Uma breve história das guerrilhas no século XX
As guerras de guerrilhas eram formas de se alterar os sistemas vigentes. As vitórias atingidas através desse modo de guerra podem não ter sido extensas e, até mesmo podem ter se contido em parcelas do globo. Mas os seus efeitos culturais, políticos e históricos ainda estão presentes.
As guerras de guerrilhas foram constantes durante o violento século XX. A guerrilha se tornou célebre durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) com as ações árabes contra os turco-otomanos. Foi Thomas Lawrence (ou Lawrence da Arábia), em Os Sete Pilares da Sabedoria (1922) que imortalizou a guerrilha. A obra de Lawrence mostrava como uma força compreendida como inferior em diversos aspectos, em realidade, descobria sua força justamente por não seguir os padrões de luta dos exércitos turco-otomanos.
Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), exércitos guerrilheiros participaram da derrota do fascismo na Europa e na Ásia. Tanto os partisans de Josip Broz Tito que lutaram contra os nazistas na Iugoslávia e os guerrilheiros de Mao Tsé-Tung na China, que lutaram contra os imperialistas japoneses, foram responsáveis por infernizar seus inimigos. Foi através da guerra de guerrilhas que a China e a Iugoslávia, ambas socialistas, ergueram-se no período pós-Segunda Guerra.
Em 1937, On Guerrilla Warfare (Sobre Guerra de Guerrilhas) de Mao Tsé-Tung foi publicado. Mao escrevia sobre como organizar e travar uma guerra irregular contra seus inimigos. Se o exemplo russo de 1917 o inspirou, sua luta e experiência chinesa também poderiam inspirar os outros. E assim, foi, as guerras de guerrilhas tornaram-se parte do século XX e sempre em proximidade com pensadores e teóricos dessa forma de guerra.
As guerras de guerrilhas, durante e depois da Segunda Guerra Mundial, proliferaram pelos continentes. Organizar e travar uma guerra de guerrilha era uma, entre outras formas, em se derrotar o inimigo, alcançar a vitória e obter os objetivos desejados. Pode-se dizer que as forças guerrilheiras foram organizadas ao longo do século XX não porque assim desejaram, mas porque as circunstâncias históricas as obrigavam.
Sofrendo de todos os tipos de carências que não afetavam seus inimigos, poderia Tito ou Mao derrotá-los de outra forma? Frente a inimigos que ocupavam inteiramente ou parcialmente seus países com exércitos profissionais e, amparados por uma indústria bélica e poder de financiamento, a guerra de guerrilha era a alternativa possível.
Normalmente, quando explode um conflito que envolve guerrilhas, é porque todas as outras alternativas falharam, principalmente as alternativas pacíficas. Em situações onde a morte e a opressão fazem parte do dia a dia, esperar morrer pela ação do inimigo é uma possibilidade. A outra é lutar contra a morte, enquanto tenta impô-la sobre quem tenta lhe matar para que se possa alterar a situação em que se vive.
Não sejamos ingênuos, em embates bélicos, ainda que não seja comum o objetivo de total aniquilação da vida humana, é necessário derrotar parcela das forças inimigas. Essa derrota do inimigo, muitas vezes é expressa através do número de corpos. Governos autoritários sabem disso. Por isso, com medo da dissidência, eles desenvolvem grande aparato de vigilância e punição contra suas próprias populações.
Um exemplo disso pode ser visualizado em África. Após décadas de organização, protestos, demandas e fracassos em conseguir alguma medida contra os colonialistas, diversos grupos guerrilheiros emergiram no continente africano. Onde a vida cotidiana ocorria em meio à desesperança da resolução pacífica dos problemas enfrentados, as armas entravam para fornecer uma possibilidade de libertação.
Os Mau Mau, por exemplo, queimaram o Quênia em 1952 e a Frente de Libertação Nacional incendiou a Argélia em 1954. Se as palavras dos colonizados não eram ouvidas, talvez suas ações militares furtivas e o barulho de suas armas fossem. Os exemplos de luta de outros povos também inspiraram os guerrilheiros africanos, asiáticos e latino-americanos. Em África, diversos foram os consultores chineses, norte-coreanos e cubanos especializados em guerra de guerrilha que treinaram tropas para lutar contra os colonialistas.
A forma de guerra que libertou países contra o nazismo e o imperialismo japonês, agora era utilizada contra os países supostamente democráticos que lutaram contra a barbárie dos autoritarismos alemão e japonês. Na realidade, é errado pensar que as guerrilhas são apenas libertadoras ou inimigas de qualquer tipo de opressão. Essa forma de guerra foi empregada para diferentes fins. As tropas guerrilheiras de Paul Emil von Lettow-Vorbeck que enfrentaram ingleses, belgas e portugueses na África entre 1914 e 1918, estavam a lutar pelo império alemão e sua hegemonia.
Ocorre que, durante o século XX, especialmente a partir da Segunda Guerra Mundial e no subsequente período de descolonização da segunda metade do século, a guerra de guerrilha tornou-se um método de libertação. De outro modo, ela era uma via de alteração das estruturas de poder e de criação de um mundo novo, principalmente no Terceiro Mundo.
