A Igreja Católica do Congo contra Joseph Kabila
Desde 31 de dezembro de 2017, as manifestações de militantes católicos se multiplicam na República Democrática do Congo. Elas reclamam eleições diretas antes do fim de 2018. O poder responde violentamente: diversas dezenas de mortos (difícil de calcular com precisão), prisões arbitrárias às dezenas e locais de culto profanados
Ainda que seu mandato tenha oficialmente terminado em 31 de dezembro de 2016, Joseph Kabila continua presidindo a República Democrática do Congo. Ele já adiou duas vezes as eleições, a despeito do Acordo de São Silvestre, feito em 2016 entre o governo e a oposição, que previa um calendário eleitoral. Em 4 de outubro de 2016, o chefe de Estado justificou um primeiro adiamento pelo fato de que 10 milhões de novos eleitores, ditos “novos maiores”, não tinham sido inscritos nas listas. Em 7 de julho de 2017, o presidente da Comissão Nacional Eleitoral Independente (Ceni), Corneille Nangaa, homem fiel a Kabila, anunciou um novo adiamento, argumentando que as condições de segurança em diversas províncias, principalmente o Kasaï, não tinham sido reunidas. A oposição denunciou a manipulação, lembrando que a explosão de violência nessa região foi encadeada pela morte do chefe familiar Jean-Prince Mpandi, morto pelas forças da ordem em 12 de agosto de 2016.
Por iniciativa do Comitê Laico de Coordenação (CLC), a mobilização pela organização de eleições se desenvolve na capital, Kinshasa, mas também no interior, principalmente em Kisangani. Em 21 de janeiro de 2018, os manifestantes balançavam bandeirolas nas quais se podia ler: “Nós, fiéis cristãos, pedimos a aplicação completa e integral do Acordo de São Silvestre, de 31 de dezembro de 2016”, antes de serem dispersados pela polícia, que feriu diversos fiéis da paróquia do Espírito Santo. No mesmo dia, uma manifestação prevista em Lubumbashi foi cancelada em razão da considerável presença de militares armados, que as autoridades justificaram pela necessidade de prevenir um suposto complô “terrorista”.
Depois da mobilização das associações e dos cidadãos organizada por redes sociais ao longo de 2016 e 2017,1 a organização dos católicos se tornou o último recurso dos congolenses contra a obstinação do presidente em se manter no poder. A Igreja, que já tinha feio o papel de mediadora entre a maioria e a oposição para conseguir o Acordo de São Silvestre, se sentiu enganada pela atitude de Kabila. Ela tomou a frente de uma oposição minada pelas divisões e decapitada pela morte, em fevereiro de 2017, de sua figura principal, Étienne Tshisekedi.
Mudanças na oposição
O papel da Igreja Católica, cujos fiéis representam ao menos metade da população do país, se explica por sua capacidade de encarnar, por meio de suas paróquias, obras, comunidades de base e movimento laico, uma das últimas instituições nas quais a população tem confiança. A fidelidade ao poder do antigo presidente da Igreja do Cristo no Congo, de obediência protestante, ainda preenche esse papel: o monsenhor Pierre Marini Bodho aceitou um cargo no Senado ao lado da situação, antes de ser descreditado por uma parte de seu rebanho. Diversos protestantes, kimbanguistes2 e membros da nebulosa das “Igrejas do despertar” participam das marchas lançadas pelos católicos.
A Conferência Episcopal Nacional do Congo (Cenco) e sua comissão Justiça e Paz denunciam a pilhagem de recursos naturais, os contratos de mineração leoninos, a poluição. O bispo Fulgence Muteba, de Kilwa Kasenga, em Katanga, denunciou o tráfico de madeira vermelha envolvendo membros da família presidencial. Ele fundamenta seu combate na encíclica Laudato si’ (“Seja louvado”),3 na qual o papa Francisco afirma: “Fazer mal à Terra é o mesmo que pecar contra si mesmo”. A logística colocada em ação pela Cenco no exame da eleição de 2011 revelou a fraude maciça que permitiu a reeleição de Kabila, no poder desde 2001. Ela dava testemunho de uma independência que nem sempre foi tão clara na história do país.
