Um G20 descartável
Dois meses após o crash de Wall Street, seria inútil esperar dos países mais influentes do mundo a contestação das políticas injustas que promovem a desigualdade. Um “novo Bretton Woods” não se monta em algumas semanas
Inaugurada há 30 anos, a reunião anual do clube dos países ricos parecia ter envelhecido. O círculo se tornara estreito demais, ocidental demais, abastado demais. No início, a Ásia estava ali representada somente pelo Japão, geralmente mudo. A América Latina e a África não figuravam lá de maneira alguma. Queda de muros, sacudidas no mundo, aldeia global, diálogo de culturas: o Grupo dos 5 (G5) de 1975, que tinha se tornado G7 no ano seguinte (com a entrada da Itália e do Canadá), depois G8 em 1997 (com a Rússia), se transformou em G20 desde 1999.
Com a irrupção do Brasil, da Argentina, da África do Sul, da Índia e da China, o G20, como previsto, chacoalhou uma ordem internacional carcomida ao dar a palavra aos países do Sul e anunciar a morte do “consenso” de Washington. Em novembro de 2008, a reunião dessas nações parecia um sonho. Será que a quebra financeira e a urgência econômica não constituiriam uma oportunidade para recomeçar do zero, para “refundar” tudo na polifonia do novo mundo?
Aparentemente, isso poderia ocorrer em função da diversidade desse grupo. Mas, afastada do movimento social, essa diversidade apenas maquia as velhas relações de poder, substituindo gerentes usados por associados mais dispostos. “Guiaremos nossos trabalhos pela convicção comum de que os princípios do mercado financeiro e da economia, se corretamente regulamentados, favorecem o dinamismo, a inovação e o espírito empreendedor que são indispensáveis ao crescimento econômico, ao emprego e à redução da pobreza”, anunciaram os líderes do G20. E o comunicado insiste, com serenidade: “Tais princípios tiraram milhões de pessoas da pobreza e permitiram elevação importante do nível de vida mundial”. Isso equivale a declarar que a estratégia escolhida há 30 anos foi a mais adequada, e que a crise atual – um acidente de percurso banal? – será remediada pela regulamentação mais “correta” dos mercados financeiros. Saudemos aqui a abnegação da Argentina, cujas feridas ainda abertas exibem a nocividade do breviário liberal que acaba de subscrever.
Dois meses após o crash de Wall Street, seria inútil procurar nesse texto do G20 – mistura de discurso raso com lengalenga dogmática – a contestação das políticas injustas que promovem desigualdades ou uma crítica às instituições financeiras que encorajaram, por exemplo, dezenas de milhões de pessoas a se endividar para compensar o esboroamento contínuo de seus lucros. Nenhuma palavra tampouco sobre os paraísos fiscais, a menos que eles devam temer – como uma guilhotina suspensa sobre suas nucas – o anúncio de que medidas serão estudadas com o fito de “proteger o sistema financeiro mundial de jurisdições não cooperativas e não transparentes que representam o perigo da atividade financeira ilegal1.” Quanto aos fundos especulativos, o futuro é mais assustador, uma vez que os países do G20 prometeram “aumentar as exigências em matéria de transparência sobre produtos financeiros complexos”. Sinceramente, como o G20 poderia indicar culpados pela crise global se continua a redigir esses comunicados?
É preciso reconhecer que um “novo Bretton Woods” não se monta em algumas semanas. O acordo original, de 1944, foi preparado durante dois anos. E nem a improvisação da reunião, acompanhada pela passagem do bastão em Washington, seria suficiente para explicar tudo. Mas os “20” souberam falar claramente: “Acentuamos quão vital é rechaçar o protecionismo. Nos próximos 12 meses nos absteremos de erguer novas barreiras ao investimento e ao comércio de bens e serviços. Nós nos esforçaremos para chegar este ano a um acordo sobre mudanças que conduzam à conclusão da agenda para o desenvolvimento da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) com um resultado ambicioso e equilibrado”. Que o livre mercado e a mundialização financeira possam se valer do aval de governos que representam 65% da população mundial, eis o que significa uma conclusão bastante singular – e certamente provisória – da atual tempestade econômica.
*Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).