A Eleição do Ano: no dia 1º de outubro, o Brasil escolhe integrantes para os Conselhos Tutelares
Eleger candidaturas comprometidas com o ECA é garantir que as crianças sejam sujeitos de direitos e não objeto da disputa política entre os adultos
Embora a agenda de costumes tenha saído de cena com a derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022, a extrema direita segue se organizando fora dos holofotes para disputar as pautas relacionadas aos direitos das crianças. Obcecados por uma noção genérica e vazia de família, agentes ultraconservadores espalham o pânico moral de forma subterrânea, em uma abordagem que em nada guarda semelhança com o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.
A ex-ministra Damares Alves acabou sendo uma expoente notória desse movimento, que vem se organizando para ocupar os Conselhos Tutelares. Não é de hoje que grupos de orientação fundamentalista ligados a igrejas evangélicas se aproveitam da pouca visibilidade do processo de escolha de conselheiros e conselheiras, conquistando uma presença expressiva em diversas cidades. Obviamente, o problema não é a orientação religiosa em si, mas a associação perversa e, muitas vezes, criminosa entre a religiosidade neopentecostal e a política no Brasil.
Por que os Conselhos Tutelares?
Criados pelo ECA em 1990, os Conselhos Tutelares representam a sociedade na proteção dos direitos de crianças e adolescentes. O Estatuto consolida a legislação de defesa da infância de forma bastante avançada, organizando a política de proteção em três pilares: Estado, família e comunidade. Na esteira da redemocratização, o ECA incorporou a participação popular ao processo de escolha dos integrantes dos Conselhos, em uma convocação para o envolvimento comunitário. Por isso, temos eleições para esses órgãos a cada quatro anos em todos os municípios do país.
Na prática, conselheiros e conselheiras tutelares atuam para prevenir violações de direitos e tomar as providências necessárias caso sejam identificadas situações de risco, omissão ou violência. O Conselho faz o acompanhamento permanente de crianças em situação de vulnerabilidade e garante o acesso a serviços públicos como educação, saúde e serviço social, além do sistema de Justiça. São agentes públicos que prestam um serviço fundamental para que crianças e adolescentes possam viver com dignidade.
Ainda assim, esse costuma ser um tema negligenciado – justamente pelo papel decisivo na vida das populações mais vulneráveis, que não alcançam plenamente os direitos. Via de regra, os Conselhos atendem crianças pobres, negras e periféricas, cujas demandas acabam sendo invisíveis para a classe média. Sem a atenção devida, espaços que deveriam assegurar a proteção da infância acabam se tornando instâncias de reprodução da violência.
Não faltam exemplos em que a doutrina religiosa radical é colocada acima do ECA. Nos últimos anos, acompanhamos com apreensão episódios em que conselheiros e conselheiras atuaram para acobertar violência sexual ou para que crianças fossem forçadas a levar adiante gestações resultantes de estupros. Também têm se multiplicado relatos de racismo religioso, em que crianças de famílias praticantes de religiões de matriz africana são expostas, ridicularizadas e mesmo apartadas do convívio familiar. Direitos da população LGBT+, como o nome social de pessoas trans e a constituição de famílias homoparentais, também são invariavelmente desrespeitados quando o fundamentalismo religioso assume as rédeas.
Nessa disputa, os Conselhos passam a representar ainda uma espécie de prévia da distribuição territorial do poder para as eleições municipais, servindo de trampolim para candidaturas oportunistas. Conselheiros ultraconservadores se escondem por detrás do discurso familista para construir suas bases nas comunidades e nos territórios, não raro em redes de relações que envolvem constrangimento, fraudes e compra de votos.
A Eleição do Ano
A eleição para os Conselhos Tutelares acontece em todo o Brasil no próximo domingo, dia 1º de outubro. É a Eleição do Ano, como reafirma a campanha lançada por organizações e movimentos que atuam há anos na defesa da infância. No site www.aeleicaodoano.org, é possível identificar candidaturas que defendem os princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente nas diversas cidades brasileiras.
Para ter seu perfil divulgado na plataforma, as candidaturas precisam assumir 12 compromissos relacionados aos direitos da infância e da adolescência. A lista engloba questões como a efetivação dos direitos de populações indígenas, a prioridade à manutenção dos vínculos familiares e a garantia de escuta especializada para crianças e adolescentes em situação de violência, além do comprometimento com a liberdade religiosa, os direitos sexuais e reprodutivos e os direitos LGBT+.
Se você tem mais de 16 anos, tem nacionalidade brasileira e está com o título de eleitor em dia, não deixe de votar. Eleger candidaturas comprometidas com o ECA é a única forma de garantir que as crianças sejam sujeitos de direitos – e não objeto da disputa política entre os adultos.
Vejo como a eleição mais importante para cada brasileiro. Cada conselheiro será responsável por preservar a infância, futuros cidadãos a participarem do comando do planeta.