O catolicismo fez sua entrada no Congo em 1548, com os jesuítas portugueses. Em seguida a Igreja constituiu um dos pilares da trindade colonial, com a administração belga e as companhias concessionárias – empresas privadas que tinham isenção de impostos e detinham concessões de mineração. Na independência, ela teve um papel mais conservador, pouco favorável a Patrice Lumumba, que tinha cometido o “pecado” de pedir socorro a Moscou durante a secessão katanguesa. Em 1985, a decisão de João Paulo II de beatificar Marie-Clémentine Anuarite Nengapeta, religiosa morta como “mártir” em 1964 nas mãos dos rebeldes lumumbistas simbas, deu testemunho do clima de guerra fria que ainda reinava na época em uma parte da hierarquia católica no Congo.
Depois, progressivamente, a Igreja se voltou para a oposição à ideologia da “autenticidade”, inventada nos menores detalhes pelo marechal Joseph-Désiré Mobutu, presidente de 1965 a 1997. O desejado retorno às raízes pré-coloniais conduziu para a exclusão dos nomes cristãos no registro civil no início dos anos 1970. A ruptura entre o Estado e os católicos foi, então, rápida. No entanto, a Igreja do que então chamado Zaire nem sempre foi uma discípula dócil de Roma: ela reivindicou sua identidade africana no seio da Igreja universal, elaborando o ritual zairense da missa dançada, reconhecido por Roma em 1986, e difundindo sua mensagem graças aos vigários leigos bakambi.
A fratura aumentou ao longo da ditadura de Mobutu. Estimulada pelas comunidades de base, sensíveis à teologia da libertação, a própria hierarquia acabou dando continuidade às aspirações por mais liberdade e justiça social. Um exemplo disso é Chemins de libération [Caminhos de libertação], o livro do arcebispo de Kananga, Martin Bakole, publicado em 1978, muito crítico a respeito do regime mobutista, do papel da Igreja durante o período colonial e do modelo econômico do país.4 Outra figura importante dessa corrente é o abade José Mpundu, fundador do grupo Amos, que prega a não violência como resposta às violações dos direitos humanos e a democracia. Mas essa evolução conheceu nuances: originário da região do Equador e católico (contrariamente a Kabila, que é protestante), Mobutu foi apoiado durante um tempo pelos prelados de sua região.5
De forma definitiva, foram os bispos católicos que deram o golpe fatal a seu regime, graças ao seu memorando de 9 de março de 1990. Esse documento, cuja publicação foi considerada um crime de traição, proclamava que “o partido não é a nação” e exigia “que todas as disposições legais fossem tomadas a fim de evitar que uma minoria ou um grupo de cidadãos pudessem confiscar o poder e impô-lo ao povo em seu próprio benefício”. Um mês despois, Mobutu anunciou a chegada do multipartidarismo. O cardeal de Kinshasa, Laurent Monsengwo, presidiu a Conferência Nacional Soberana (1990-1992), que devia reunir as forças vivas do país e organizar a democratização. A tentativa de encerramento autoritária dessa instância provocou a marcha dos cristãos de 16 de fevereiro de 1992, que foi calada com sangue. Diante da indignação, as autoridades foram obrigadas a aceitar a reabertura da conferência. Cinco anos depois, a repressão feroz, que provocou entre dezessete (segundo as autoridades) e 49 (segundo os Médicos sem Fronteiras) mortos entre os militantes católicos, contribuiu para criar um clima propício para a derrubada do regime.
Desde a época do mobutismo decadente, a Igreja Católica não apenas emite uma voz crítica, denunciando “as autoridades prejudiciais”, mas também é a única instituição presente em todo o território nacional que assumiu as tarefas abandonadas pelo Estado nas áreas de educação e saúde, e até mesmo de poupança, em um país onde o sistema bancário está falido.
É na continuidade direta desse papel que a Cenco resolve a crise provocada pela recusa de Kabila em deixar o poder ao final do seu mandato em 19 de dezembro de 2016, conquistando o Acordo de São Silvestre. A repressão às manifestações católicas anuncia o fim próximo de Kabila? A indignação suscitada pela profanação dos locais de culto e pela prisão de crianças do coro da igreja despertou no mundo a solidariedade da “multinacional” do Vaticano e de seus satélites. No imaginário dos cristãos do Congo e de outros países, o chefe de Estado endossa o papel de Herodes, carrasco dos inocentes, e do faraó, impedindo o povo eleito de partir para a terra prometida da democracia. Caricatas, quando essas analogias são percebidas como uma realidade por milhões de pessoas, elas se tornam atuantes e “fazem” política.
