A homossexualidade nas escolas elementares
Recentemente, a Inglaterra adotou no ensino primário uma postura de aceitação do homossexualismo, apresentada por meio de histórias infantis com o objetivo de evitar futuras discriminações. O assunto, que exige uma reflexão mais profunda, é sinal de um novo momento históricoRuy César do Espírito Santo
Noticiou-se recentemente que a Inglaterra adotou nas escolas primárias uma postura de aceitação da homossexualidade, apresentada por meio de histórias infantis, no sentido de evitar futuras discriminações.
O assunto exige uma reflexão mais profunda que simplesmente concordar ou discordar da medida. A humanidade sempre conviveu com a homossexualidade, bastando para tanto lembrar da Grécia Clássica onde era notório o relacionamento de parceiros masculinos. Assim, não se trata de um assunto novo no que diz respeito à sua ocorrência através dos tempos.
O desafio maior é a questão da sexualidade em si mesma. Lembremo-nos que somente no início do século passado, com Freud, tivemos o diagnóstico das repressões sofridas pelo ser humano no campo sexual, o que deu origem aos tratamentos psicanalíticos. Freud acentuava que a infelicidade do ser humano tinha origem nessas repressões, que permaneciam no inconsciente. Na sequência, o principal discípulo de Freud, Carl G. Jung, trata a temática de forma mais profunda, com o que foi denominado por ele de processo de individuação, que seria a integração do ego com o “self”.
Estas colocações iniciais são importantes porque, efetivamente, o que mais atingiu a humanidade em termos de sexualidade foram as repressões, sendo certo que a discriminação do homossexual é ainda consequência de tal postura.
E qual a origem de tais repressões? Sem dúvida, elas têm raízes numa interpretação de cunho religioso que situa a sexualidade como sendo o “foco” de todo o mal e a origem do assim chamado “pecado”.
Dimensão pecaminosa
Claro que tal interpretação não atingiu todas as culturas religiosas, como por exemplo a vigente na Índia, onde a sexualidade tem claramente uma dimensão sagrada. Porém no Ocidente, de forma acentuada, prevaleceu a afirmativa de que o sexo somente não é “pecado” no casamento… Em outras palavras, a sexualidade humana existe para a geração de filhos. Ora, se assim prevalece a relação homem-mulher numa cultura religiosa, o que dizer da relação homossexual? Impossível imaginar geração de filhos, salvo com a adoção.
Assim, o homossexualismo foi ganhando uma dimensão pecaminosa com a consequente discriminação. Nesse sentido é urgente trazer para a sala de aula, desde a escola primária, histórias infantis e mitos que não só abram espaço para as relações homossexuais, mas mais que isso, eliminem toda a “sujeira” e maldade atribuída à sexualidade. Veja-se que o encontro do ego com o “self”, referido por Jung –, em nenhum momento “exclui” a sexualidade… O sexo é parte integrante do ser humano, como o é o cérebro, os olhos ou o coração. A integração de um ser humano não pode excluir qualquer um de seus aspectos formativos.
O grande drama é a “ignorância” de si mesmo. Ignorância que não se confunde com analfabetismo, mas aquilo que Sócrates denominava de “conhece-te a ti mesmo”, como princípio de toda a sabedoria.
O ser humano que culturalmente sofre repressões de várias ordens, especialmente de ordem sexual, como já mencionado, permanece em níveis de ignorância de si mesmo que o conduzem a uma profunda infelicidade e falta de sentido existencial.
Do ponto de vista religioso – apenas para uma pequena referência, dada a complexidade de uma discussão nesse nível – temos tanto no Budismo, como no Cristianismo ou no Islamismo, o Amor como temática básica.
No cristianismo, que nos é mais próximo, temos a afirmativa bíblica que “Deus é Amor”, por sinal o título de uma encíclica do papa atual. Ainda na mesma Bíblia temos a afirmativa que o ser humano foi criado à Imagem e Semelhança do Criador. Ora, nesse sentido, nossa essência, metaforicamente falando, do ponto de vista cristão é o Amor.
Conexões humanas
Estou situando tal questão porque a sexualidade, como o olhar, por exemplo, deve ser uma oportunidade de vivência de tal Amor. Não importa se por razões genéticas ou emocionais tal sexualidade caminha para uma “homossexualidade”. O fundamental é que a criança cresça percebendo que todo seu corpo físico apresenta formas de acolhimento do Outro, portanto, formas de expandir sua essência: o Amor.
Curiosamente, naquilo que foi chamado de Encontro da Ciência com a Fé, temos o que a física quântica chamou de “vazio” presente no interior de um átomo, onde se torna um mistério a existência de matéria sólida em qualquer nível. O que existe, segundo Fritjof Capra, dentre outros, são “possibilidades de conexões” no “coração da matéria”. Veja-se o paralelo com as conexões humanas, ou seja, o Amor…
Trouxe essa reflexão porque estamos vivendo um momento da história da humanidade em que, após o adolescente humano perceber que podia destruir o planeta com a bomba atômica, em 1945, houve o “início” de uma nova fase chamada de “consciencialização” por Teilhard de Chardin e “conscientização” pelo nosso Paulo Freire.
Sim, estamos num momento de tomada de consciência de “si mesmo” – o autoconhecimento – e de nosso “mundo vida” como dizia Freire. A questão da homossexualidade não pode ser “excluída” da visão de totalidade advinda do avanço da ciência e da própria religiosidade, tal como apontado por Teilhard. Aliás, Teilhard diz em sua obra O fenômeno humano que “após percorrer longamente o caminho da análise, o ser humano chega à luminosa síntese”. Como diria Jung, estamos num momento de encontro dos chamados “opostos”: bem e mal, certo e errado, masculino e feminino, e assim por diante.
Esse “encontro dos opostos”, anunciado por Jung, nos conduzirá a uma superação do universo fragmentado em que tantas vezes ainda vivemos. Sim, são “exclusões” de ordem racial, sexual, econômica, religiosa, ideológica e assim vai. Tanto é verdade, que um movimento da maior relevância hoje presente na Educação é o da “inclusão”. O importante em tal movimento é que não se tratará simplesmente de “incluir” o “diferente”, mas sim cada aluno, que será sempre “singular” e precisará ser incluído… Insisto nessa questão porque um dos problemas do homossexual é, exatamente, sua “exclusão” de um grupo ou de uma classe.
A iniciativa anunciada na Inglaterra é um dos sinais desse novo momento da história, assim como da importância que adquirem as organizações não-governamentais e outras iniciativas visando conexões amplas no universo conhecido, como, por exemplo, a consciência ecológica, ou seja, a conexão com o meio ambiente.
Ruy César do Espírito Santo é professor de filosofia da educação na PUC-SP.