Um capricho norte-americano
Asfixiando economicamente o Irã com a ajuda dos capitais e das grandes empresas ocidentais (coagidas e submissas), Washington acha que seu embargo obrigará Teerã a capitular. Esperam, pois, uma reação iraniana que em seguida apresentem, triunfalmente, como uma agressão a exigir a “resposta” norte-americana.
Um Estado que, sem motivo concreto, rompe um acordo internacional de desarmamento negociado durante muito tempo pode depois ameaçar de agressão militar outro Estado signatário? Pode ordenar aos outros países que se alinhem com suas posições caprichosas e belicosas, pois do contrário sofrerão também sanções exorbitantes? Quando se trata dos Estados Unidos, a resposta é “sim”.
Em suma, é absolutamente inútil perder tempo estudando as razões invocadas pela Casa Branca para justificar sua escalada contra o Irã. É de supor que John Bolton, consultor de Segurança Nacional do presidente Donald Trump, e Mike Pompeo, secretário de Estado, confiaram aos diplomatas e serviços de informação norte-americanos uma missão do tipo: “Encontrem os pretextos, eu me encarrego da guerra”.
A Bolton, não faltam nem experiência nem coerência de ideias. Em março de 2015, quando seu fanatismo em favor da invasão do Iraque diminuía sua influência, ele publicou no New York Times um artigo intitulado “Para deter a bomba iraniana, é preciso bombardear o Irã”. Após alegar que Teerã não negociaria jamais o fim de seu programa nuclear, ele concluiu: “Os Estados Unidos poderiam efetuar um trabalho cuidadoso de destruição, mas só Israel é capaz de fazer o necessário. […] O objetivo será a mudança de regime em Teerã”.1
Três meses depois, um acordo nuclear com o Irã era assinado por todas as grandes potências, incluindo os Estados Unidos. Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica, Teerã respeita escrupulosamente os termos desse acordo. No entanto, Bolton não desiste. Em 2018, ultrapassando a postura agressiva do governo israelense e da monarquia saudita, ele se apegava ainda mais à sua “mudança de regime”: “A política oficial dos Estados Unidos”, escreveu, “deveria ser o fim da revolução islâmica iraniana antes de seu quadragésimo aniversário. Isso apagaria a vergonha de termos tido nossos diplomatas mantidos como reféns durante 444 dias. E esses antigos reféns poderiam cortar a fita por ocasião da inauguração de uma nova embaixada em Teerã”.2
O atual presidente dos Estados Unidos fez campanha contra a política das “mudanças de regime”, ou seja, das guerras de agressão. Portanto, ainda não se pode esperar o pior. Mas a paz deve ser bem frágil para depender, aparentemente, da capacidade de Trump de controlar os consultores bravios que ele nomeou. Asfixiando economicamente o Irã com a ajuda dos capitais e das grandes empresas ocidentais (coagidas e submissas), Washington acha que seu embargo obrigará Teerã a capitular. Na verdade, Bolton e Pompeo não ignoram que essa mesma estratégia de guerra econômica fracassou na Coreia do Norte e em Cuba. Esperam, pois, uma reação iraniana que em seguida apresentem, triunfalmente, como uma agressão a exigir a “resposta” norte-americana.
Deturpações, falsificações, manipulações, provocações: após Iraque, Líbia e Iêmen, os neoconservadores já escolheram sua presa.
Serge Halimi é diretor do Le Monde Diplomatique.
1 John Bolton, “To stop Iran’s bomb, bomb Iran” [Para deter a bomba iraniana, é preciso bombardear o Irã], The New York Times, 26 mar. 2015.
2 Idem, “Beyond the Iran nuclear deal” [Além do acordo nuclear com o Irã], The Wall Street Journal, Nova York, 15 jan. 2018.