A hora é agora!
Certamente não será o governo Bolsonaro que vai nos tirar dessa situação. Ele só agrava a crise. E, se nossas representações coletivas não se mexerem agora, estaremos nos condenando e à nova geração ao pior cenário possível. A geração Covid-19 será mais uma vítima da política de morte e destruição desse governo insano.
Aqueles que enfrentaram a ditadura, e a derrotaram em 1985, nos asseguraram o novo período democrático, que chegou a 2015. Suas mobilizações e lutas nos garantiram trinta anos com liberdade de pensamento, de expressão, uma nova Constituição, novos partidos, um novo pacto social, eleições. Uma democracia imperfeita, que não enfrentou a desigualdade, o racismo, o patriarcado, a devastação ambiental, mas permitiu, nos governos municipais, estaduais e federal, a alternância de poder e a eleição de representantes dos trabalhadores.
São as entidades, os movimentos sociais, as associações, os sindicatos, as organizações de igrejas, os atores coletivos que pressionam as instituições democráticas e as transformam. Em certos momentos da história, apesar de sua diversidade de agendas, elas assumem bandeiras comuns, como foi a das Diretas Já, em 1983 e 1984.
Catorze anos de governos do PT e uma maré econômica internacional favorável permitiram a melhoria de todos os indicadores sociais e a projeção internacional do país como uma potência emergente.
Embora implantando um reformismo fraco e buscando uma convivência com as elites financeiras e o agronegócio, favorecendo seus interesses, o governo foi combatido, não houve acordo. Muitos grandes empresários e as elites financeiras não aceitaram a reeleição de Dilma, que abria espaço para um novo ciclo do PT.
Acompanhando um movimento internacional de apropriação do espaço da política pelas grandes empresas e a imposição de políticas de austeridade que suprimem ou reduzem direitos sociais em favor de um processo mais intenso de acumulação, com o argumento de que as políticas sociais não cabem no orçamento da União, esses setores empresariais, liderados pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a Confederação Nacional da Industria (CNI) e Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), bancaram o golpe de 2016 e bancam ainda o governo Bolsonaro.
As reformas previdenciária e trabalhista, as privatizações e a imposição do teto de gastos sociais trazem essa marca. Trata-se de destruir o nascente Estado de bem-estar social definido pela Constituição de 1988 e as entidades, movimentos sociais, associações e sindicatos que defendam seus direitos.
Sob a bandeira “tudo menos o PT”, setores conservadores se uniram e, com a acusação de uma pedalada financeira (!), derrubaram o governo democrático, respaldando o período Temer e a eleição manipulada nas redes sociais de Bolsonaro.
Muitas das igrejas evangélicas neopentecostais viram nesse momento a oportunidade de fazer bons negócios, reforçar seu poder político e de comunicação e sua pregação de valores conservadores e aumentar seu rebanho. E aderiram ao golpe.
O golpe também contou com o apoio de expressiva parcela das classes médias, mobilizadas por uma intensa campanha midiática contra a corrupção e o PT. Sentiram-se incomodadas em seus privilégios com a melhoria da condição dos mais pobres.
Hoje, parte desses setores conservadores que apoiaram o capitão está assustada com a incapacidade deste último de enfrentar a pandemia e com a incompetência do ministro da Economia de responder a uma crise profunda, sem precedentes, que está jogando milhões de brasileiros na miséria e promovendo uma quebradeira geral nas médias e pequenas empresas.
A Covid-19 se espalha, se dissemina no país, colhendo cada vez mais mortos pela inexistência de uma política federal para enfrentar a pandemia. Há especialistas que dizem que vamos conviver por anos com essa crise sanitária, com aberturas e fechamentos, calmarias e repiques, até que surja a vacina, até que venha a nova pandemia… A devastação da natureza nos expõe aos novos vírus.
Há uma combinação perversa de crise sanitária com uma profunda crise econômica e com uma crise política, que vai se tornando o centro de todo esse processo.
Se a economia não for reorientada sob uma nova óptica – com políticas de dinamização da economia local e do mercado interno, políticas de emprego e de trabalho, investimentos pesados em educação, saúde e em políticas sociais universais, um plano nacional de oferta pública e gratuita de banda larga, além de renda básica, principalmente para atravessar os próximos anos –, a grande maioria dos brasileiros continuará a sofrer o empobrecimento e a falta de perspectivas que vivemos agora.
Se o governo Bolsonaro continuar, a pandemia não for controlada e a economia não se orientar para a defesa do cidadão e das pequenas e médias empresas, teremos o desastre.
Este ano as projeções falam de uma queda de cerca de 10% do PIB, mas pode ser mais. Para muitos milhões de brasileiros e brasileiras, vai faltar emprego, trabalho, comida na mesa, dinheiro para o aluguel. O governo ignora a crise e mantém sua estratégia de austeridade; alega que não tem dinheiro para atender a essas necessidades, mas não mexe uma palha para cobrar impostos dos mais ricos. Coisas simples, que não requerem mudanças profundas, como tributar juros e dividendos, retirar isenções fiscais, combater efetivamente a sonegação fiscal.
Certamente não será o governo Bolsonaro que vai nos tirar dessa situação. Ele só agrava a crise. E, se nossas representações coletivas não se mexerem agora, estaremos nos condenando e à nova geração ao pior cenário possível. A geração Covid-19 será mais uma vítima da política de morte e destruição desse governo insano.
Há algumas semanas, as iniciativas de resistência democrática estão se multiplicando. As torcidas organizadas de futebol, eternas rivais, se uniram e foram para as ruas pedir democracia. Várias articulações e redes de entidades pedem o impeachment do presidente e agora se articulam na recém-lançada campanha #BrasilpelaDemocracia #BrasilpelaVida.
Promovida por entidades nacionais como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Comissão Arns, a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), centrais sindicais e uma infinidade de outras organizações, essa campanha tem o potencial de promover o encontro dos diferentes, a soma dos democratas, a expressão da cidadania em todas as suas formas.
Mobilize as associações, igrejas, entidades das quais você participa e integre essa campanha de lutas por direitos e pela democracia. A hora é agora! Campanha #BrasilpelaDemocracia #BrasilpelaVida.
Silvio Caccia Bava é editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil.