TV Universitária: você já viu uma
Produzidas por estudantes e professores a baixo custo, as TVs universitárias têm como objetivo a disseminação de conteúdo. Porém, a falta de sintonia entre reitorias, mantenedoras e comunidade acadêmica pode acarretar sérios problemas, como seu uso para interesses de poucos, ou até para marketing da instituição
Uma rede de televisão presente em todo o Brasil com mais de 240 horas por semana de programação inédita. Cerca de 70% de suas emissoras com grades exclusivas de produção. Mais de 110 milhões de telespectadores1. Apesar de tudo isso, é difícil ouvir alguém dizer “eu assisto à televisão universitária”.
Como reconhecê-la? Não é fácil, pois a televisão universitária brasileira não tem cara. Levamos anos para entender e, principalmente, aceitar isso. Falar em televisão no Brasil nos remete a uma rigidez lógica e estética. Característica herdada do modelo nacional vertical, no qual a “cabeça-de-rede” manda seus sinais acoplados com determinações inflexíveis, mostrando que, em termos de modelo de negócio, a TV brasileira já adotara as franquias muito antes de o McDonald’s virar referência. Além disso, é uma programação feita para anunciantes, não para o interesse público e social, deixado para a marginalidade de raros programas nas madrugadas ou à míngua nas falidas emissoras educativas. E quem veicula também produz, sobrando poucos espaços para iniciativas independentes.
Foi olhando para esse quadro que as televisões universitárias brasileiras fizeram suas opções: o local tem preferência, mas sem deixar de mostrar o geral e lhe dar a sua proporcional importância. O interesse público é predeterminante e boa parte de suas produções sai da cabeça de estudantes e professores. Com isso, formam um mosaico diverso e dinâmico, pois, para o bem e para o mal, são reflexo de suas instituições de ensino, que, por sua vez, têm uma diversidade enorme, desde suas configurações jurídicas até as vocações de ensino, além das discrepâncias de qualidade.
As televisões universitárias, portanto, são criativas e conservadoras ao mesmo tempo, arraigadas aos formatos consagrados, mas também ousadas e experimentais, sem serem amadoras. Buscam o seu caminho na contraposição do modelo hegemônico, mas nunca o negando ou até mesmo deixando de usá-lo. Pois o problema maior não está no formato, mas no conteúdo, algo que as universidades brasileiras – boas e ruins – têm de sobra para ofertar.
Em boa parte dos momentos em que nos referimos às televisões universitárias, falamos dos canais universitários. Estes fazem parte da Lei 8.977/ 1995, conhecida como Lei do Cabo, segundo a qual a operadora local de televisão a cabo deve disponibilizar um de seus canais básicos (obrigatórios em quaisquer dos pacotes oferecidos) para o compartilhamento entre as universidades daquele município. Em consórcio, as instituições de ensino administram a grade como produtoras de conteúdo, mas não como donas do canal, que é o que tanto caracteriza o sistema brasileiro.
A iniciativa foi determinante para o crescimento das televisões universitárias, cuja história começou em plena ditadura. Os militares, determinados a integrar o país pela televisão comercial aberta e gratuita, criaram, como contraponto, a televisão educativa, a princípio administrada pelas universidades federais. A primeira delas era a TV Universitária de Pernambuco, fundada em 1967. Naquela época, foi proibida, por decreto, qualquer programação ou atividade mercantil que pudesse competir com a TV comercial, com ressalva às teleaulas e similares. Essa regulamentação ainda está em vigor, mas, ainda bem, é vítima da maior desobediência civil de que se tem notícia.
A televisão educativa desandou já ao final do governo militar. Como não havia necessidade de licitações, a TV educativa virou moeda de barganha em negociatas políticas e centenas de apadrinhados ganharam sua própria emissora em seu curral eleitoral. As universidades, aqui e ali, recebiam algumas delas, quando uns poucos políticos intercediam. Ao final, as emissoras educativas ficaram carimbadas como sendo de “políticos” ou “chapa-branca”, já que os Estados também tinham a prerrogativa de ter televisões abertas “educativas”.
