A “exportação” de avôs e avós
Graças à chegada maciça de imigrantes em 2012, a população alemã aumentou pela primeira vez em oito anos. Mas ela envelhece rapidamente. Sem sistemas coletivos adaptados, as famílias vêm recorrendo a soluções no exteriorHeike Haarhoff
Em Berlim, a sra. T. mora em uma grande casa, construída outrora pelo marido para eles e para os filhos que acabaram por não ter. Hoje viúva e com 87 anos, ela vive sozinha. Só tem uma sobrinha, a 700 quilômetros dali, e um parente distante do outro lado do oceano. A sra. T. está rouca, porque as oportunidades para conversar se mostram raras; ansiosa, porque as pernas não lhe querem obedecer; perturbada, porque com cada vez mais frequência, ao sair de casa, ela não sabe se deve virar à direita ou à esquerda para ir ao médico. “Demência senil evolutiva”, observou este no prontuário dela.
A sra. T. é direta: ela se recusa a todo custo a ir morar numa casa de repouso − como dois terços dos alemães, se formos dar crédito às pesquisas. É preciso dizer que as reportagens também não encorajam muito. Há casos em que colocaram sondas gástricas porque não havia ninguém para dar a comida, fraldas que deixavam de ser trocadas por horas, por esquecimento. Atualmente, há um déficit de 30 mil enfermeiros na Alemanha, de acordo com estimativas da Federação dos Prestadores de Serviços Sociais Privados (BPA); e esse número pode subir para 220 mil até 2020. Falta de pessoal qualificado, más condições de trabalho. E é na área de atendimentos ambulantes em casa que a escassez é mais gritante. Mas a sobrecarga de trabalho e o estresse também são evidentes nas casas de repouso, mesmo em estabelecimentos de qualidade.
É verdade que o seguro-dependência obrigatório foi introduzido em 1995 pelo ex-ministro de Assuntos Sociais Norbert Blüm (União Cristã Democrata, CDU), sob a coalizão preto-amarelo1 de Helmut Kohl. Mas essa cobertura, financiada em partes iguais por empregadores e empregados, nunca teve vocação para garantir todos os riscos, em virtude de hipóteses tacitamente admitidas: ou os alemães não viveriam até ficar tão velhos e, portanto, não se tornariam dependentes, ou as famílias assumiriam essa responsabilidade. O governo de Angela Merkel continua a bancar a privatização da previdência. Mas os arranjos familiares têm seus limites: os filhos, ao se tornarem adultos, raramente moram no mesmo lugar que os pais; e as esposas, filhas e noras, que, há até pouco, se ocupavam dos inválidos em casa, com menor custo, não estão mais tão disponíveis.
Dependendo do tipo de casa de repouso e do equipamento, os pensionistas devem desembolsar entre mil e 3 mil euros por mês, e pagar do próprio bolso o alojamento e a alimentação, além dos serviços do seguro-dependência. Quando eles não têm os meios – 400 mil idosos estariam nessa situação na Alemanha, de acordo com um cálculo feito no início de 2013 pelo Serviço de Estatística, 5% a mais que em 2009 –, o Estado intervém. Mas ele examina a situação em detalhe. No caso da sra. T., por exemplo, ele estimou que sua propriedade deveria primeiro ser vendida para cofinanciar seu lugar em uma casa de repouso, o que não seria necessariamente suficiente nem apreciado pelos herdeiros.
É por isso que os membros da família buscam febrilmente uma solução menos dispendiosa que poderia convir tanto à velha senhora quanto a eles: por exemplo, a contratação de uma enfermeira em domicílio vinda da Europa oriental, utilizando também os trabalhos especializados (Sachleistungen) de um serviço de cuidados ambulantes pago por hora pelo seguro-dependência (até o máximo de 700 euros por mês), além de fornecer algum apoio familiar.
Muitos alemães preferem esse modelo. Mas para a sra. T. está fora de questão: ela tem necessidade de um acompanhamento 24 horas, que não pode bancar financeiramente sem o apoio dos parentes. É por isso que sua sobrinha pensa em segredo em uma opção que os tabloides recentemente fustigaram como uma “deslocalização de avós e avôs”, indigna de uma sociedade rica em valores cristãos como a Alemanha: tratar da sra. T. no exterior. A República Tcheca oferece esses serviços, bem como a Tailândia. A sobrinha considera esse segundo país ainda mais bem adaptado no que se refere ao clima, posto que a sra. T. costuma sentir frio. “É verdade, também seria uma casa para idosos, mas com mais pessoal, de fato, com mais calor humano e atenção, com mulheres que dormiriam durante a noite em uma esteira ao lado da minha tia e despertariam de manhã com ela, que cuidariam dela com afeto e a ouviriam”, disse a sobrinha.
Na internet, vemos o anúncio do assistente social suíço Martin Woodtli, que fez de sua própria situação um modelo. Ele levou a mãe com mal de Alzheimer para a Tailândia, onde ele estava trabalhando na época. Então, promoveu com grande alarde publicitário seu programa de tratamentos exóticos realizados sob a supervisão de uma equipe que falava alemão: “Estou convencido de que cada vez mais temos de buscar novas formas de cuidado, de modo que possamos estar à altura não só das necessidades das pessoas com demência senil, mas também das de seus parentes”. Woodtli e sua equipe tailandesa oferecem um “acompanhamento 24 horas das pessoas com demência, com enfermeiro particular”. Assim, os alemães com demência poderiam passar a velhice em um “ambiente agradável e acolhedor”.
Ofertas similares existem na Europa oriental, ou estão sendo criadas. Segundo os pesquisadores, 7.146 alemães viveriam em casas de repouso na Hungria, 3 mil na República Tcheca e seiscentos na Eslováquia. Não se sabe quantas pessoas há na Grécia, Espanha, Ucrânia, Tailândia e Filipinas, que parecem ser os principais destinos de exportação de pessoas idosas.2 Até o momento, são apenas nichos. “Para mim”, afirma a sobrinha da sra. T., é uma opção. “Vou esperar que, graças às tradições da sociedade tailandesa, minha tia possa simplesmente envelhecer com dignidade.”
É claro que os políticos, de todos os partidos, denunciam essa expulsão cínica e sem coração das pessoas idosas dependentes. De acordo com a convenção da ONU relativa aos direitos das pessoas com deficiência, lembra Christoph Fuchs, geriatra na Clínica Municipal de Munique, “a demência é uma forma de existência. Não precisamos de medicação adicional, mas de mais presença humana”. Envelhecer com dignidade, mas sem colocar nisso muitos recursos: é o dilema que a coalizão de Merkel, no poder há quase quatro anos, é incapaz de resolver.
Segundo o especialista em questões sociais Jürgen Gohde, que dirigiu o Conselho da Dependência a partir de 2007, sob a grande coalizão formada pela CDU e pelos sociais-democratas (SPD), “precisamos de um novo contrato social”. Autonomia das pessoas idosas, participação, respeito e dignidade: não se trata de ideias insensatas formuladas por um velho perturbado, mas de direitos sociais.
Em 2013, explica Gohde, a falta de suporte para os 1,5 milhão de pessoas que cuidam de seus entes queridos em casa é agravada por um déficit de moradias (cerca de 2,5 milhões) adaptadas para as pessoas idosas. Sem falar de um ambiente favorável no qual as pessoas com demência possam viver o maior tempo possível de maneira autônoma, com mercearias na região, médicos ou cabeleireiros próximos. Se nada mudar, a sra. T. em breve deixará sua pequena rua ao norte de Berlim para terminar a vida em uma terra distante.
Heike Haarhoff é jornalista do Tageszeitung, de Berlim.