Vinte anos da Guerra ao Terror
As invasões do Afeganistão e do Iraque significavam dois governos inimigos retirados do poder. Mas a guerra ao terror não acabara. As ocupações foram seguidas de insurgências e da inabilidade dos estadunidenses e de seus aliados ocidentais em criar condições de criar novos governos com seus aliados locais. A única área em que eles não falharam foi em enriquecer suas petroleiras, empreiteiras e até companhias de mercenários
Foi em 11 de setembro de 2001 que muitas crianças tiveram seus desenhos matinais interrompidos no Brasil. Não era uma ficção de ação, era a ação de terroristas da Al-Qaeda levando a cabo um plano orquestrado por Osama Bin Laden, veterano da guerra contra a União Soviética no Afeganistão. Dez anos antes, o bloco soviético caíra, deixando o mundo aparentemente com apenas um super poder, os Estados Unidos, líder do mundo liberal do Ocidente.
Não durou muito sua suposta hegemonia. O grupo terrorista de Bin Laden se infiltrou no país e causou o maior ataque terrorista na história dos Estados Unidos. Em 1993, a Al-Qaeda (grupo formado durante a invasão soviética do Afeganistão), já havia atacado as Torres Gêmeas ao explodir um caminhão bomba no subsolo da torre norte. Em 2001 eles conseguiram um sucesso que nenhum grupo terrorista imaginaria.
Às 8 horas e 46 minutos da manhã, o primeiro avião se chocou contra uma das torres do World Trade Center; às 9h03, outro avião atingiu a segunda torre. Às 9h37 um terceiro avião sequestrado pelos terroristas foi atirado contra o Pentágono. Às 10h03 o voo número 93 da United Airlines foi derrubado na Pennsylvania. A primeira torre caiu às 9h37 e a segunda às 9h59. Todos que estavam perto de um rádio ou de uma televisão puderam acompanhar os ataques ao vivo enquanto o mundo estava a mudar. Em menos de duas horas, um ataque coordenado causaria um conflito que já dura duas décadas.
Menos de um mês após o ataque, uma coalizão formada pelos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Austrália invadiu o Afeganistão em 7 de outubro de 2001. O governo Talibã, que havia se negado a entregar Osama Bin Laden, foi facilmente derrubado, mas passados vinte anos de guerra, nunca derrotado. Estadunidenses que nem eram nascidos na época dos ataques puderam servir e lutar na guerra mais longa da história dos Estados Unidos, que chegou ao fim assim como os ataques que deram início a ela, frente aos olhos de todo o mundo.
Os objetivos da coalizão liderada pelos Estados Unidos nunca foram totalmente atingidos. Com todos os danos causados ao Talibã e à Al-Qaeda, os grupos nunca foram eliminados. A Guerra ao Terror passou a se expandir e afetar vários países sem que grupos terroristas fossem derrotados.
O então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, membro do Partido Republicano e que governou entre 2001 e 2009, declarou em janeiro de 2002 que os Estados Unidos estavam a enfrentar um Eixo do Mal formado por Irã, Iraque e Coréia do Norte. Mais tarde, em maio de 2002, John Bolton, ex-secretário de Bush, afirmou que o Eixo do Mal deveria ser expandido e incluir Cuba, Síria e Líbia, por também considerá-los estados que financiavam o terrorismo. O terrorismo, depois da queda do comunismo, tornou-se o grande inimigo.
Todas as ameaças feitas pela Casa Branca foram levadas a sério. De todos os inimigos colocados no Eixo do Mal, somente Cuba, Irã e Coréia do Norte seguem sem interferências bélicas diretas em seus territórios e governos, porém sofrem constantes ameaças e bloqueios econômicos.
A ocupação no Afeganistão buscou criar a ideia de “nation building”, ou seja, construir uma nação. Acreditava-se que ao importar as ideias ocidentais de democracia liberal, eleições, pluripartidarismo e respeito aos direitos humanos, a guerra seria vencida pela conquista das mentes e dos corações. Enquanto a ocupação prosseguia e os mirabolantes planos de construir uma nação ao modelo ocidental eram colocados em prática, a guerra ao terror prosseguia em escala global.
A mentira nunca foi artifício incomum na arena política. E já justificou muitas atrocidades em diversos cenários e entre diversos povos do planeta. Na Guerra ao Terror, a mentira foi efetiva em planejar e executar uma invasão contra o Iraque. Tanto Bush como seu aliado britânico, Tony Blair, falavam abertamente sobre a mudança de regime no Iraque. E, ambos, jogaram a carta das armas de destruição em massa que o regime iraquiano supostamente possuía. Depois do Afeganistão as vítimas foram o ditador Saddam Hussein e o Iraque.
