 pontos percentuais do candidato reacionário nos dias que se seguiram. Se alguém se indagou a respeito da suspeita gratuidade de tecnologias de informação fornecidas por corporações privadas como a criação de Mark Zuckerberg, hoje já se pode ter hipóteses mais sólidas. É esse o preço do Facebook, um preço que não se calcula com dinheiro, mas com poder. O preço é a manipulação massiva do eleitorado brasileiro.
Muitos de nós não tínhamos sido alertados sobre o uso dessa manobra em prol do que alguns analistas geopolíticos e o próprio pentágono chamam de “guerra híbrida”. Um novo conceito de guerra, que começa muito antes do primeiro tiro ser disparado. Guerra não convencional, guerra comercial, guerra virtual, atentados de falsa-bandeira, guerra irregular, guerra jurídica, guerras antes da guerra. Moniz Bandeira e Pepe Escobar trazem a tona a capacidade de interferência eleitoral externa a partir desse conceito de guerra via sabotagem e espionagem massiva. Basta um contato com o já clássico Da ditadura à democracia,[1] manual dos círculos militares nacionais no século XXI, para compreender a chamada estratégia de “luta não violenta” para a derrubada de “governos hostis”. O livro do professor de Ciências Políticas da Universidade de Massachusetts, Gene Sharp, caiu nas mão da cúpula do Pentágono como uma luva e, em 2010, surgiu o “Manual para Guerras Não-Convencionais” das Forças Especiais norte-americanas. Conforme esse pensamento, estamos em guerra, e não faz pouco tempo.
A Cambridge Analytica já interferiu nas eleições de muitos países, entre eles o México, os Estados Unidos, diversos países da África, Malásia e agora, o Brasil. Por aqui a situação caminha para demonstrar que o uso de uma linguagem alarmista e caluniosa, via manipulação de imagens de nível grotesco, é uma estratégia comunicacional fatal para determinar os rumos políticos de um país continental. Enquanto as esquerdas e os movimentos sociais compõem atos públicos entoando palavras de ordem, e acionam um judiciário escancaradamente politizado, a extrema-direita utiliza do que há de mais sofisticado em termos de tecnologia de informação e conduz as parcelas menos engajadas do eleitorado a revoltarem-se com boatos que modificam os resultados de uma eleição “democrática”. E não só de tecnologia e inovação se faz a trama conspiratória, mas inclusive com financiamento ilegal de campanha eleitoral.
A propaganda da nova extrema-direita já pode ser encarada como uma espécie de “Muito além do Cidadão Goebels”, pois maquia os materiais apresentando-os como uma não propaganda, como se fossem somente vídeos produzidos a partir do engajamento espontâneo de cidadãos. É definitivamente um desenvolvimento à enésima potência da máxima nazista: “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”, a repetição desenfreada da mensagem é somada à manipulação farsesca da produção e edição de vídeos e de materiais típicos das redes sociais como memes e gifs. Era esse o preço das redes sociais, do Whatsapp, do Facebook.
O Facebook nunca foi gratuito, nem nunca será!
*Artur Sinaque Bez é doutorando em história pela Unesp/Assis e professor do Departamento de Ciências Políticas e Econômicas da Unesp/Marília.
[1] SHARP, Gene. From Dictatorship to Democracy: A Conceptual Framework for Liberation. Boston: Albert Einstein Centre, 1993.