A grande lástima da esquerda israelense
Os trabalhistas israelenses apreciavam o presidente Bush e seus ideólogos neoconservadores tanto quanto os protestantes do Alabama. É por isso que seu naufrágio nas eleições de 2009 não é político, mas sim moral e intelectual. Por falta de novas ideias, o partido perdeu sua razão de ser
O verdadeiro drama da esquerda trabalhista israelense é a sua impotência. Essa é, sem dúvida, a razão de ter perdido as eleições de fevereiro de 2009, numa situação semelhante àquela que levou à derrota histórica de 1977, quando a direita tomou o poder no país. A impotência está ligada, antes de tudo, às estruturas ideológicas de um movimento incapaz de oferecer uma perspectiva de futuro para se livrar de uma dupla estagnação – a do neocolonialismo e a do neoliberalismo.
Essa longa descida ao inferno teve seu ponto mais baixo após o triunfo histórico dos acordos de Oslo, de 1993. Confrontada com essa tarefa gigantesca, a esquerda manifestou não somente seu conformismo e conservadorismo, mas também sua fraqueza intelectual e moral.
O movimento nacionalista judeu rapidamente fixou como objetivo abrir a Palestina a uma imigração ilimitada, para colonizá-la e, finalmente, fazer sua independência. “A empresa sionista é uma empresa de conquista. E que fique bem claro que, para mim, a definição dessa empresa não é retórica em termos militares”, afirmou, em 1929, o ideólogo Berl Katznelson.
Para legitimar essa conquista, o movimento evocava os direitos históricos dos judeus com relação ao país dos seus ancestrais. Desde o fim do século XIX, todas as correntes do sionismo afirmavam que os judeus da Europa se encontravam à beira de uma catástrofe. A Segunda Guerra Mundial iria lhes dar razão. A vitória de 1948, com a fundação do Estado de Israel e a posterior guerra pela ampliação de seus territórios são, assim, resultado de pelo menos meio século de preparativos obstinados.
Interpretação sobre as fronteiras
Em junho de 1967, a chegada surpreendente da esquerda ao poder trazia uma nova questão: como interpretar a expansão das fronteiras de Israel e o que fazer? Era preciso encontrar um motivo para prosseguir com a obra inacabada em 1949, ou, ao contrário, anunciar frente ao mundo árabe que o sionismo tinha atingido seus objetivos e que a conquista da terra e sua colonização, necessidade existencial até à criação do Estado, tinham chegado ao limite? A resposta padrão: agora os judeus dispunham de um teto e podiam tornar-se um povo como os outros.
Para expressar esse princípio verdadeiramente revolucionário e reconhecer a linha definida, após a Guerra dos Seis Dias, como a demarcação final do território israelense foi necessário alimentar a esquerda com valores universais, e não somente com o particularismo cultural e político do nacionalismo. E esse princípio universal, salvo algumas raríssimas exceções, a elite política trabalhista não estava preparada para impor.
Após esse período, o debate que atravessou os governos trabalhistas entre 1967 e 1977, e depois nos anos 1990, não teve por objetivo rever a velha doutrina de conquista da terra. O futuro do país não deveria ser fundado sobre o direito histórico dos judeus à terra de Israel, mas sobre o direito natural de todos os povos serem os mestres do seu destino. A única discussão em curso era sobre a melhor maneira de explorar a situação nascida da fraqueza árabe.
Confisco de terras
Foi assim que, sob o trabalhismo dos anos 1960 e 1970, a colonização começou com os métodos até hoje atuais: o confisco de terras sob qualquer pretexto e a transformação das desigualdades entre judeus e árabes em norma. Apesar dos acordos de Oslo, mediados pelo presidente americano Bill Clinton, nada de essencial mudou quando os trabalhistas voltaram ao poder de 1992 a 1996, e de 1999 a 2001. Ao contrário: eles fizeram tudo para não confrontar diretamente a cólera dos colonos e de toda a direita, que se voltou contra a “traição” de reconhecer o direito dos árabes a uma parte da Palestina, a Cisjordânia.
Moralmente e intelectualmente incapazes de frear a colonização, os trabalhistas já tinham começado uma mudança radical com os acordos de Oslo. Seu signatário israelense, o primeiro-ministro Itzhak Rabin, vencedor da guerra de junho 1967 e assassinado em 1995 por um nacionalista religioso, permaneceu o único líder político a ter ultrapassado as ideias de seu tempo. Mas foram necessários 20 anos e a guerra de 1982, no Líbano, para ele compreender que a guerra israelo-palestina só teria fim se os dois povos aceitassem reconhecer mutuamente seus direitos nacionais.
Essa tomada de consciência, Rabin pagou com a própria vida. Mal pensados e mal executados, os acordos de Oslo poderiam, talvez, ser salvos com a sua presença: ele era muito inteligente e pragmático para aceitar recorrer indefinidamente ao argumento do direito de propriedade milenar, gravado no primeiro grande livro do gênero humano.
“Obama, vire-se para a Bíblia”, clama mais uma vez Yoel Markus, veterano do jornalismo israelense, próximo da direita. Confrontados com uma política americana menos indulgente face ao desastre da colonização, o atual ministro da Defesa, Ehud Barak e seus assessores ainda não encontraram motivos para se opor aos israelenses sediados na Cisjordânia. Eles recuam rapidamente frente às ameaças de guerra civil que ecoam cada vez que se ousa falar de mudança. A única atitude a tomar agora é seguir os ditames da política internacional, ou seja, as pressões americanas.
