Um porto nas mãos de um cartel
O comércio do aço não vem de imediato à mente quando se evocam organizações criminosas. No entanto, a “guerra às drogas” lançada pelo ex-presidente Felipe Calderón (2006-2012) forçou os cartéis a diversificar suas atividades…Ladan Cher
“Bem-vinda a Lázaro Cárdenas, um porto seguro.” Impossível evitar os cartazes colocados nas portas dessa cidadezinha situada no sul de Michoacán, estado da costa oeste do México. A mensagem, porém, transmite menos uma descrição que uma esperança, a de ver a região libertada da ameaça que a assombra há anos: a insegurança.
Rodeado de abundantes recursos de ferro, o porto abre para as mercadorias locais diversas vias marítimas do Pacífico, sobretudo para a China. A cidade de Lázaro Cárdenas (nome do presidente que nacionalizou o petróleo em 1938) possui as mais importantes instalações da costa ocidental mexicana, e diversos projetos de expansão estão sendo estudados. No entanto, desde o início dos anos 2000, o porto caiu nas mãos dos Cavaleiros Templários, um cartel que grassa em Michoacán. Em novembro de 2013, uma operação conjunta do Exército e da Polícia Federal tentou expulsá-los dali. Desde então, as autoridades gritam vitória; já os habitantes de Lázaro Cárdenas se mostram mais prudentes…
O comércio do aço não vem de imediato à mente quando se evocam organizações criminosas. No entanto, a “guerra às drogas” lançada pelo ex-presidente Felipe Calderón (2006-2012)1 forçou os cartéis a diversificar suas atividades. Durante anos, os Cavaleiros Templários utilizaram o porto de Lázaro Cárdenas como centro de importação de produtos químicos chineses destinados à produção de metanfetamina, mas a destruição de parte dos laboratórios onde fabricavam a substância os sensibilizou para os atrativos do minério de ferro. Simples adaptação de seu business model, resume Carlos Torres, jornalista especializado em criminalidade: “Os Cavaleiros Templários conhecem bem a região, assim como os mecanismos de abastecimento de ferro, cujo processo é no conjunto similar àquilo que eles tinham feito para os produtos químicos. Ora, nesse domínio, o cartel dispunha de anos de experiência”.
A tomada de controle do porto constituiu apenas uma das etapas da estratégia dos Cavaleiros Templários para se ancorar no setor mineiro. Por meio de um coquetel eficaz de intimidação, diplomacia e corrupção, eles garantiram para si o apoio de funcionários públicos em condições de cobrir cada uma de suas operações, desde a extração das minas nas montanhas que rodeiam Lázaro Cárdenas até sua expedição por barco, passando pelo transporte entre minas e o embarcadouro. Segundo Salvador Jara Guerrero (Partido Revolucionário Institucional, PRI), atual governador de Michoacán, quase metade das minas da região de Michoacán tinha passado para o controle dos Cavaleiros Templários no momento do apogeu de seu império do aço, em 2013. Em certos casos, os próprios narcotraficantes conduziam as operações de extração. Durante uma entrevista filmada com a rede de informação britânica Channel 4, Servando Gómez Martínez, o líder (hoje foragido) do cartel, se gabava de ter tido muitos clientes chineses que revendiam o minério mexicano no país deles (concedendo a si mesmos, de passagem, amplos lucros).
Não contente em ter se apoderado das minas e construído circuitos de comercialização regulares, o cartel se infiltrou em todos os estágios do aparelho estatal local de modo a obter as autorizações administrativas necessárias à sua atividade. Os tentáculos de sua rede se estendiam das alfândegas ao escritório de Arquimides Oseguera, ex-prefeito de Lázaro Cárdenas, que foi detido em abril por sua implicação em diversos casos de sequestro e chantagem. “O sistema de suborno funcionava ainda melhor pelo fato de que cada um compreendia os termos da proposta: aceitar o dinheiro e colaborar, ou morrer”, explica um funcionário do porto – a célebre “oferta que não se pode recusar” do filme O poderoso chefão.
