Um pescador somali em Paris
Treze somalis acusados de pirataria foram presos pela Marinha britânica no começo de janeiro, enquanto a justiça espanhola ordenava o encarceramento de 6 de seus compatriotas. Assim como Londres e Madri, Paris emprega os métodos mais estritos para “pacificar” o Oceano Índico, normalmente ignorando os direitos humanosRémi Carayol
Desde o dia 30 de novembro de 2011, Abdulahi Ahmed Guelleh está livre. Pouco antes da meia-noite desse dia, os vigias da casa de detenção da Santé, em Paris, onde ele estava encarcerado havia vários meses, literalmente o jogaram para fora. Ele não queria partir. Tinha medo… Ainda hoje, esse somali de 36 anos não conhece nada ou quase nada da França, um país em que, no entanto, ele colocou os pés há três anos, algemado e preso por “feitos de pirataria” em seu país. Abrigado desde sua libertação em um hotel barato da periferia parisiense, com as despesas pagas por somalis instalados na França, Guelleh não ousa sair de seu quarto minúsculo de 38 euros por noite. “Ele está completamente perdido. Tudo para ele é estrangeiro aqui, a começar pela língua”, resume seu advogado, Florent Loyseau de Grandmaison.
Perdido seria pouco: da França, ele tinha visto apenas os muros da prisão, seus guardas e a violência praticada por alguns detentos. “Sua situação é inédita. Ele se encontra em um país a que ele não quis vir, sem nenhum documento de identidade nem qualquer traço de entrada sobre o território, e do qual ele não pode sair”, prossegue o advogado.
“Eis o que acontece quando se permite ao Exército prender e trazer homens a seu país e os desenraizar precipitadamente, sem investigação prévia, a fim de julgá-los”, lamenta outro advogado encarregado do caso. Guelleh foi detido por militares franceses nas primeiras horas do dia 16 de setembro de 2008, em águas somalis, em companhia de cinco compatriotas, a bordo de um veleiro de 16 metros batizado Carré d’As IV. Quatorze dias antes, um casal de franceses – Jean-Yves e Bernadette Delanne –, que velejavam com o barco até a França, haviam sido tomados como reféns nessa zona de intensa pirataria.1 Durante o ataque, um somali foi morto, seis outros presos. Durante uma semana – o tempo de chegar a Paris por via aérea – e na mais total opacidade, eles foram detidos pelo Exército francês.2
Somente dois deles participaram do ataque ao Carré d’As; os outros se juntaram ao curso das mudanças de equipes e de escalas ao longo da costa africana. Guelleh chegou apenas na véspera da intervenção: ele pescava no local, e os invasores do barco haviam pedido a ele para fornecer peixes, antes de incitá-lo a ficar a bordo à noite… Depois de 38 meses de uma detenção provisória particularmente longa e angustiante para os seis homens –3 a Bélgica julgou casos similares em oito meses, a Holanda em dezoito, a Espanha em dezenove… –, e mais quinze dias de debates na sala n° 3 do tribunal de Paris, Guelleh foi inocentado, enquanto os outros cinco acusados tiveram de cumprir pena de prisão de quatro a oito anos, bem abaixo do reivindicado pelo promotor-geral.
Ao fim do processo – o primeiro do tipo na França –, que ocorreu entre 15 e 30 de novembro de 2011, não há mais dúvida. Apresentados pelo Estado como perigosos terroristas, os seis homens não são, em sua maior parte, subalternos obedecendo às ordens de um comandante bem identificado (um notável local). No tribunal, Delanne, marinheiro experiente, notou o amadorismo deles: “Eles tinham enjoo de mar”. Piratas de água doce, de alguma forma. Sua esposa acrescentou: “Eles não tinham nada previsto. Não tinham nada com eles [exceto armas, nota da redação]”. E ambos contam como, quando Delanne ficava nervoso, os invasores não se irritavam. O refém francês até mesmo estabeleceu regras rígidas (proibição de fumar na cabine e de comer na ponte) e ensinou técnicas de pesca a seus sequestradores. Quando eles estavam em busca de combustível, foi ele quem os aconselhou a se dirigir aos pescadores locais.
Depois da última jornada de debates, antes que o público assistisse a uma cena surrealista na qual as vítimas beijaram seus sequestradores, desejando-lhes “uma vida nova e feliz”, Delanne forneceu seu próprio veredicto. Guelleh? “Eu sempre disse que ele era um intruso em nosso sequestro.” Quanto aos outros, eles são culpados, sim, mas ele os considerou “garotos esmagados pelos desafios”.
“Um procedimento muito incomum”
A administração não apreciou muito a indulgência do casal Delanne e do júri. A Procuradoria Geral da República, que apelou da decisão, estima que as penas anunciadas, a começar pela inocência de Guelleh, “não estão à altura da extrema gravidade dos fatos de pirataria que conduziram a comunidade internacional – e em particular a França – a mobilizar grandes meios militares”. Para os advogados, essa última formulação soa como uma confissão. “Não estamos mais no domínio da justiça, mas sim dentro de uma gestão política desse assunto”, zomba Loyseau de Grandmaison.
Os advogados – todos jovens advogados públicos – denunciam “um procedimento muito incomum”, “uma instrução dependente” durante a qual “pouca atenção foi dada para a situação política e social da Somália, em resumo, um processo político”. Como poderia ser diferente, sublinham, quando o discurso do presidente da República, Nicolas Sarkozy, congratulando-se pela intervenção francesa de 16 de setembro de 2011 ao largo da Somália, foi incluído no dossiê do processo? É verdade que a inocência de Guelleh, se for confirmada na apelação, apareceria como uma condenação da atitude de Paris na região onde, como confessou um membro consular somali em seu posto em Paris, “cada um acredita que tudo é permitido”.
Rémi Carayol é jornalista.