Um boxeador contra a oligarquia filipina
Eleito em 2010 deputado, Manny Pacquiao promete ser ainda mais eficaz na política do que nos ringues. Como um slogan martelado indefinidamente, o boxeador repete sua determinação em erradicar a pobreza. Mas, até agora, o impacto do deputado-boxeador, que não esconde suas ambições presidenciais, mostra-se bem magroDavid Garcia
Tango, um vilarejo de 2.500 habitantes situado no extremo Sul das Filipinas, entre montanhas e floresta tropical. Eleito boxeador da década pela imprensa esportiva norte-americana, Manny Pacquiao viveu nesse barangay1 desolado dos 7 aos 17 anos. “Pobre entre os pobres, Manny morava com a família em uma casa de bambu que ameaçava desabar”, relata Edwin Pacaldo, o chefe do barangay, situado na província de Sarangani. Sentado em frente a uma loja de beira de estrada, esse jovem bigodudo de aparência esportiva não economiza elogios ao sucesso de seu amigo de infância. Campeão do mundo em oito categorias diferentes, sexto esportista mais rico do planeta graças a uma renda anual de US$ 40 milhões, o “Pacman” – apelido do boxeador – abraçou uma carreira paralela de homem político.
Eleito em 2010 deputado dessa província, aos 32 anos, Pacquiao promete ser ainda mais eficaz na política do que nos ringues. “Quando era criança, eu lutei para encontrar comida, e hoje o maior combate de minha vida não está mais no ringue, mas em meu país, que quero ver livre da pobreza”,2 afirmava às vésperas de uma luta contra o norte-americano Shane Mosley, em Las Vegas. O justiceiro de luvas não corre o risco de ficar sem trabalho: um terço dos filipinos vive abaixo da linha da pobreza. “Apesar de ser rico, Manny não se esqueceu de onde veio. Quando volta para Tango, distribui notas de 100 e 200 pesos [cerca de R$ 4 e R$ 8] em meio a uma população entusiasmada”, comenta Pacaldo.
É essa a prova de que o aprendiz Pacman aprende rápido os rudimentos da profissão. “Desde que somos um Estado independente,3 nossos políticos adotaram a estratégia clientelista. Mas eles não propõem programas políticos de longo prazo nem perspectivas de desenvolvimento do país”, analisa Benito Lim, professor de Ciência Política da Universidade Ateneo, de Manila. Pacquiao não é exceção. Como um slogan publicitário martelado indefinidamente, o boxeador repete sua determinação em erradicar a pobreza. Ele tem o cuidado de não entrar em detalhes: embora se declare favorável a sistemas de educação gratuita e de saúde pública, Pacman jamais revela os contornos desses projetos de reformas. E muito menos de qual bolso vai sair o dinheiro para financiá-los.
No entanto, ele já conhece o caminho mais curto para chegar ao poder. E não se priva de falar do assunto. Escaldado pelo fracasso de sua primeira candidatura nas eleições do Congresso, em 2007, na província vizinha de General Santos – onde nasceu –, Pacquiao constata de maneira lúcida: “Fui derrotado por uma mulher de negócios local, herdeira de uma poderosa e rica família das Filipinas”.4 “Para se tornar um homem político de primeiro plano, é indispensável dispor de recursos financeiros consideráveis, pois cada visita eleitoral implica passar por um político local capaz de juntar apoios”, explica Lim. Inúmeros figurantes vão aos comícios somente se houver alguma retribuição, comida e bebida… “É o preço da democracia”, ironiza o cientista político, com um olhar malicioso.
Democracia controlada
Uma “democracia” estreitamente controlada por cerca de sessenta famílias, que “se recusam a ceder o poder e recorrem a todos os meios necessários para mantê-lo”, afirma o jornalista norte-americano Gary Andrew Poole, autor de uma biografia de Pacquiao.5 Pacman entendeu que sua popularidade excepcional e sua fortuna pessoal seriam uma vantagem limitada diante dessa oligarquia todo-poderosa. De novo candidato às eleições legislativas em 2010, ele faz um acordo com os Dominguez, contra os Chiongbian, cujo representante, Roy, ele enfrentou. Dito de outra maneira, Pacman escolhe uma família da oligarquia saranganiana em detrimento de outra.
“René Dominguez e Manny Pacquiao dirigem, um pouco cada um, a província de Sarangani”, admite sem titubear Ping Ibrahim, diretor de gabinete do governador. Ao ouvir a questão sobre se é possível transformar um país governado pelos ricos, Ibrahim dá gargalhadas: “Eu não sei, mas sem dinheiro é inútil brigar por uma posição política!”. Convenientemente, os Alcantara Dominguez, 31ª família mais rica das Filipinas, têm os meios para concretizar suas ambições. Os aliados de Pacman gerenciam sobretudo os 747 hectares do aeroporto de General Santos pagando um aluguel ínfimo de 1 peso (R$ 0,08) anual por hectare, transferido para o Estado filipino, que não reclama. Ao mesmo tempo, 65% dos trabalhadores de Sarangani estão desempregados.
Apesar de tudo, o entorno de Manny Pacquiao não admite a acusação de instrumentalização. Após ter apoiado a polêmica Gloria Arroyo, cuja presidência (2001-2010) se distinguiu por diversos escândalos de corrupção, Pacman se aproximou na sequência de outra figura da classe dirigente, Manny Vilar, durante a campanha presidencial de 2010. “Mesmo que seja o desejo de alguns, Manny nunca se deixará instrumentalizar pelos ricos e empreenderá sua cruzada contra a pobreza até o fim”, rebate o assistente de Pacman, Michael Brent Evangelio.
Até agora, o impacto do deputado-boxeador, que não esconde suas ambições presidenciais, mostra-se bem magro: a construção de um hospital financiado com fundos públicos e gerados por empresas privadas. E 2 mil computadores doados a escolas de Sarangani pela empresa norte-americana Hewlett-Packard, patrocinadora do boxeador. É duvidoso que as “parcerias público-privadas” e o espírito de caridade de Pacman sejam suficientes para nocautear a oligarquia filipina
David Garcia é jornalista e autor de Histoire secrète de l’OM[História secreta do Olympique de Marselha], Flammarion, Paris, 2013.