Uma adaptação climática remendada?
Quais as razões que podem ser atribuídas à falta de priorização política da agenda climática, seja pelo governo, seja pelos parlamentares?
Nem a gravidade dos eventos climáticos extremos ocorridos no Brasil no ano de 2024 – enchentes, seca e queimadas históricas – fizeram com que os poderes Executivo e Legislativo dessem prioridade no orçamento para a agenda da adaptação climática no PLOA 2025. Mas isso, como veremos, não é uma novidade.
As iniciativas e medidas de adaptação climática têm como objetivo reduzir a vulnerabilidade dos sistemas naturais e humanos aos efeitos atuais e esperados das mudanças climáticas. Há uma variedade de programas e ações orçamentárias, sob a responsabilidade de diversos ministérios, relacionados ao enfrentamento das emergências climáticas. Contudo, para fins de análise, selecionamos o programa 2318 – “Gestão de Riscos e Desastres” – considerado estratégico e crítico para a adaptação, pois as ações orçamentárias estão direcionadas especificamente às localidades afetadas por eventos climáticos extremos.
O Congresso havia aprovado na Lei Orçamentária Anual (LOA) 2024 a dotação de R$ 1,9 bilhão para esse programa. Desse montante, R$ 68 milhões eram correspondentes a emendas parlamentares individuais e de bancada.
Ao longo do ano, diante de sucessivas tragédias climáticas em diferentes regiões do país, o governo federal repetiu a prática de decretação de estado de calamidade e ampliação de recursos por meio de créditos extraordinários. Foi dessa forma que um orçamento de R$ 1,9 bilhão se converteu em um orçamento de R$ 6,9 bilhões. Contudo, esse valor não apenas continua sendo notadamente insuficiente, como também padece de um mal originário, que é o de atuar na recuperação, sem criar condições básicas para ações de prevenção.
No PLOA 2025, a dotação orçamentária proposta pelo governo para o programa 2318 foi ainda menor, de R$ 1,7 bilhão. Ou seja, mesmo diante da constatação de insuficiência orçamentária para 2024, o Executivo designou menos recursos para a gestão de riscos e desastres.
Os parlamentares, por sua vez, diminuíram ainda mais o valor das emendas para as ações orçamentárias desse programa. Elas passaram de R$ 68,9 milhões em 2024 para R$ 39,1 milhões no PLOA 2025.
O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden/MCTI), atualizou, no início deste ano, a listagem dos municípios mais suscetíveis à ocorrência de desastres naturais, nos subgrupos de deslizamentos, enxurradas e inundações. Essas localidades, de acordo com a pasta, devem ser priorizadas nas ações da União em gestão de riscos e desastres naturais. A Bahia, o Espírito Santo e o Pernambuco detém a maior proporção do Brasil (42,7%) da população de seus municípios suscetível a desastres ambientais. Desses, apenas Pernambuco recebeu a indicação de emendas – uma emenda individual no valor de R$ 400 mil destinada à ação “8865 – Apoio à Execução de Projetos e Obras de Contenção de Encostas em Áreas Urbanas”.
O regime atual das emendas parlamentares é controverso. Sob nosso ponto de vista, ele não contribui para o melhor planejamento e execução do orçamento público, pois prejudica a elaboração e execução de políticas públicas que articulam diferentes programas e não favorece o federalismo climático, que preconiza a distribuição de responsabilidades e recursos entre a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal para atender à pauta das mudanças climáticas.
Entendemos que a estruturação dessa governança interfederativa deve ser a medida urgente do momento. Ela não pode existir desvinculada de uma estrutura de financiamento sólida e robusta, que garanta o compartilhamento de recursos baseado em critérios e prioridades que respondam de forma preventiva aos extremos climáticos e seus desiguais impactos sobre territórios e grupos sociais. Até lá, compreendemos como alternativa política a destinação de emendas parlamentares para a agenda da adaptação climática, com foco no enfrentamento das desigualdades, que comprovadamente impactam de formas diferentes populações e territórios historicamente vulnerabilizados no Brasil.
Para a sociedade que tem assistido, mas principalmente para aquela parcela que tem sentido os impactos mais severos das mudanças climáticas, fica a pergunta: quais as razões que podem ser atribuídas à falta de priorização política da agenda climática, seja pelo governo, seja pelos parlamentares?
Alessandra Cardoso é economista com doutorado em Economia, Espaço e Meio Ambiente pela Unicamp (SP). É assessora política do Inesc, atuando na temática ambiental, com ênfase no financiamento das políticas socioambientais no Brasil e na agenda de energia.
Cássia Lopes é Bacharela em Direito e assessora política do Inesc, atuando no acompanhamento do Parlamento
Sheilla Dourado é graduada em Direito, mestre em Direito Ambiental e doutora em Direito – Direitos Fundamentais e Meio Ambiente. Com experiência de trabalho e pesquisa junto a povos e comunidades tradicionais e povos indígenas na Amazônia e no Cerrado, atua como assessora política do Inesc nas pautas socioambientais e adaptação climática.