STF reage ao desastre ambiental provocado pelo governo Bolsonaro
Tribunal irá julgar, em dia 30 de março, uma extensa agenda de temas ambientais
“A tarefa medular do Estado social contemporâneo nos sistemas políticos instáveis não é unicamente fazer a Constituição, mas cumpri-la.”
Paulo Bonavides, em Curso de Direito Constitucional
O Supremo Tribunal Federal (STF) parece estar acordando para o desastre ambiental que se instalou na área ambiental brasileira durante a gestão Bolsonaro. Irá julgar, em dia 30 de março, uma extensa agenda de temas ambientais.
A relevância dos temas para a sociedade brasileira é inegável. O atual governo conseguiu macular a Constituição em temas que vão da participação social aos princípios de proteção da vida e da biodiversidade.
As demandas judiciais foram provocadas pela sociedade civil e o que restou dos políticos progressistas que atuam no Congresso.
Há ações e omissões que se referem à proteção da Amazônia, que tem entre suas funções abrigar imensa biodiversidade e atuar como uma bomba climática irrigando com suas chuvas grande parte do continente sul americano.
As ações governamentais são questionadas por meio da ADPF 760, que cobra a retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm); da ADPF 735, que contesta a Operação Verde Brasil 2 e o uso das Forças Armadas em ações contra delitos ambientais; da ADO 54, que aponta a omissão do governo federal no combate ao desmatamento; e da ADO 59, que exige a reativação do Fundo Amazônia.
Todas as ações citadas guardam relação com os indicadores atuais de desmatamento da Amazônia, que atingiu em fevereiro o índice de 198 km², o maior em dez anos para o mês. O papel omisso do governo permitiu o avanço da criminalidade ambiental no Brasil, levando a Amazônia a um estado de insurgência criminosa e, muitas vezes, orquestrada.
Visto de forma conjunta, o acúmulo de ações que tentam reverter os malfeitos do governo é inédito e permite avaliar a inédita destruição sofrida pelo Sistema Nacional do Meio Ambiente em seus diversos componentes.

A facilitação de processos de licenciamento também está no pacote de julgamentos. A ADI 6808 contesta a medida provisória que prevê concessão automática de licenças ambientais para empresas de “grau de risco médio”. Além disso, a proposta, de tão mal intencionada, obstrui a ação de órgãos ambientais responsáveis pelo licenciamento de solicitarem informações que vão além do que foi declarado pelo proponente ao sistema da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim).
Chama a atenção o ataque desfechado pelo governo Bolsonaro contra os mecanismos de participação social. Entre os julgamentos encontra-se a ADPF 651, que se refere ao decreto que excluiu a sociedade civil do conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA). Note-se que a ADPF 623, que se refere ao maior conselho ambiental da nação, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), não será julgada porque o ministro Kassio Nunes Marques, próximo do presidente Jair Bolsonaro, pediu vistas ao processo e não concluiu o procedimento, obstruindo seu julgamento.
Há uma exceção, para além dos malfeitos do governo Bolsonaro. A ADI 6148 contesta a eficácia de uma proposta do Conama sobre a atualização dos padrões nacionais para a qualidade do ar e foi aprovada durante a gestão de Michel Temer.
Coincidentemente, esse foi o único ajuizamento feito pela Procuradoria Geral da República, conduzida à época por Raquel Dodge.
Os fatos demonstram de forma cabal a absoluta inércia do atual procurador-geral Augusto Aras, em descompasso com suas funções de guardião da lei dentro de um cenário dramático e comprovado de devastação normativa-ambiental.
Esse ponto é crucial para uma reavaliação de prevalência das salvaguardas constitucionais em casos de governos inconsistentes como o atual. A desordem no sistema de gestão ambiental do Brasil deve ceder espaço à normalidade e à restauração da ordem.
Que o STF cumpra sua função, neste estado episódico de sinais de falência dos demais poderes da República, o Executivo e o Legislativo.
Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam).