A história do capitalismo contada pelo ketchup
A força de um sistema econômico agarra-se à sua capacidade de participar dos menores detalhes da existência e, em particular, de nossos pratos. Uma banal lata de extrato de tomate contém, assim, dois séculos de história do capitalismo. Jean-Baptiste Malet apresenta aqui uma pesquisa feita nos quatro continentes: uma geopolítica da junk food
No coração do Vale de Sacramento, na Califórnia, no salão de um restaurante decorado com ursos e cobras empalhadas, um homem morde seu hambúrguer diante de um frasco de ketchup. Chris Rufer, proprietário da Morning Star Company, é o rei mundial da indústria do tomate. Com apenas três fábricas, as maiores do mundo, sua empresa produz 12% de todo o extrato de tomate consumido no planeta.
“Eu sou um tipo de anarquista”, explica Rufer entre uma mordida e outra. “É por isso que não há mais gestores na minha empresa. Adotamos a autogestão” – uma “autogestão” na qual a informática substituiu os chefes, mas os trabalhadores não controlam o capital da empresa. Financiador do Partido Libertário,1 Rufer concede aos funcionários a missão de distribuir as tarefas que ainda são executadas por seres humanos. Nas indústrias da cidade de Williams, a Morning Star transforma, a cada hora, 1.350 toneladas de tomates frescos em extrato. Lavagem, esmagamento e evaporação sob pressão são totalmente automatizados. Constantemente atravessado por um enxame de caminhões com carrocerias duplas carregadas de frutos vermelhos, o estabelecimento é o mais competitivo do mundo. Ele opera em três turnos e emprega apenas setenta trabalhadores em cada um deles. A maioria dos operários e gestores foi eliminada, substituída por máquinas e computadores. Dessa sequência de “processamento primário” saem grandes caixas contendo diferentes tipos de extrato.
Colocado em recipientes, esse extrato circula por todos os oceanos do globo. Podemos encontrá-lo, ao lado dos barris de extrato chinês, nas megaempresas de conserva napolitanas que produzem a maior parte das caixinhas de extrato vendidas pelos supermercados europeus. As indústrias de “processamento secundário” dos países escandinavos, da Europa Oriental, das Ilhas Britânicas ou da Provença também usam extrato importado como ingrediente de sua comida industrializada – ratatouille, pizza congelada, lasanha… Em outros lugares, o produto escuro e viscoso, misturado à sêmola ou ao arroz, entra em receitas populares e pratos tradicionais, do mafé à paella, passando pela chorba. O extrato de tomate é o produto industrial mais acessível da era capitalista: está na mesa dos restaurantes da moda em San Francisco e nas barracas das aldeias mais pobres da África, onde às vezes é vendido às colheradas, como no norte de Gana (ler na próxima página), pelo equivalente a alguns centavos de euro.
Toda a humanidade come tomate industrial. Em 2016, 38 milhões de toneladas desse fruto,2 cerca de um quarto da produção total, foram transformados ou colocados em conserva. No ano anterior, cada habitante do planeta tinha ingerido, em média, 5,2 quilos de tomate processado.3 Ingrediente central tanto da junk food4 quanto da dieta mediterrânea, o tomate transcende clivagens culturais e alimentares. Ele não está sujeito a nenhuma interdição. As “civilizações do trigo, do arroz e do milho”, descritas pelo historiador Fernand Braudel, hoje deram lugar a uma única e mesma civilização do tomate.
Ao pressionar o frasco Heinz para cobrir suas batatas com mais um pouco de ketchup, produzindo o ruído característico que bilhões de ouvidos aprenderam a reconhecer desde a infância, Rufer certamente não está pensando na composição do molho nem em sua história turbulenta. Se, apesar da cor vermelha, o “ketchup de tomate” não tem gosto de tomate, é porque o teor do vegetal no molho varia entre 30% e… 6%, dependendo do fabricante, para 25% de açúcar, em média. Nos Estados Unidos, usa-se xarope de milho (transgênico, majoritariamente). Colocada na berlinda da epidemia de obesidade que atinge o país, onipresente na alimentação industrial dos norte-americanos, essa “glucose-frutose” é mais barata que açúcar de cana ou de beterraba. Turbinados com amido modificado, espessantes e gelificantes, como a goma xantana (E415) e a goma guar (E412), os piores ketchups representam o ápice de um século de “progresso” agroalimentar.
Símbolo do futurismo
Nas fábricas de Rufer, como em todas as instalações de processamento do globo, o grosso da tecnologia vem da Itália. Nascida no século XIX na Emilia-Romagna, a indústria do tomate se expandiu pelo mundo. Por meio da emigração, no final do século XIX, milhões de italianos difundiram o uso culinário do tomate processado e estimularam as exportações de conservas tricolores para a Argentina, o Brasil e os Estados Unidos. Na Itália, durante o período fascista, a lata de metal simbolizava a “revolução cultural” inspirada pelo futurismo, exaltador da civilização urbana, das máquinas e da guerra. O tomate enlatado, alimento do “homem novo”, conjugava engenho científico, produção industrial e conservação do que havia sido cultivado na terra natal. Em 1940, foi realizada em Parma a primeira “Exposição autárquica de latas e embalagens de conserva”, evento que encheu de orgulho os hierarcas do regime. A capa do catálogo mostrava uma lata de conserva com as letras “AUTARCHIA”. A autarquia verde, via econômica seguida pelo fascismo, racionalizou e desenvolveu a indústria vermelha. “Hoje, dois alimentos globalizados da comida rápida, a massa e a pizza, contêm tomate. Isso é, em parte, herança dessa indústria estruturada, desenvolvida, incentivada e financiada pelo regime fascista”, destaca o historiador da gastronomia Alberto Capatti.
