A culpa não é dos crentes
Leia o quinto artigo da série do Le Monde Diplomatique Brasil com análises de militantes de movimentos sociais inspiradas nas manifestações pela democracia e contra Bolsonaro realizadas no dia 7 de setembro.
Não são poucas as vezes em que somos instigados a falar mal dos crentes, nossos irmãos de fé.
Querem que a gente diga que são manipulados, alienados. Que tornam pastores milionários.
Claro, ninguém vai negar que existem os pastores mercadores, que fazem da fé negócios espúrios, quase sempre atrelados a projetos políticos de valorização da morte, da desigualdade, da mentira e do engano.
Mas, os crentes – esses que somam cerca de 32% da população brasileira são – em maior parte, gente simples. Pobre. Em maioria mulheres negras. Muitas crianças. Gente que ganha pouco, que luta a batalha cotidiana pela sobrevivência.
É por isso que não falaremos mal. É gente que tem a cara do Brasil, desse país que impõe ao seu povo a convivência limite com a fome e com a morte, que desdenha de quem acorda cedo para fazer a vida dos bem-nascidos funcionar. Gente do campo, que garante a comida na mesa de quem pode comer.
A Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito é um movimento que surgiu em 2016, quando líderes religiosos, os que se associam com projetos de morte, a dita Bancada Evangélica do Congresso Nacional e tantas outras forças obscuras que vivem no submundo de Brasília destituíram uma presidenta sem provas de um crime que ela não cometeu.
A culpa sempre é posta nos crentes. A Frente surgiu reagindo a isso: evangélicos não são um grupo homogêneo, nem tem um pensamento único, muito menos um clero que seja representativo de todo o segmento religioso. Surgimos em defesa da democracia, dos direitos, ou da denúncia desses tempos obscuros que vivemos – em que direito passou a ser luxo, e a defesa da vida passou a ser prerrogativa ideológica.
A Frente de Evangélicos, desde 2016, não teve período de pausa ou de descanso. Em todo tempo tivemos que gritar sobre o que significa ser cristão evangélico. O que significa ser cidadão. O que significa, principalmente, ser brasileiro.
O golpe, iniciado com o impeachment da Dilma, a cada dia é aprofundado. Foi assim com Temer, foi na eleição, está sendo com Bolsonaro. Em todo tempo, mesmo a gente gritando, continuaram afirmando que a culpa era dos evangélicos. Continuaram nos instigando a falar mal dos nossos.
Daí o botijão de gás chega a custar 125 reais em algumas regiões do país. A gasolina aumenta, e tudo aumenta, até o preço do pão francês – afinal, sem combustível, quem carrega o trigo? A luz aumenta, usam uma crise hídrica como desculpa para aumentar o lucro, de forma indecente, das concessionárias. O filé de frango que custava cerca de 12 reais o quilo, há 30 dias, passou a custar 18 reais. Nem frango os pobres podem comer. O desemprego aumenta, e quem fica desempregado? Os menos escolarizados, os periféricos, os favelados, os pobres. Os pretos. Os açougues voltam a vender ossos. Há mulheres internadas com queimaduras pois estavam cozinhando com álcool. Não dá para comprar o gás e as crianças precisam comer, pelo menos um mingau ralo.

E, boa parte desses que sofrem são o quê? Evangélicos.
As pesquisas mostram que são pessoas que não estão fechadas com o projeto de morte. A rejeição ao Bolsonaro derrete dentro desse grupo. Isso mostra a humanidade de nossos irmãos, que soltam de um barco que não os levará a lugar nenhum. Não crentes e crentes querem vacina, querem educação de qualidade para seus filhos, querem trabalho e a dignidade de comprar o próprio alimento, o gás e pagar a conta de luz.
E ir para a igreja cantar, orar, pregar. Para gente pobre a igreja é o espaço de pertencimento. É onde a lógica da vida é invertida. Se lá fora não sou ninguém, aqui dentro sou. É disso que temos falado desde 2016.
O nosso povo a gente salva, os líderes religiosos aliados do golpe, a gente entrega para a justiça de Deus. E não temos nenhuma consideração por eles. Eles precisam pagar o mal que estão fazendo ao país. Eles são piores do que esse governo hediondo. Eles negam o Cristo, nosso libertador.
São 600 mil mortes pelo Coronavírus no país. O segundo maior número de mortes nessa pandemia mundial. Enquanto (quase) todos os países corriam em busca de soluções, estabeleciam políticas de proteção física e econômica, por aqui, brincavam com medicação para vermes e para malária. Dois terços dos que morreram, não precisariam morrer. Não agora. Não sufocados por um vírus. Ainda tinham o quê viver.
São muitos os pais que ficaram sem filhos. São muitos os filhos que ficaram sem os pais, ou sem o carinho dos avós. Tem um texto bíblico que cita Jesus dizendo que quem faz mal a uma criança, é melhor amarrar uma pedra no pescoço e se jogar na profundeza do mar. A justiça não irá falhar. Essa é a certeza que nutrimos e fomentamos como Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito. A justiça irá cobrar seu preço e seremos os que clamaremos por misericórdia junto com o povo que é, verdadeiramente, de Deus.
Nilza Valeria Zacarias é jornalista e fundadora e coordenadora nacional da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito
Confira os demais artigos da série inspirada no Grito dos Excluídos 2021
– Mais 590 mil mortes, consciência ética e lutas contra o bolsonarismo em São Paulo, por Samantha Freitas
– Bolsonaro e o golpe, por Frei Betto
– A moradia é a porta de entrada para todos os outros direitos, por Graça Xavier
– A centralidade da luta pela saúde pública , por Marcela Pontes