A biodiversidade do Equador nas mãos da solidariedade internacional
A Rio+20 será realizada de 20 a 22 de junho. Na conferência, enquanto os países ricos buscam impor uma economia “verde” compatível com a ordem neoliberal, outros propõem uma via diferente. É o caso do Equador, que defenderá um projeto visando conciliar soberania nacional, progresso social e proteção dos ecossistemasAurélien Bernier
(Homem utiliza caixa de isopor para pescar no Parque Yasuní)
Em junho de 2007, o presidente equatoriano Rafael Correa, eleito alguns meses antes, anunciou o lançamento de um procedimento qualificado como “revolucionário”: o projeto Yasuní-ITT. Este previa que o Equador renunciaria à exploração petroleira no coração do parque natural de Yasuní – onde já havia três perfurações de exploração (Ishpingo, Tambococha e Tiputini, daí a abreviação ITT) – se a “comunidade internacional” aceitasse transferir para o país uma indenização correspondente à metade da receita esperada, estimada em mais de US$ 7 bilhões num período de treze anos. Os fundos assim coletados permitiriam a Quito desenvolver as energias renováveis, preservar e restaurar os ecossistemas protegendo as populações indígenas (das quais algumas vivem em isolamento total), desenvolver pesquisas sobre a valorização da biodiversidade ou ainda criar programas sociais destinados prioritariamente às populações das zonas em questão.
À primeira vista, o projeto Yasuní tem tudo de uma ideia genial. Enquanto as negociações internacionais sobre o clima e a biodiversidade patinam, ele evitaria a emissão de 400 milhões de toneladas de dióxido de carbono correspondente à exploração desses recursos, preservando um dos ecossistemas mais ricos do planeta. Sem romper com a lógica de “valorização” e, então, de mercantilização da natureza, ele se opõe, apesar de tudo, ao produtivismo neoliberal: num país pobre e dependente das atividades petroleiras, ele seria um amortecedor para uma conversão ecológica e social da economia. Mas, atrás da imagem idílica, as dificuldades são muitas.
Deixar o petróleo sob a terra
Eleito em 26 de novembro de 2006, o ex-ministro da Economia Rafael Correa colocou em ação uma política parecida com a do presidente venezuelano Hugo Chávez: nacionalizações, políticas sociais e adoção de uma nova Constituição favorável aos mais pobres. Ele decidiu também reduzir o serviço da dívida, após uma auditoria que denunciou a ilegitimidade de uma grande parte do fardo. O desemprego diminuiu, os salários do setor público aumentaram e o país se emancipou da tutela das organizações internacionais; mas uma tentativa de golpe de Estado, em setembro de 2010, lembrou a extrema fragilidade dessa “revolução cidadã”. As relações de Correa com as populações indígenas, principalmente com a poderosa Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), são tensas. Entre os movimentos ameríndios, alguns criticam as políticas extrativistas do governo, que colocam em risco seu hábitat; outros se preocupam com a tentativa de proibir algumas tradições julgadas pouco compatíveis com a reconstrução do Estado equatoriano (como elementos de justiça costumeira que legitima por vezes o linchamento).
Na geopolítica equatoriana, o petróleo ocupa um lugar essencial. Para o Estado, ele constitui uma fonte indispensável para o financiamento das políticas sociais (em 2008, a renda petroleira representava a metade de seu orçamento geral) e, ao mesmo tempo, um vício que mantém o país sob a dependência de firmas estrangeiras (que controlam mais de 40% da extração) e do mercado norte-americano. Para as populações indígenas, ele é, às vezes, a única fonte de emprego. Mas provoca também desastres ecológicos e sanitários, assim como práticas neocoloniais impostas pela indústria extrativista. O grupo militante Acción Ecológica ataca isso frontalmente e luta há muito tempo por uma proibição de novas perfurações. Em fevereiro de 2011, a condenação por poluição da companhia de petróleo Chevron-Texaco (US$ 8 bilhões!), confirmada um ano depois em segunda instância, representou uma grande vitória.
Desde a formação do governo Correa, a questão da exploração petroleira provoca enfrentamentos nas reuniões do Estado. No intervalo de dez anos, a ideia de uma moratória e de uma sociedade pós-petroleira germinou no movimento intelectual de esquerda, do qual um dos porta-vozes é o economista Alberto Acosta. Tendo se tornado ministro de Minas e Energia em 2007, Acosta finalizou o projeto Yasuní, cujas bases foram colocadas antes da chegada de Correa ao poder. Diante dele, a empresa estatal Petroecuador busca, ao contrário, convencer o governo de que é preciso explorar com a maior urgência o petróleo do parque nacional. Com o aumento do preço do barril no mercado mundial (de US$ 60 no início de 2007 para mais de US$ 100 em 2012), as fontes ITT, com acesso particularmente difícil, oferecem novas perspectivas de rentabilidade.