As exceções eram justamente as poucas TVs universitárias, um exemplo do uso da concessão e com bons índices de audiência e de produção. Porém, elas não recebiam a denominação de “universitárias” porque esse termo não existe na legislação que rege a radiodifusão. A expressão tornou-se popular somente com a Lei do Cabo, quando as instituições de ensino superior (IES) “descobriram” que não precisam mais de um deputado amigo para veicular sua produção.
Alcance, limitações e perspectivas
A televisão universitária busca, então, sua missão de ser uma produtora de conteúdo. São inúmeras as vantagens: enquanto as redes comerciais, por preguiça ou falta de tempo, repetem sempre os mesmos especialistas “consagrados”, as IES contam com diversas fontes, às vezes com opiniões divergentes. Como também não respondem às agências de publicidade, seus programas são livres, tanto para reproduzir modelos como para serem ousados, ou um pouco de cada. Além disso, sua produção tem um custo muito mais barato do que as emissoras comerciais ou produtoras profissionais, pois está diluído no orçamento geral da instituição.
Nesse quadro figuram os mais diversos formatos: há televisão universitária em sinal aberto, na TV paga, sozinha ou compartilhando o canal universitário, veiculada na internet, em circuitos fechados e em IPTV2. Desponta também como fornecedora para outras emissoras, educativas e comerciais. Com o aumento gradual dos canais de TV, diversas programadoras necessitam de subsídio e contratam as redes universitárias, que estão presentes ainda em redes nacionais, como a TV Cultura, TV Brasil, Rede Vida e outras TVs comerciais locais. Claro, não fazem isso pela cor dos olhos das TVs universitárias, mas porque precisam de programação de qualidade, de credibilidade, variada e com custo baixo. O principal exemplo é o Canal Futura, das Organizações Globo, que, após prospectar durante anos, escolheu formar a sua rede exclusivamente com televisões universitárias, de quem recebe parte significativa de sua programação.
É nesse manancial de janelas de exibição que, em algum momento, você já deve ter assistido a uma produção de uma televisão universitária. Com o advento da TV digital e a popularização da internet, a tendência é que isso aumente ainda mais.
Reduto de resistência
Mas, claro, há enormes problemas. O maior deles é a ignorância ou mesmo o desprezo das reitorias e mantenedoras das universidades pela televisão em geral. Com o desinteresse institucional pelas suas potencialidades, uma série de problemas aparece: além da tradicional falta de recursos, a instabilidade financeira é movida ao gosto do dirigente da ocasião; a formação de um grupo restrito de alunos e professores que toma conta da emissora – por bem para a defesa da sobrevivência da TV, por mal para atender a um determinado grupo político-acadêmico; o isolamento das demais unidades acadêmicas, tornando a TV uma espécie de feudo, da reitoria ou do curso de comunicação social, ou, pior, do departamento de marketing!
Tudo isso é fruto de um distanciamento da TV em relação aos dirigentes das IES. Muitas vezes por culpa dos mantenedores, que não veem o seu poder institucional e comercial como principal veículo de divulgação de sua produção e vocação acadêmica, permanente e confiável. Da mesma forma, as equipes não chamam o jogo para si, não se aproximam dos reitores e demais unidades de ensino, nem tentam entender suas necessidades para se mostrar um instrumento de complementação e ampliação, de seus objetivos acadêmicos e institucionais.
Quando a sintonia “reitoria, mantenedora e equipe” acontece, há um belo exemplo de televisão universitária, entendida como produtora de conteúdo televisivo estritamente voltado à promoção da educação, cultura, cidadania, da divulgação científica e da democratização da informação. E, ao mesmo tempo, a vitrine da universidade e a esperança de uma televisão melhor para o país.
*Cláudio Márcio Magalhães é presidente da ABTU (Associação Brasileira de Televisão Universitária), jornalista, professor universitário, mestre em comunicação social e doutor em educação pela UFMG.