Mesmo que Rússia, China, Alemanha e França (essas duas últimas próximas dos Estados Unidos) fossem contra a invasão, o Iraque caiu. Em março de 2003, uma nova coalizão formada pelos Estados Unidos, Austrália, Reino Unido e Polônia iniciou a invasão do Iraque. Em pouco mais de um mês o regime havia mudado, mas nenhuma arma de destruição em massa apareceu. Saddam Hussein foi capturado em dezembro de 2003, julgado e executado em 2006. Ainda assim, passado cinco anos desde 2001, a Guerra ao Terror não obtinha paz, não derrotava seus inimigos e estava a aumentar a amplitude de sua atuação.
Os ataques às Torres Gêmeas não foram os únicos, mas foram o grande palco da Al-Qaeda. Enquanto a luta prosseguia no Afeganistão e no Iraque, os ataques do grupo ocorriam em muitos países. Em 2002, Mombasa no Quênia e Bali na Indonésia foram atacadas. Em 2003 foi a vez do Marrocos, da Turquia e da Arábia Saudita sentirem as bombas da organização. Nenhum desses ataques foi tão publicizado como os que ocorreram em Madri em 2004 e em Londres em 2005. A publicidade terrorista era mais efetiva contra os ocidentais, enquanto a violência no terceiro mundo era considerada parte da vida nos países subdesenvolvidos.
A retirada dos talibãs, a destruição dos centros de treinamento da Al-Qaeda no Afeganistão e a queda de Hussein não abrandaram a violência. A ocupação no Afeganistão nunca cessou o conflito e não impediu que ataques terroristas continuassem. A ocupação do Iraque jogou o país em insurgências, guerra civil e tornou sua existência um caos constante. A democracia que prometia salvar esses povos, não florescia, mas isso não impediu que o presidente Bush fizesse um discurso à bordo do porta-aviões Abraham Lincoln e declarasse “missão cumprida” em maio de 2003.
Mas o terror não era especificidade dos povos islâmicos, como os comentaristas e ideólogos do Ocidente queriam que fosse. Nas prisões estadunidenses erigidas no Iraque, os soldados da coalizão estavam se divertindo ao seu próprio modo de terror. Foram as fotos dos abusos de prisioneiros na prisão de Abu Ghraib que correram os jornais do mundo, demonstrando que o terror era uma arma contra o terrorismo (fosse ele real ou imaginário). Mais uma vez a CIA e o Exército dos Estados Unidos seguiam sua tradição histórica de torturas. Donald Rumsfeld, ex-secretário da Casa Branca no governo Bush, assinou diversos documentos autorizando medidas extremas de interrogatório. Tais técnicas também foram defendidas por Dick Cheney, então vice-presidente.
Entre as táticas para derrotar o terrorismo estava a espionagem do povo estadunidense. Na guerra contra inimigos que eram narrados como extremamente perigosos, junto do sentimento de ódio e de vingança que invadiu as lideranças americanas e de um medo absurdo de que novos ataques terroristas ocorressem a qualquer momento e em qualquer lugar, a Casa Branca decidiu adotar o Patriot Act (Ato Patriota). O projeto permitia a vigilância em massa de todos os cidadãos, prisão de suspeitos sem direito a julgamento, invasão de propriedades sem mandado. A obra do governo republicano seria abraçada pelo seguinte governo democrata, que não só seguiria o mesmo caminho, como ampliaria os poderes do Ato Patriota.
Do ponto de vista americano, as invasões do Afeganistão e do Iraque significavam dois governos inimigos retirados do poder. Mas a guerra ao terror não acabara. As ocupações foram seguidas de insurgências e da inabilidade dos estadunidenses e de seus aliados ocidentais em criar condições de criar novos governos com seus aliados locais. A única área em que eles não falharam foi em enriquecer suas petroleiras, empreiteiras e até companhias de mercenários.
Dado que um evento tão longo torna-se desinteressante, tornou-se normal pensar o Iraque e o Afeganistão como terras em desordem. Mas havia outros alvos a serem atacados na Guerra ao Terror. A oportunidade para isso veio com a Primavera Árabe. Nesse novo momento, o comando dos Estados Unidos não estava nas mãos dos republicanos, mas dos democratas e do carismático Barack Obama.
Quando uma série de protestos correu o norte da África do Marrocos até o Egito e também em países do Oriente Médio, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), tornou-se muito interessada em um antigo inimigo regional durante esse processo de mudanças em diversos países islâmicos.
