A 2ª etapa da reforma tributária
O Projeto de Lei nº 2337/2021 foi aprovado na Câmara dos Deputados e segue para apreciação no Senado Federal. Se aprovado, seguirá para a sanção presidencial e estará sujeito a vetos
O PL 2337/2021 é parte da reforma tributária proposta pelo Poder Executivo. A reforma conta com várias etapas, sendo a primeira delas a instituição de um novo tributo, “Contribuição Social sobre Bens e Serviços” (CBS), que substituiria o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
Se antes o Executivo focou na tributação sobre o consumo, agora se volta para a uniformização da legislação do Imposto sobre a Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Atualmente, as alíquotas dos referidos tributos somam 34%. Na nova legislação, intenta-se reduzir a alíquota efetiva para patamar máximo próximo a 26%.
O encaminhamento da proposta passou por inúmeros choques, avanços e recuos. Em certo momento, o substitutivo proposto pelo relator, deputado Celso Sabino (PSL-PA, na época PSDB), previa a revogação de vários benefícios de PIS, Cofins, Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Impostos de Importação (II) das indústrias farmacêutica e naval. Propôs-se, por exemplo, revogar as leis 8.032/1990 e 9.493/1997, que dispõem, respectivamente, de isenções de II e do IPI em materiais de manutenção de embarcações. Essas medidas não seguiram na redação final aprovada pela Câmara, mas a medida provisória 2.158/2001, que estabelece isenção da Cofins nas receitas auferidas por estaleiros navais brasileiros em construção, foi revogada no documento enviado ao Senado.
O parecer do relator também foi importante ao abordar temas como o fim do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Até o momento, o órgão, em interpretação restritiva, aplica o artigo 19-E da Lei 10.522/2002 de forma que o desempate pró-contribuinte só abarcaria questões envolvendo a exigência do crédito tributário. Com a redação debatida no Senado, a decisão a favor do sujeito passivo também abrangeria questões acessórias, de cunho processual.
Outra alteração que afeta o contribuinte é a possibilidade de declarar o valor atualizado do imóvel a valor de mercado, incidindo 4% de Imposto de Renda (IR) no ganho de capital. Em exceção os ativos detidos no exterior passarão a ser tributados na alíquota de 6%. Atualmente, a tributação obedece à alíquota de 15% sobre a diferença entre o valor de venda e o valor de aquisição do bem. Ademais, o desconto simplificado no IR será mantido em 20% e o limite de dedução diminuído de R$ 16.754,34 para R$ 10.563,60. De acordo com o ministro da Economia Paulo Guedes, fiador do projeto no Poder Executivo, isso incentivaria o brasileiro a requerer nota fiscal dos serviços e produtos adquiridos e, por consequência, reduziria os índices de sonegação fiscal.
Em paralelo às alterações para a tributação da pessoa física, o governo propõe uma taxação mais rigorosa das pessoas jurídicas e de investimentos em geral. Nesse sentido, uma das propostas mais criticadas é a tributação de dividendos, que hoje são isentos. Com a nova proposta, os dividendos sofreriam incidência de IRRF de 15%, além da alíquota específica de 30% para a distribuição de lucros que não tenham sido apurados com base na escrituração ou que caracterize distribuição disfarçada de lucros. De certa maneira, ao propor esse tratamento diferenciado, tende-se a valorizar a renda do trabalho e taxar a grande massa de investidores que se vincularam à bolsa de valores nos últimos tempos.
A proposta traz discussões no ambiente financeiro e recebe críticas desde os setores liberais aos mais conservadores. Essas críticas são feitas mediante as alterações como a revogação integral das disposições acerca dos Juros sobre Capital Próprio, que antes eram tributados na fonte e podiam ser dedutíveis no lucro real, e da avaliação no valor de mercado, em exceção aos casos de devolução acionista controladora domiciliada no exterior. Em contraponto, a dedutibilidade do ágio foi mantida com o objetivo de garantir um ambiente atrativo para novos negócios.
Outro tema que causa conflito é o fim da dupla dedução do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT). O texto aprovado na Câmara dos Deputados limita a dedutibilidade do PAT em 7,5% do IR devido. A alteração não entra no melhor cenário justamente por encontrar um Brasil afetado pela pandemia de Covid-19, com preços altos no mercado e com famílias inteiras dependendo de auxílio governamental, para além dos últimos dados que asseveram o nível de insegurança alimentar em ascensão no país.
A reforma proposta pelo Poder Executivo chega em ambiente hostil para mudanças. Alterações no cenário fiscal esbarraram com proposições que assustam parte dos agentes econômicos, como a da flexibilização do teto de gastos para o custeio do “Auxílio Brasil”, novo programa social que substituirá o Bolsa Família, além de situações desfavoráveis como a queda da bolsa de valores e a disparada do dólar.
Julia Sevenini é graduanda em Direito na UFRJ, pesquisadora na área de Direito tributário, ex-presidente da Destro Jr. (UFRJ) e estagiária no Tauil & Chequer Advogados Associado a Mayer Brown.