O presidente teve então de escolher entre um meio rápido, mas destrutivo, para financiar seu programa político ou a satisfação das reivindicações ecologistas e indígenas. Ao fim de debates tensos, ele resolveu de maneira hábil: o Equador deixará o petróleo embaixo da terra em troca de uma compensação financeira. Fazendo isso, ele transferiu a responsabilidade da exploração ou não das fontes para a comunidade internacional. Aprovado durante o verão de 2008, o projeto Yasuní foi apresentado no encontro de Copenhague sobre o clima, em dezembro de 2009. Depois de uma negociação com as Nações Unidas, Correa obteve a criação de um fundo fiduciário diretamente gerado para o Equador. No dia 3 de agosto de 2010, o fundo entrou em operação. O governo fixou o objetivo de reunir US$ 100 milhões antes de 31 de dezembro de 2011 e multiplicou os investimentos nos países ocidentais para defender sua causa.
Um sucesso relativo
Rapidamente, a falta de entusiasmo dos doadores potenciais suscitou algumas inquietações. Apenas alguns países se comprometeram a dar o dinheiro: Espanha, Alemanha, Itália… Vinte meses depois da abertura do fundo fiduciário, o total de transferências efetuadas não estava à altura das esperanças. A Espanha – onde existe uma importante comunidade equatoriana – foi o único país ocidental a contribuir efetivamente, com um montante de US$ 1,4 milhão. Duas coletividades locais francesas (a região Rhône-Alpes e o departamento Meurthe-et-Moselle), assim como alguns países que não figuram entre os maiores poluidores ou os mais ricos (Chile, Colômbia, Geórgia, Turquia) também depositaram no fundo valores entre US$ 50 mil e US$ 200 mil cada um. Outras promessas, como a feita pela Valônia (unidade federativa da Bélgica), não se concretizaram. Depois de diversos anúncios contraditórios, a Alemanha escolheu uma via diferente de “apoio”, privilegiando uma cooperação bilateral que lhe garante investimentos lucrativos.
O engajamento mais consequente? Talvez o italiano… que tomou a forma não de uma doação, mas de uma anulação da dívida externa de US$ 51 milhões. Seguindo o efeito do anúncio, em plena crise da dívida privada na Itália, fica difícil de conhecer o verdadeiro peso da iniciativa Yasuní na decisão de Roma: em 2006, a Noruega não precisou do argumento ecológico para anular US$ 20 milhões de dívidas do Equador. Por falta de coisa melhor, Quito aceitou essas contribuições multiformes e considerou atingido o objetivo de coletar US$ 100 milhões até o fim de 2011. O contador de fundos continua, no entanto, bloqueado em US$ 3 milhões.
Poderíamos crer que as ONGs estariam mais motivadas que os Estados. Não é o caso. Nos sites das grandes associações ambientalistas, os sistemas de busca não respondem à palavra-chave “Yasuní”. Seja o Fundo Mundial para a Natureza (Worldwide Wildlife Fund, WWF), o Greenpeace ou os Amis de la Terre (Amigos da Terra), nenhuma estrutura adotou uma posição oficial sobre o assunto. Oficiosamente, eles se dividem. O Greenpeace aprecia a proposta de não extração do petróleo, mas não apoia, por princípio, nenhum projeto governamental. Os Amigos da Terra são também sensíveis a esse meio de evitar a emissão de gases do efeito estufa e de preservação da biodiversidade, assim como de respeito aos direitos indígenas, mas temem que o Yasuní legitime a “chantagem ecológica”. Para Sylvain Angerand, encarregado da campanha sobre as florestas tropicais, “é preciso um verdadeiro debate sobre o Yasuní. Deixar o petróleo debaixo da terra é uma boa coisa. Mas liquidar a dívida ecológica que os países do Norte contraíram com relação aos países do Sul não implica necessariamente um reembolso financeiro”. Além disso, assim como uma parte dos indígenas, a associação critica as políticas extrativistas do Equador, que continuam intensivas.