Os Cavaleiros Templários prosperavam sob os olhares das forças da ordem locais: “A polícia atacava os caminhões do cartel com armas de fogo, mas isso não resolvia o problema na fonte”, analisa Torres, sugerindo que a multiplicação dos banhos de sangue não afetava o poder das gangues nem sua proximidade com o poder político. “Mesmo a polícia não era confiável”, confessa o governador Jara Guerrero. Segundo ele, a corrupção na cúpula havia tornado as autoridades locais totalmente impotentes: “Uma operação militar era a única solução”.
Ela foi organizada em 4 de novembro de 2013. Em alguns dias, o Exército, a Marinha e a Polícia Federal afastaram o conjunto das autoridades portuárias e suspenderam todas as atividades mineradoras da região. Desde então, o porto se encontra sob controle militar. “Tornamos seguro um ambiente no qual o comércio legal pode ser retomado sem sofrer ameaças do crime organizado”, felicita-se Jorge Luis Cruz Ballado, ex-general à frente das operações. Silvestre Sandoval, que trabalha no porto há cerca de dez anos, aprova: “Hoje, as pessoas recomeçam a sair na rua à noite. Elas ficam nos bares até tarde”.
Inúmeros moradores estimam, no entanto, que o governo exagera os progressos. Os Cavaleiros Templários não teriam desaparecido, mas estariam pacientemente esperando a partida do Exército. Pedro Tapia tem uma loja de bicicletas há mais de cinquenta anos. Segundo ele, a nova “segurança” da cidade seria apenas ilusória: “Infelizmente, os cartéis não somem assim tão facilmente. Se o governo não investir nos programas sociais, o cartel vai voltar assim que o Exército der as costas”. Lutar contra a insegurança física implicaria lutar também contra a insegurança social? O raciocínio não parece ter convencido as autoridades.
Para os Cavaleiros Templários, interessar-se pelas minas é uma operação lucrativa. Sob sua égide, as exportações para a China explodiram, passando de 1,5 milhão para 4 milhões de toneladas entre 2012 e 2013 (um progresso ironicamente afinado com a promessa do presidente Enrique Peña Nieto de reduzir o desequilíbrio da balança comercial entre os dois países).
Deveríamos, portanto, elogiar esse impulso para o crescimento? O cartel seria totalmente favorável a isso. Seu chefe, Servando Gómez, que se apresenta como um Robin Hood, se vê mais como um benfeitor do que como um assassino. Apelidado “La Tuta” (“o professor”), ele percorre os vilarejos apertando as mãos dos cidadãos e distribuindo dinheiro.
Por meio de sua chegada ao setor legal da exploração mineral, o cartel quis reforçar sua imagem de bom pai de família. Não conseguiu fazer decolar a atividade econômica onde o governo mexicano tinha fracassado com seus métodos comerciais “tradicionais”? Em entrevista à rede britânica Channel 4,2 Gómez coloca em destaque sua frota e seu portfólio de clientes estrangeiros para se apresentar não como um criminoso, mas como um hábil homem de negócios.
“Eles ganharam muito dinheiro e engendraram uma forma de desenvolvimento econômico na região de Michoacán criando empregos no setor mineiro”, admite Carlos Vilalta, criminologista do Centro de Pesquisas e de Ensino Econômicos. Antes de esclarecer: “Mas, para prosperar, os cartéis devem infringir leis e corromper os poderes públicos. A longo prazo, esse sistema se torna autodestrutivo. O cartel é ao mesmo tempo um predador e um parasita que acaba por sabotar o Estado”.
Tal Estado é hoje largamente incapaz de desempenhar seu papel na luta contra os comércios ilícitos. Outros se propõem a substituí-lo. No vídeo de agosto de 2013, La Tuta justifica a ação de seu cartel: “Alguém tem de cuidar de regulamentar o comércio da droga”.
Ladan Cher é jornalista.