Uma cruzada se desenvolve na RDC. Para os militantes, obter a saída de Kabila não representa apenas um dever cívico, mas uma exigência religiosa. Em seu discurso de 2 de janeiro, Monsengwo (hoje com 78 anos de idade) se fez pregador: “É hora da verdade ganhar da mentira sistêmica, dos medíocres partirem e de reinar a paz e a justiça na RDC”. Ele também fustiga aqueles “que zombam da liberdade religiosa do povo, liberdade religiosa que é o fundamento de todas as liberdades”, assim como a “barbárie” dos “pretensos homens valentes de uniforme”.
Resistência e perseverança
Em uma carta aos bispos datada de 5 de janeiro de 2018, o núncio apostólico, o argentino Luis Mariano Montemayor, próximo do papa, ressaltou “a popularidade da marcha de 31 de dezembro” e predisse: “É bem provável que outras iniciativas sejam organizadas nos próximos meses”. Ele convida os prelados a responder às eventuais adesões a novas marchas.
Na continuidade, o CLC chama “à resistência e à perseverança”. A arquidiocese de Bukavu começou, no dia 8 de janeiro de 2018, uma cadeia de orações pelas eleições diretas e transparentes. Todas as quintas-feiras, às 21 horas, em todo o país, os padres tocam os sinos para exigir o respeito ao Acordo de São Silvestre. A base do protesto não para de aumentar. Na marcha de 31 de dezembro de 2017, os cristãos foram acompanhados por manifestantes de outras religiões e confissões. Em seguida, personalidades de primeiro plano oriundas desses meios se engajaram publicamente, como Simon Kimbangu Kiangani, neto do profeta fundador da Igreja Kimbanguista, que chamou seus correligionários a desfilar com ramos em 21 de janeiro de 2018. E o chefe da comunidade muçulmana, Cheikh Ali Mwinyi M’Kuu, pediu às autoridades que respeitem seus engajamentos e a Constituição.
Carro-chefe do catolicismo no continente, a Igreja congolesa não é, no entanto, a única da África a exercer um papel político importante. Em Ruanda, o peso espiritual e temporal da Igreja Católica era considerável antes do genocídio dos tútsis de 1994, o qual ela não impediu em razão do conluio da hierarquia com o poder dos presidentes Grégoire Kayibanda e Juvénal Habyarimana, defensores da ideologia de supremacia hutu. Deram testemunho disso o pertencimento, até 1990, do arcebispo de Kigali, Vincent Nsengiyumva, ao comitê central do partido único e a participação de alguns padres nos massacres. No Burundi, as expulsões de missionários e a perseguição de comunidades eclesiásticas de base Imana Sahwanya, críticas da discriminação exercida contra a maioria hutu pelo regime dominante tútsi, criaram um contexto favorável à aceitação do golpe de Estado do major Pierre Buyoya, em 1987.
Na escala africana, a Igreja Católica contribuiu para o surgimento de conferências nacionais que anunciaram o fim dos partidos únicos. A primeira delas, presidida por Isidore de Souza, aconteceu em Benin, em 1990. Desde então, esse papel continua na RDC e no Burundi, onde, em setembro de 2017, a conferência episcopal chamou o governo a renovar o diálogo com a oposição exilada. Em Burkina Faso, o cardeal Philippe Ouédraogo se posicionou em 2014 em defesa do respeito à Constituição, proibindo Blaise Compaoré, no poder há trinta anos, de se candidatar a um novo mandato. No Senegal, o cardeal Théodore-Adrien Sarr se engajou no combate pela paz em Casamance, enquanto na Nigéria, em 2016, o cardeal Anthony Olubunmi Okogie ecoou a “fome de pão e de governo” do povo. Quarenta anos antes, o frei dominicano Albert Nolan esteve na origem, ao lado de pastores protestantes, do documento Kairos, poderoso instrumento teológico na luta contra o apartheid publicado em 1985. Ele proclamava, como fazem hoje os católicos congoleses, o papel profético da mensagem evangélica contra os abusos de César.
*François Misser é jornalista.