Lançada em 2010 por ONGs equatorianas, a petição internacional de apoio ao Yasuní recebeu, na Europa, as assinaturas dos responsáveis da Associação para a Taxação das Transações Financeiras para a Ajuda aos Cidadãos (Attac), da Frente de Esquerda, do Novo Partido Anticapitalista, da Die Linke e de numerosos deputados europeus ecologistas.1 Mas apenas o Partido de Esquerda francês se interessou realmente por um projeto que entra em sua concepção de “planejamento ecológico”. Os dirigentes dos Verdes, que gostariam de apoiar o Yasuní sem parecer apoiar o governo Correa, julgado muito próximo do “populismo à la Chávez” que eles denunciam,2 permanecem simples signatários.
Desde seu lançamento, o projeto enfrenta numerosas dificuldades. A crise financeira de 2008 e o fracasso do encontro de Copenhague em 2009 quase acabaram com as negociações internacionais sobre as mudanças climáticas, já mal das pernas. As Nações Unidas concentram seus esforços na adoção de um dispositivo de luta contra o desflorestamento, batizado de REDD+, que deve fazer amplo apelo ao setor privado e aos mercados do carbono e cujos mecanismos de decisão permaneceriam nas mãos dos grandes Estados. A intrusão do projeto Yasuní nos debates não é do agrado dos países desenvolvidos, e o clima de austeridade orçamentária é um bom pretexto para descartá-lo educadamente. Mas, sem dúvida, os países ricos temem mais que tudo o efeito arrastão que poderia ter a iniciativa equatoriana: aceitar financiar o Yasuní é abrir a porta para certos projetos de natureza semelhante levados por países do Sul que reclamariam o mesmo tratamento.
Integração ao mercado de carbono?
Nesse contexto hostil, o Equador se volta para as empresas, com a esperança de que elas se mostrem mais generosas que os Estados. Além de se anunciar muito incerta, essa solução apresenta riscos reais. Os doadores se beneficiariam em contrapartida de um “marketing de afinidade”, quer dizer, de direitos de utilização da marca Yasuní para a comercialização de produtos.3 Trememos com a ideia de ver os construtores de automóveis ou os grandes produtores de energia portar o logotipo oficial da iniciativa, “Produto Yasuní – Criar um mundo novo”… Mas o governo Correa poderia empregar uma via ainda mais perigosa escolhendo uma opção considerada durante o lançamento do projeto: a integração ao mercado do carbono. Os “certificados de garantia Yasuní” emitidos em troca de contribuições financeiras seriam então convertidos em “créditos de carbono”, que viriam a compensar as emissões de gases de efeito estufa dos países ricos ou das grandes companhias.4 Se essa opção parece por enquanto descartada, nada garante que ela não poderá retornar como última alternativa.
A conversão ecológica de um pequeno país pobre como o Equador não é nem um pouco fácil. As chances de sucesso da iniciativa Yasuní são pequenas, e o objetivo principal de Correa consiste provavelmente em manter o projeto vivo até as próximas eleições nacionais, em 2013. É difícil dar sinais de enfraquecimento enquanto a Conaie, favorável ao Yasuní, organizava em março de 2012 uma grande marcha na capital Quito para “dizer não à exploração mineral em grande escala no país” e desafiar o governo. Mas na ausência de perspectivas de financiamento novas, não enxergamos direito como a diplomacia equatoriana poderá continuar dando mostras de tanto otimismo como hoje.
Paradoxalmente, o projeto Yasuní e seu lote de incertezas tendem a mascarar os outros sucessos, ainda frágeis, mas bem reais, da revolução cidadã dirigida por Correa. Para os movimentos “verdes” ou antiglobalização ocidentais ávidos por símbolos, ele corresponde aos esquemas simples: um povo indígena que seria ecologista por natureza;5 energias fósseis necessariamente ruins que bloqueariam o desenvolvimento de energias renováveis necessariamente boas; objetivos ambientais que seriam suscetíveis, como que por magia, de transcender os obstáculos políticos… Ainda por cima, ele tem ressonância na Europa com as lutas locais, como as que dirigem os movimentos de oposição à extração de gás de xisto. É, então, tentador fazer dele um exemplo simples, ou até simplista. No entanto, é impossível desconectar o projeto Yasuní do processo revolucionário em andamento no Equador, um processo que deve compor com uma realidade social, econômica, com relações de força delicadas: em suma, à imagem da ecologia política, uma ideia simples num jogo complexo.
Aurélien Bernier é autor de Les OGM en guerre contre la societé (Paris, Attac/Mille et Une Nuits, 2005) e co-autor de Transgénial! (Paris, Attac/Mille et Une Nuits, 2006).