A desigualdade em Minas Gerais
Segundo o Censo Agropecuário de 2017, do IBGE, haviam naquele ano 607,5 mil estabelecimentos agropecuários em Minas. Eles ocupam áreas que somam 38,1 milhão de hectares. Cerca de 30% delas pertencem a menos de 1% das unidades rurais
Assim como o Brasil, Minas Gerais convive com a alta lucratividade do setor primário ao mesmo tempo em que boa parte da população é pobre. Tal segmento, composto, em sua maior parte, pela indústria extrativa e agropecuária, é baseado nas terras. E a alta concentração destas explica o porquê dessa desigualdade.
Levantamento feito com base em números do Ministério da Economia mostra o potencial do setor primário no estado. Aproximadamente 49,7% do superávit da balança comercial brasileira apurado entre 1997 a 2020 originou-se apenas de Minas Gerais. O saldo nacional no período foi de 598,3 bilhões de dólares, dos quais US$ 297,7 bilhões foram gerados pelos mineiros.
Apesar dessa abundância, de acordo com o IBGE, 18,6% da população mineira são pobres, levando em conta indicadores do Banco Mundial. Para o organismo internacional está na pobreza quem vive com menos de R$ 436 por mês. O percentual do instituto brasileiro corresponde a 3,9 milhões de mineiros (no Brasil, ele é 24,7%). Ajuda sobremaneira a explicar essa discrepância a alta concentração de terras no estado, reflexo da história nacional.
Segundo o Censo Agropecuário de 2017, do IBGE, haviam naquele ano 607,5 mil estabelecimentos agropecuários em Minas. Eles ocupam áreas que somam 38,1 milhão de hectares. Cerca de 30% delas pertencem a menos de 1% das unidades rurais. No Brasil, 5 milhões de estabelecimentos agropecuários preenchem um espaço de 351,2 milhões de hectares. E 48% disso se encontra em somente 51,2 mil instalações rurais.
O Censo Agropecuário ainda mede a desigualdade fundiária nos estados e Distrito Federal por meio do índice de gini. Quanto mais próximo de 0 mais igualitária é a distribuição de terras. O Maranhão é o estado mais desigual; sua taxa é de 0,888. E não à toa grande parte da população maranhense é pobre.
Na lista dos piores ginis, Minas Gerais está no 18° lugar. Os estados do Norte e Nordeste, os mais pobres do Brasil, estão no topo da listagem. Entre 1985 e 2017, o gini fundiário dos mineiros aumentou 0,026 ponto. Estava em 0,770 e subiu para 0,796. No Acre foi onde a taxa mais cresceu nesse período, 0,131.
A concentração fundiária impede o desenvolvimento econômico da coletividade. Ciente disso, a Constituição Federal prega que as propriedades imobiliárias devem cumprir uma função social, preceito nunca respeitado totalmente.
Exemplo dessa desobediência ocorre em Minas, palco de um dos maiores conflitos por terra no país atualmente. Trata-se do acampamento Campo Grande, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, o MST, localizado em Campo do Meio, no sul do estado.
Em 1996 a usina Ariadnópolis, pertencente à Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (Capia), encerrou suas atividades. Os donos da fábrica não pagaram os trabalhadores e abandonaram suas terras.
De modo a serem ressarcidos, os ex-funcionários revitalizaram o espaço deixado ao léu e passaram a ocupá-lo no final da década de 1990. Desde então, a ocupação cumpre a função social do lugar; ele é o lar e fonte de renda para muitos. Há plantação de cereais, frutas e hortaliças. A principal produção é a do café orgânico Guaií, internacionalmente reconhecido. Hoje em dia estão no terreno de 3,1 mil hectares 450 famílias. Entretanto, seis delas foram alvos de recente expulsão.
O proprietário da área é Jovane de Souza Moreira. Ele entrou na justiça pedindo a reintegração de toda a terra; em outra ação, Jovane solicita determinadas partes dela. Em agosto de 2020 foi acatado seu segundo pedido. O primeiro continua em tramitação no Judiciário mineiro.
O motivo de Jovane querer a terra, outrora largada, é em razão de um acordo que ele tem com a Jodil Agropecuária e Participações Ltda. Um dos sócios dessa empresa é João Faria da Silva, conhecido nacionalmente como grande produtor de café. Segundo o MST, a intenção dessa aliança é tornar o acampamento uma cultura de grãos à exportação.
“Estou reconstruindo minha casa do zero. Com o pouco dinheiro que tenho, alguns cômodos vão ter que ser cobertos por lona”, conta Helen dos Santos. Ela, os dois filhos e o companheiro estão entre os despejados. A casa deles veio abaixo graças à operação de despejo da Polícia Militar em agosto de 2020. O amparo do MST e de terceiros possibilitou à moça e aos demais expulsos um valor suficiente para, ao menos, iniciarem a construção de uma nova moradia em outro ponto da ocupação.
“Eles (a polícia) chegaram um pouco depois do almoço. Foi surpresa. Não fomos avisados de nada. Bem na hora a gente estava brincando com as crianças de ciranda”, relembra Helen. Vê-se em imagens divulgadas na internet que um enorme aparato policial foi mobilizado pelas autoridades mineiras em prol do despejo, o qual, mediante pressão dos acampados, levou 60 horas para ser concluído.
A questão do acampamento Campo Grande decorre da pressão dos latifundiários pela permanência da preponderância na economia do setor primário, responsável pela alta concentração de terras.
Esse segmento acarreta benefícios para poucos. Por quê? Em razão de a base dessa instância econômica, a terra, ser concentrada, a remuneração das atividades feitas sobre elas também se concentra. Aprofunda essa situação o fato de o setor primário empregar pouca mão de obra e pagar baixos salários. Logo, o faturamento proveniente das terras é abocanhado quase que integralmente pelos detentores delas.
Números de 2017 mostram que a força de trabalho mineira era de 11 milhões de trabalhadores; destas, 320 mil trabalhavam na agropecuária e na indústria extrativa. Isso não representa sequer 3% da força de trabalho estadual. E essa porcentagem tende a cair. “Os setores primários estão dependendo cada vez menos de mão de obra por causa do emprego de tecnologia”, explica Débora Freire, professora do departamento de economia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). De acordo com ela, os funcionários do setor primário, de modo geral, ganham pouco. “Na indústria, essa discrepância entre as remunerações [dos detentores de capital e trabalhadores] é menor justamente porque há mais funcionários e eles são melhores pagos devido à qualificação”, diz a economista. Ela arremata: “Então, como os setores primários são grandes na economia do estado e do país, toda vez que a economia cresce o que há, na verdade, é concentração de renda”.
Marcelo Gomes é jornalista.