Primazia dos imperativos nacionais
Os trabalhistas israelenses apreciavam o presidente George W. Bush e seus ideólogos neoconservadores tanto quanto os protestantes do Alabama. É por isso que o naufrágio trabalhista em 2009 não é político, mas sim moral e intelectual. E os eleitores da esquerda sentiram de perto que, por falta de novas ideias, o partido perdeu sua razão de ser. Pois, se tudo que o trabalhismo podia oferecer continuava sendo o emprego da força e o apelo à história, não era necessário investir em uma pálida cópia, quando se podia oferecer o original, na pessoa de Benjamin Netanyahu.
Na realidade, o partido trabalhista, como o velho Mapaï1 fundado em 1930, nunca foi um partido socialista comparável a seus “irmãos” europeus. A primazia dos imperativos nacionais fez do partido trabalhista, no momento da sua fundação, uma organização bastante particular, distante não somente dos partidos de Léon Blum, Rudolf Hilferding e dos austro-marxistas como Otto Bauer, mas também do partido trabalhista britânico que, em 1931, começa sua virada para o socialismo.
Nos últimos anos, os dirigentes trabalhistas israelens
es passaram, com uma surpreendente facilidade, para o neoliberalismo, sem, claro, aceitar seus princípios teóricos, mas aprovando sua prática – com exceção de alguns poucos que consideram a justiça social como um componente fundamental da liberdade. Na realidade, toda a esquerda participa da colheita dos frutos podres da primazia absoluta dos valores nacionais, desde sempre gravados em sua cultura política: todos os israelenses aprenderam, há três gerações, que a identidade nacional e cultural prima sempre sobre os interesses materiais.
A sociedade israelense não é a primeira a experimentar esse fenômeno, que tem uma importância incontestável na história contemporânea: os diversos grupos sociais votam contra seus interesses econômicos e de classe em nome de valores nacionais, culturais ou religiosos. Neste caso, trata-se de uma norma editada pelos fundadores, sem importar a sua posição social: sua história, sua religião e seu objetivo político superior são o Estado-nação judeu.
Uma vez os interesses de classe rejeitados em nome da unidade nacional, o mais fácil é convencer aqueles que se encontram abaixo na escala social de que toda a melhoria no nível de vida passa, necessariamente, pela liberdade dos mercados, pela privatização e desregulamentação, sem esquecer a redução do imposto de renda. Os israelenses estão convencidos que o trabalho constitui uma mercadoria como qualquer outra e que a “flexibilidade” é o segredo do sucesso.
Frente a essas ideias clássicas de neoliberalismo, o trabalhismo mostra sua impotência. Incapaz de uma crítica global do capitalismo de mercado, ele se dirige a um eleitorado velho e desmoralizado, que continua a votar nele, mais por hábito que por convicção. Com o passar do tempo, essa “clientela” foi reduzida a quase nada: em fevereiro de 2009, ela diminuiu a 10% dos votos, representados por 13 deputados. Os jovens fugiram do partido. Os palestinos, depois os chineses e tailandeses substituíram, há muito tempo, os trabalhadores manuais outrora enquadrados pelo sindicato (Histadrout) e o Mapaï. Nas universidades, a militância trabalhista é insignificante.
Shimon Peres, derrotado nas primárias de 2005 pelo sindicalista Amir Peretz, desertou para se unir ao Kadima. Vários eleitores trabalhistas concluíram que, se depois de meio século no partido, um antigo primeiro-ministro podia, da noite para o dia, passar para o campo adversário, essa organização não tinha, decididamente, nem ideias nem objetivos estratégicos pelos quais valesse a pena votar, tampouco combater. Sob essas condições, em março de 2006, 15% dos votos pertenciam ainda ao partido trabalhista, e os 19 assentos assim obtidos permitiram a Peretz se tornar ministro da Defesa no governo de Ehud Olmert, desertor centrista do Likud e sucessor de Ariel Sharon, vítima de uma hemorragia cerebral.
Porta-voz dos pequenos e médios assalariados, habitante da pequena cidade de Sderot, em frente a Gaza e proveniente de uma periferia em que o trabalhismo nunca pôde penetrar, Peretz encarnava a esperança de uma recomeço social-democrata. Podiam reconhecer nele os imigrantes vindos da África do Norte, no início dos anos 1950 e seus descendentes, há muito tempo fascinados pelas grandes figuras da direita nacionalista, de Menahem Begin a Ariel Sharon.
Mas, algumas semanas mais tarde, a segunda guerra do Líbano o colocou para fora do governo. A queda trabalhista ainda maior em 2009 pode comportar um elemento positivo para o futuro: a derrota de um partido dirigido por um militar que fez fortuna no dia seguinte de uma “vitória” em Gaza, da qual muitos israelenses se sentem envergonhados; e o sucesso de um Kadima conduzido pela senhora Tzipi Livni – e não o seu obstinado concorrente, o antigo general Shaul Mofaz.
Resta outro problema que também corrói os partidos sociais-democratas europeus: a falta de um líder de envergadura. A ausência, ao mesmo tempo, de ideias e de homens de Estado não dá esperanças exatamente de um futuro promissor. Os israelenses não são os únicos envolvidos. Mas, para eles, o tempo apressa, como em nenhum outro lugar.
*Zeev Sternhell é historiador.