O coronel Muamar Kadafi havia se tornado líder da Líbia em 1969. Declarado nacionalista, socialista e proponente da Terceira Teoria Internacional descrita em seu O Livro Verde, originalmente publicado em 1975, Kadafi era um inimigo do Ocidente havia décadas. Além de antigo aliado do ugandense Idi Amin e um importante proponente da união africana, Kadafi declarava-se abertamente contra as intromissões do Ocidente nos países subdesenvolvidos. A Otan não perdeu tempo, passou a denunciá-lo com apoio da democrata Hillary Clinton. Pouco tempo depois do início dos protestos, bombardeios efetuados por forças aéreas de países membros da Otan correram a Líbia. Com sua administração e forças desarticuladas, os rebeldes capturaram Kadafi e o executaram em 20 de outubro de 2011.
O outro alvo do Ocidente que também integrava o denominado Eixo do Mal era a Síria de Bashar al-Assad. Foi durante os protestos que se iniciou uma guerra civil que destruiu a infraestrutura do país, ceifou milhares de vidas e, junto com a questão líbia, criou uma onda de imigração em massa que transformou o Mar Mediterrâneo num cemitério e mostrou como forças conservadores e racistas encontram um bom espaço na política europeia ao trabalhar uma suposta invasão islâmica e o fim do Ocidente. Assim como na Líbia, a guerra na Síria prossegue. Junto com Iraque e Afeganistão, quatro foram os países destruídos durante a Guerra ao Terror.
Foi sob a presidência de Obama que Osama foi descoberto e eliminado numa operação especial em território paquistanês. Depois da Operação Lança de Netuno, todos sabiam quem eram os SEAL Team Six. Em primeiro de maio de 2011, quase dez anos depois dos ataques de 11 de setembro, Obama foi ao ar dizer que “os Estados Unidos conduziram uma operação que matou Osama Bin Laden, o líder da Al-Qaeda”. O vilão do 11 de setembro estava morto, mas os inimigos da América persistiam.
Todo o maciço investimento em armas e tecnologia não conseguia desmontar e derrotar grupos armados espalhados em diversos continentes e em locais de difícil acesso. A guerra irregular tornou-se a face da Guerra ao Terror. Porta-aviões, mísseis intercontinentais, aviões de combate e drones não serviam para derrotar inimigos que andavam a pé, que não tinham fronteira, que portavam armamentos leves e se negavam a encarar o inimigo da forma que ele esperava. Mais importante, as armas não eram capazes de mudar as mentes que eles buscavam derrotar, apenas espalhar mais terror.
O exemplo iraquiano nos serve de análise. Seguido a queda de Saddam Hussein em 2003, uma insurreição se iniciou no país contra os ocupantes e seus aliados. Ao mesmo tempo, a Al-Qaeda conseguiu desenvolver sua presença no país. A insurgência que durou até 2011 foi acompanhada por uma guerra civil entre 2006 e 2008. Ao sair das tropas estadunidenses em 2011, o Irã (membro do Eixo do Mal segundos os americanos), aumentou sua presença e influência no país enquanto uma nova insurgência armada ocorria. Em 2014 as forças estadunidenses retornaram ao Iraque. Nesse meio tempo o Estado Islâmico fez sua breve aparição no norte do país e, mesmo que tenha perdido seus territórios e seu sonho de unir o mundo islâmico de Portugal até o Afeganistão, hoje o grupo possui células em diversos países.
As intervenções ocidentais não são sinônimo de esperança, mas de mudança em direção ao caos. O caos parece ser um projeto político para ser instalado em países que contêm recursos de interesse para as economias centrais do liberalismo e do capitalismo. A insegurança, a desesperança e a ameaça constante das armas estadunidenses mantém povos e países em constante situação de estresse, impedindo desenvolvimento, barrando a autodeterminação, enquanto oferece uma ideologia colorida que é vendida em realidades locais que habitam uma longa noite.
A derrota moral, que é a retirada dos Estados Unidos do Afeganistão, não é uma derrota militar. Eles deixaram claro que países pobres e subdesenvolvidos podem ser invadidos e destruídos a qualquer momento. É também um aviso aos aliados dos estadunidenses que agora têm mais um exemplo de que não podem contar com uma aliança com o gigante poder capitalista, apenas com interesses em comum. Os vinte anos de guerra contra o terrorismo não cessarão. Grupos armados que odeiam os Estados Unidos, sua sociedade e sua política externa estão presentes em diversos continentes. A Guerra ao Terror vai continuar por outros meios, mas deve se aproximar da história da guerra às drogas, onde todos os anos – como diz a piada – as drogas ganham.