Surgidos no século XIX nos Estados Unidos, a lata de sopa Campbell e o frasco vermelho octogonal da Heinz – do qual se vendem anualmente 650 milhões de unidades em todo o mundo – competem com a garrafa de Coca-Cola como símbolo do capitalismo. Fato pouco conhecido, essas duas mercadorias precederam o automóvel na história da produção em massa. Antes que Ford colocasse carros na linha de montagem, as fábricas da Heinz em Pittsburgh, na Pensilvânia, já produziam conservas de feijão e molho de tomate em linhas de produção nas quais algumas tarefas, como o fechamento das latas, eram automatizadas. Fotografias de 1904 mostram operários com uniforme da Heinz trabalhando em linhas de produção: os frascos de ketchup deslocam-se em um trilho. Um ano depois, Heinz vendeu 1 milhão de frascos de ketchup. Em 1910, produziu 40 milhões de latas de conserva e 20 milhões de frascos de vidro. A empresa era a mais importante transnacional norte-americana.5
Na esteira da onda liberal da década de 1980 e graças à invenção das embalagens assépticas (tratadas para evitar o crescimento de micro-organismos), que abriram caminho para o fluxo intercontinental de produtos alimentares, gigantes agroalimentares, como a Heinz e a Unilever, foram gradualmente terceirizando as atividades de processamento de tomate. As multinacionais do ketchup, da sopa e da pizza passaram a se abastecer diretamente junto aos “processadores primários”, capazes de fornecer extrato industrial muito barato e em grande quantidade. Na Califórnia, na China e na Itália, alguns mastodontes processam sozinhos metade do tomate industrializado do planeta. “Embora a Holanda seja o maior exportador de molho de tomate e ketchup da Europa, sobretudo por causa da instalação de uma indústria gigantesca da Heinz, ela não processa tomate”, esclarece o comerciante uruguaio Juan José Amézaga. “Todo o extrato utilizado nos molhos exportados pela Holanda e pela Alemanha é produzido com importações de várias partes do mundo. Os fornecedores podem estar na Califórnia, na Europa ou na China. Isso varia, dependendo da época do ano, da taxa de câmbio, dos estoques e das colheitas.”
Maior produtor mundial de extrato de tomate, a Califórnia tem apenas doze indústrias de processamento. Todas são titânicas. Elas abastecem sozinhas quase todo o mercado interno norte-americano, além de exportar para a Europa um extrato às vezes mais barato que o italiano ou o espanhol. Ao contrário do “tomate de mesa”, destinado ao mercado de produtos frescos, as variedades arbustivas de “tomate industrial” não precisam de cuidados. Como o sol fornece energia abundante e gratuita, elas crescem exclusivamente em campo aberto, ao contrário das culturas de estufa que alimentam as feiras ao longo do ano. Na Califórnia, as colheitas às vezes se iniciam na primavera e terminam, como na Provença, no outono.
“Melhorados” desde os anos 1960 por geneticistas, os tomates da agroindústria são projetados desde o início para facilitar o processamento futuro. A ciência que orienta a organização do trabalho também interfere a montante, no coração do produto. A introdução de um gene, por exemplo, ajudou a acelerar a colheita manual e tornou possível a colheita mecânica. Todos os frutos do mercado mundial saem do talo com um simples chacoalhão. Embora hoje os tomates industriais do mercado mundial sejam principalmente variedades “híbridas”, o purê de tomate entrou para a história como o primeiro alimento transgênico vendido na Europa.6
Com sua pele grossa que estala no dente, o tomate industrial suporta os solavancos das viagens de caminhão e a manipulação brutal das máquinas. Mesmo no fundo da carroceria de um caminhão cheio de tomates, ele não estoura. As grandes empresas de sementes cuidaram para que ele contenha a menor quantidade de água possível, ao contrário das variedades de supermercado, aquosas e, por isso, inadequadas para a produção de extrato. A indústria vermelha se resume, no fundo, a um ciclo hídrico perpétuo e absurdo: de um lado, campos fortemente irrigados em áreas onde a água é escassa, como a Califórnia; de outro, transporte dos frutos vermelhos até fábricas para evaporar a água neles contida a fim de produzir uma pasta rica em matéria seca.
*Jean-Baptiste Malet, jornalista, é autor de L’Empire de l’or rouge. Enquête mondiale sur la tomate d’industrie [O Império do Ouro Vermelho. Pesquisa mundial sobre o tomate industrial], Fayard, Paris, 2017.