Todos sabem como bloquear, mas ninguém quer liderar
Os líderes mundiais diplomaticamente reconheceram que no momento não são capazes de liderar nossa civilização para lidar com as importantes e urgentes questões globais com as quais deparamosAna Toni
O acordo final alcançado pelos governos na Rio+20 foi definido de forma quase unânime como bastante desapontador, um enorme fracasso ou simplesmente uma perda de tempo. Um documento órfão de visão e deficiente de ações.
O documento não refletiu um ponto de vista comum sobre o que é desenvolvimento sustentável; não incluiu novas convenções ou regulamentações que poderiam proteger nossos oceanos, garantir água e ar limpos ou combater a mudança climática. Não houve compromisso para deter práticas de produção e consumo não sustentáveis, nem mesmo cortes aos subsídios não sustentáveis. A demanda de tornar as corporações privadas responsáveis por seus impactos sociais e ambientais também não reapareceu no documento final. Não se conseguiu chegar a nenhum consenso sobre a chamada economia verde, e nenhum recurso novo foi mobilizado para pagar pela transição necessária. Nem mesmo um compromisso real para fortalecer os órgãos multilaterais que lidam com a proteção do meio ambiente foi acordado.
O documento oficial final da Rio+20 se limitou à reafirmação de princípios e promessas do passado e a um acordo de cavalheiros em continuar negociando para talvez pôr em prática alguma ação concreta no futuro.
Em outras palavras, os líderes mundiais diplomaticamente reconheceram que no momento não são capazes de liderar nossa civilização para lidar com as importantes e urgentes questões globais com as quais deparamos.
Será que fomos inocentes ao esperar algo mais significativo? Não, ninguém nunca realmente esperou muita coisa da Rio+20. No entanto, seria um erro não expressar nosso desapontamento e indignação sobre a falta de responsabilidade, liderança e ambição de nossos representantes. Seria um erro simplesmente aceitar a ineficiência e a lentidão do sistema multilateral ou admitir que a ineficiência é inerente ao sistema internacional como “uma mão invisível da diplomacia”.
Então, a quem culpar?
As negociações da ONU se tornaram um elaborado jogo de pôquer, no qual ministros de relações exteriores passam todo o tempo estudando o que podem ganhar um do outro, e suas preocupações parecem se resumir em defender seus interesses a curto prazo sem nem se preocuparem com o que realmente precisa ser feito para solucionar os problemas comuns e globais.
Os líderes dos países desenvolvidos europeus e americanos nem sequer se deram ao trabalho de vir até o Rio (com exceção do presidente François Hollande, da França), numa clara demonstração de que isso não é uma questão relevante – seja para eles, seja para seu eleitorado doméstico. A apatia política desses países na Rio+20 reflete sua insistência em recompor suas economias quebradas usando os mesmos velhos mecanismos econômicos falhos do passado, que não ligam para a crise econômica, social e ambiental que enfrentam. Seus esforços políticos foram gastos para bloquear quaisquer compromissos que pudessem comprometer ou modificar seus insustentáveis padrões de produção e consumo. Seu apoio à economia verde foi, portanto, interpretado corretamente pelos países emergentes como uma solução para lidar com seus próprios problemas de competitividade, em vez de um primeiro passo para uma grande transição rumo a um sistema econômico mais sustentável.
Os líderes de países emergentes (em especial os Brics) estavam todos no Rio. Vieram ansiosos para mostrar que agora precisam ser levados a sério pelo sistema multilateral, caso contrário podem simplesmente bloquear o que quiserem.
Eles vieram determinados a barrar qualquer novo acordo que pudesse infringir seu direito de escolher seu próprio desenvolvimento, mesmo que para isso acabem com seus recursos naturais ou reproduzam os padrões insustentáveis de produção e consumo dos países desenvolvidos. Se, em 1992, Bush declarou que o modo de vida dos norte-americanos não estava em negociação, em 2012 foram os países emergentes que afirmaram que seu desenvolvimento econômico não estava em negociação.
O que ficou mais óbvio na Rio+20 é como o mundo mudou nos últimos vinte anos em termos de transferência de poder global. Embora uma maior paridade no sistema multilateral deva obviamente ser celebrada, os países emergentes, infelizmente, demonstraram na Rio+20 que não estão preparados e não são capazes de desempenhar seu novo papel de liderança global e de conduzir o mundo em direção à construção de um desenvolvimento sustentável.
Embora seja positivo eles terem reforçado a necessidade inquestionável de lidar com a pobreza global, ao rejeitarem novos compromissos que pudessem tratar das urgentes questões ambientais e de sustentabilidade, os países emergentes deixaram os mais pobres ainda mais vulneráveis, já que são estes os que primeiro sofrem com as consequências da insustentabilidade, em particular da mudança climática.
Talvez a coisa mais desapontadora sobre a relutância de nossos governantes em mostrar liderança na Rio+20 é que dessa forma eles abdicaram da oportunidade de reforçar o papel do Estado em regular e guiar de maneira eficaz o setor privado para operar na construção de um desenvolvimento sustentável. Ao abandonarem qualquer regulamentação, os governos legaram a responsabilidade de desenvolver os instrumentos econômicos para lidar com problemas ambientais ao mercado e aos sistemas financeiros. Embora alguns desses instrumentos possam até ser úteis e necessários, está claro que eles vão se ater apenas aos problemas ambientais que possam prejudicar os ganhos a curto prazo dos negócios. Eles nunca serão capazes de enfrentar as desigualdades crescentes causadas pelas práticas de negócios não sustentáveis nem garantir os bens sociais comuns e a proteção do planeta de que precisamos.
Em resumo, todos os governos são culpados. Eles preferiram ignorar as evidências científicas da urgência da crise ambiental e climática que enfrentamos e falharam em trazer para a Rio+20 a vontade política e a liderança necessárias para transformar o sistema multilateral em algo mais significativo que um pôquer global que está jogando com o futuro do planeta.
A Rio+20 deixou claro que o sistema multilateral se encontra numa gigantesca transição e que ainda vai levar um bom tempo para que possa se recompor e produzir verdadeiros líderes globais da sustentabilidade.
Mas o planeta não vai esperar. Precisamos, portanto, transformar o fracasso da Rio+20 num chamado renovado para a ação de todos nós, individual e coletivamente. Grupos da sociedade civil e movimentos terão de se mobilizar mais e com mais força; negócios comprometidos terão de demandar e defender práticas sustentáveis de produção e consumo para se distinguir dos poluidores; governos em todos os níveis terão de ousar e liderar por meio de regulamentação eficiente e sustentável; mulheres, jovens, trabalhadores, camponeses e ecologistas terão de promover novas e mais eficientes alianças estratégicas; economistas terão de desenvolver com mais rapidez instrumentos econômicos para lidar com a prosperidade para todos, tendo outros parâmetros que não o crescimento como motor para a estabilidade econômica; e nós todos individualmente vamos ter de assumir nossa responsabilidade em promover outra cultura de bem-estar, revendo nossos padrões de consumo e nossos valores sociais.
Acima de tudo, o fracasso da Rio+20 é um chamado urgente para a luta contra nossa própria inércia e a inércia de nossos diplomatas e líderes em garantir um sistema multilateral capaz de enfrentar os problemas globais.
Ana Toni é economista e representante da Fundação Ford no Brasil.