Um salário bem menor que o mínimo!
Apesar da recuperação dos últimos anos, nosso salário está longe de garantir aos trabalhadores o mínimo para uma vida digna previsto na Constituição Federal. Segundo o DIEESE, o brasileiro deveria receber, hoje, R$ 2.003,30. Mas cerca de um terço dos trabalhadores ganha apenas R$ 510,00 por mês
A história do salário mínimo já tem mais de 70 anos. A Lei nº 185 de janeiro de 1936 e o Decreto-Lei nº 399 de abril de 1938 o instituíram, mas foi o Decreto-Lei nº 2162 de 1º de maio de 1940 que fixou seu valor, passando a vigorar a partir daquele ano. Em maio de 1984, o salário foi unificado em nível nacional. Anos depois, em 1988, a Constituição Federal definiu, em seu artigo 7º, item IV, que é direito dos trabalhadores urbanos e rurais o “salário mínimo fixado por lei, nacionalmente unificado, capaz de atender as suas necessidades vitais básicas e as de sua família, com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”. Ou seja, todos esses direitos assegurados pela Constituição Federal são o mínimo que uma família deve ter para desfrutar de uma existência digna.
Desde janeiro de 2010, o salário mínimo no Brasil passou a ser de R$ 510,00. É inegável que, nos últimos anos, ele tem recuperado seu poder real de compra, o maior do período recente. Segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE)1, o valor real do salário mínimo aumentou em 53,67% nos dois mandatos do atual governo. No entanto, ainda está longe de garantir os direitos previstos na nossa Constituição. Também segundo o DIEESE, para atingir esse objetivo, o valor do mínimo deveria ser, em fevereiro de 2010, R$ 2.003,30 – portanto, quase quatro vezes os R$ 510,00 atuais.
Mas são dezenas de milhões de trabalhadores e aposentados que hoje vivem com os R$ 510,00 definidos pelo governo. Somente entre os aposentados, são 18,5 milhões de pessoas (69% do total). Em relação aos trabalhadores ocupados, os dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios), feita pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mostram os seguintes números acerca da distribuição por faixa de rendimento em todo o país (ver tabela 1).
Ou seja, pelos dados da PNAD chegamos à conclusão de que uma parcela expressiva dos brasileiros vive com até um salário mínimo: 29,08% dos trabalhadores ocupados, ou 26,9 milhões de pessoas. Recebem até dois salários mínimos, 55,5 milhões de trabalhadores, e até três, 66,2 milhões (71,64% dos ocupados).
Esta distribuição, no entanto, apresenta diferenças quando se considera o aspecto regional. Metade dos trabalhadores nordestinos (48,17%) ganha até um salário mínimo, enquanto na Região Sul apenas 18,27% recebem este valor como remuneração, sendo este o menor percentual do país.
Em relação à divisão por gênero, 34,4% das brasileiras recebem um salário mínimo – 13,5 milhões de um total de 39,2 milhões de trabalhadoras. Nos homens, o percentual cai para 25,15% – 13,4 milhões de um total de 53,2 milhões de ocupados, confirmando que persiste a discriminação salarial em relação às mulheres.
JK e o maior salário mínimo da história
Os estudos do DIEESE sobre a série histórica do salário mínimo são muito importantes para entender esse tema. Eles mostram que o maior salário mínimo pago no Brasil foi durante o governo Juscelino Kubitschek, em 1959, quando atingiu um valor que equivaleria hoje a R$ 1.580,00 – mais de três vezes o atual. Comparando esses dados com a pesquisa do PNAD, segundo a qual 71,64% dos ocupados recebem até R$ 1.530,00 (três mínimos), concluímos que mais de dois terços dos trabalhadores brasileiros vivem hoje com menos que o mínimo pago naquela época pelo governo JK.
Há analistas que argumentam que o grau de cobertura do salário mínimo naquele período era bem menor. Essa argumentação deve ser relativizada, porque na sociedade brasileira atual, que se urbanizou aceleradamente, a gama de bens e serviços de que os trabalhadores necessitam é bem maior que naquela época – e, por isso, o salário mínimo deve fazer frente às novas demandas dos trabalhadores.
Outra argumentação que ajuda a relativizar o grau de cobertura do salário mínimo daquele período é a seguinte: se elaborarmos a hipótese de que 80% dos trabalhadores no governo JK ganhavam 50% do mínimo daquele período (R$790,00), mesmo assim esse valor era 55% superior ao mínimo de hoje.
O economista Maurício Soares, do DIEESE, um dos maiores especialistas do tema no país, traz ainda outra comparação relevante em relação ao mínimo do governo JK. Na época, o salário mínimo, pago em cruzeiros, era de CR$ 5.900,00, enquanto a passagem de ônibus em São Paulo custava CR$ 5,00. Se dividirmos 5.900 por 5, constatamos que o mínimo de JK permitia pagar 1.180 passagens de ônibus. Nos dias atuais, para comprar 1.180 passagens de ônibus a R$ 2,70, o trabalhador de São Paulo precisaria ganhar R$ 3.186,00 – o que mostra como o mínimo perdeu enormemente seu poder de compra.
Na América do Sul
Comparar nosso salário mínimo com o de países com características próximas às nossas também é importante na análise deste tema. A partir de informações disponibilizadas no site Tu Salário2, que oferece serviços de comparação entre salários de países da América Latina, a jornalista Débora Thomé, de O Globo, chegou aos seguintes dados, bastante ilustrativos (ver tabela 2).
Pela tabela, a Argentina ocupa o primeiro lugar no continente, com um salário mínimo de U$ 676, seguida pelo Paraguai. O Brasil ocupa a oitava posição, com U$ 310. Abaixo do nosso país estão apenas o Uruguai e a Bolívia, o que demonstra que nosso salário mínimo também é muito baixo em relação a vários países da América do Sul, todos com PIB inferior ao nosso.
Com esta série de dados comparativos, nos 70 anos de sua implantação, podemos concluir que o salário mínimo, apesar de sua recente recuperação, ainda é muito baixo no Brasil. E que, ao recebê-lo, os trabalhadores seguem sem as condições mínimas para garantir uma vida digna.
Apesar de sermos a oitava economia que mais produz riquezas no mundo, estamos em 75º lugar no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e temos uma das dez piores distribuições de renda do planeta, tendo como parceiros, entre outros, Haiti e Serra Leoa. Portanto, é prioritária a luta dos trabalhadores e do movimento sindical pelo aumento do salário mínimo, de acordo com o que determina a Constituição Federal. É uma luta fundamental para melhorar a distribuição de renda e a qualidade de vida da população brasileira como um todo.
*Odilon Guedes economista, mestre em economia pela PUC-SP, é professor das Faculdades Oswaldo Cruz. Foi presidente do Sindicato dos Economistas no Estado de São Paulo e vereador na cidade de São Paulo.
1 Nota Técnica nº86, janeiro de 2010.