Diversos países africanos conquistaram sua independência através de enfrentamentos entre guerrilhas e exércitos convencionais. Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, não apenas conseguiram suas independências através da guerrilha, mas foram um dos importantes fatores da queda do salazarismo em Lisboa em 1974. Olhando por essa perspectiva, um evento aparentemente local tinha consequências em outros locais da geografia.
O exemplo mais dramático é do Vietnã. A guerrilha formada no país enfrenta, primeiramente, os japoneses. Depois, passa a enfrentar o antigo colonizador francês que se negava a perder sua colônia. Por último, enfrente o maior poder capitalista e líder do mundo livre, os Estados Unidos. Da década de 1940 até a década de 1970 o país vive conflitos constantes. É nesse cenário que o nome de Ho Chi Minh, líder do Partido dos Trabalhadores do Vietnã e o nome de Võ Nguyên Giáp, general responsável pela derrota francesa e americana, são imortalizados em relação às suas vitórias através da guerrilha.
Mora aqui outro efeito da guerra de guerrilhas. Entendida como fraca por enfrentar inimigos mais fortes, ainda que a guerrilha se configure por um estilo de guerra que anule as vantagens bélicas do seu inimigo, ao impor a vitória, os guerrilheiros surgem como o fraco que derrota o forte. Ou seja, o trabalho de descrição deles como verdadeiros heróis que conquistam o aparentemente inconquistável torna-se mais fácil.
Os oitenta e dois homens que desembarcaram na Playa las Coloradas acabaram por iniciar a derrota do governo cubano e alterar os rumos geopolíticos da América Latina e também do restante do Terceiro Mundo. Assim começa a lenda de Che Guevara (talvez o maior símbolo da guerra de guerrilhas), Fidel Castro e Camilo Cienfuegos. A guerra imortaliza nomes, principalmente quando o feito parecia impossível para os olhos dos descrentes.
Os finais do anos de 1960 e a década de 1970 são realmente tempos de chumbo na América Latina e no Brasil. O Sendero Luminoso ardia no Peru, As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) iniciavam sua luta armada e no Brasil, a guerrilha urbana de Marighella buscava iniciar uma revolução no país. Enquanto Marighella falhou no seu objetivo, apesar de seu nome sobreviver, o PC do B travava sua guerra de guerrilhas no norte do país e inspirada em Mao Tsé-Tung.

São poucas as vitórias guerrilheiras na América Latina. Elas foram mais bem sucedidas primeiramente na Ásia e, em segundo lugar, na África. Ainda que os países africanos lutem para se desenvolver, as resistências armadas garantiram a dignidade de se ver livre do colonialismo que, indubitavelmente, impedia qualquer chance de desenvolvimento. A grande vitória através da guerra de guerrilhas no continente americano é, sem dúvida, aquela travada por Fidel e Che na geograficamente pequena Cuba, mas enorme politicamente.
A política é um ponto que faz intersecção com as guerras de guerrilhas. Não há grupo que pratique guerra de guerrilhas sem direcionamento ideológico ou político. Por isso, ao entender as guerrilhas é necessário compreender o universo mental dos seus formuladores e lutadores. O general vietnamita Giap partia do marxismo-leninismo e da história do Vietnã para pensar e organizar a guerrilha. Guevara pensava em como criar possibilidades revolucionárias para libertar os países do controle capitalista do Ocidente. Marighella pensava como destruir a ditadura através de uma revolução no Brasil. Organizar uma guerrilha requer uma leitura do mundo, dos inimigos identificados e deve-se conhecer os conceitos que amparam e explicam a luta e seus objetivos.
Esse caminho intelectual e armado que as guerrilhas ofereciam na segunda metade do século XX acabou por gerar inúmeros trabalhos teóricos e artísticos. O líder guerrilheiro da Guiné-Bissau, Amílcar Cabral, fazia poesia e fazia teoria. Giap escreveu extensamente sobre armar o povo e travar guerras de guerrilhas. Guevara, Marighella e o ganês Kwame Nkrumah deixaram manuais de como se armar e lutar contra o colonialismo, o neocolonialismo e o capitalismo.
As guerras de guerrilhas eram formas de se alterar os sistemas vigentes. As vitórias atingidas através desse modo de guerra podem não ter sido extensas e, até mesmo podem ter se contido em parcelas do globo. Mas os seus efeitos culturais, políticos e históricos ainda estão presentes. A China atual, a descolonização de parte de África e Ásia, parcelas de derrota do imperialismo americano na América Latina, foram conquistados através de diferentes formas de guerra de guerrilha.
Ocorre que, na atualidade, não há mais teóricos guerrilheiros e revolucionários. E isso é uma derrota de um modo de se pensar a política em sua intersecção com as armas. Por um lado, é aceitar que os horrores das guerras são inaceitáveis, de outro modo, é aceitar que certos horrores devem ser aceitos e que não se deve contra-atacá-los violentamente.