A insurreição está a caminho na República Democrática do Congo?
Após meses de manifestações duramente reprimidas, um primeiro-ministro pertencente à oposição, Samy Badibanga, foi empossado no dia 17 de novembro. Mas a transição política na República Democrática do Congo permanece incerta, uma vez que o presidente Joseph Kabila poderá disputar o terceiro mandato nas eleições de 2018Sabine Cessou
Opresidente permanece no cargo”: a faixa a favor do presidente Joseph Kabila tremula em frente à sede do partido no poder, o Partido do Povo para a Reconstrução e a Democracia (PPRD). Para os apoiadores do chefe de Estado congolês, essa é a resposta para outra frase, incansavelmente repetida pelas multidões de manifestantes: “Kabila, vá embora!”. A mensagem do PPRD é clara: o presidente, empossado em 2001, não tem intenção de sair. No entanto, a Constituição da República Democrática do Congo (RDC), que limita a dois o número de mandatos sucessivos, obriga-o a deixar o cargo no dia 19 de dezembro.
O PPRD invoca a impossibilidade material de organizar o escrutínio e cita o artigo 70 da lei fundamental: “No final do mandato, o presidente da República permanece no cargo até a instalação efetiva do novo presidente eleito”. Em maio, um parecer do Tribunal Constitucional deu-lhe razão. Mas a oposição questiona a boa-fé do governo. Há meses, ele tenta manter Kabila no poder por todos os meios disponíveis. Sem conseguir derrubar o limite constitucional ao número máximo de mandatos, ele tentou, em janeiro de 2015, alterar a lei eleitoral introduzindo uma cláusula que exige a realização de um censo populacional antes da inscrição de novos eleitores (cerca de 8 milhões). Em um país com 80 milhões de habitantes, com um tamanho quatro vezes maior que o da França,1 isso poderia, na prática, levar anos. Assim, a manobra produziria um adiamento indeterminado da eleição presidencial – uma espécie de mandato “aberto” para Kabila. Foi então que o navio começou a fazer água: embora ocupe três quartos dos assentos na Assembleia Nacional, o PPRD foi forçado a voltar atrás após três dias de tumultos na capital, Kinshasa, entre 19 e 21 de janeiro de 2015.
Acolhida triunfal de líder da oposição
No início de 2016, com a aproximação do fim oficial do mandato presidencial, nada foi preparado para que a eleição ocorresse no prazo, ou seja, o mais tardar em novembro. O arquivo eleitoral não foi revisto; a Comissão Eleitoral Nacional Independente (Ceni) recebeu apenas 17% dos fundos previstos. O país vive sob tensão. Milhares de pessoas foram mobilizadas em diversas cidades, no dia 19 de setembro, data em que deveria ocorrer a votação. Embora a manifestação tenha sido autorizada na capital, a polícia disparou contra a multidão, matando pelo menos 32 indivíduos. À noite, policiais incendiaram as sedes de vários partidos de oposição. No dia seguinte, os manifestantes voltaram às ruas para vingar os mortos da noite anterior e mostrar sua determinação. “Era preciso ouvi-los gritar ‘Boma biso!’ (‘Mate-nos!’, em lingala)”, diz o escritor In Koli Jean Bofane, que considera o povo “lúcido e consciente de sua força”.
Naquele dia, Jean-Marie, pintor e químico quarentão que prefere manter o anonimato, enxugava a testa no bulevar Triunfal. Na grande artéria da capital por onde caminha uma densa multidão, ele não esconde sua exaltação: “Pagamos US$ 725 por ano para custear a educação. Dos meus quatro filhos, apenas dois podem estudar. Um país que não coloca seus jovens na escola não tem futuro!”. O simpatizante da União para a Democracia e o Progresso Social (UDPS), principal partido da oposição, se diz determinado a participar da manifestação no dia 19 de dezembro, à meia-noite, para forçar o presidente Kabila a sair do poder.
De cabelo repartido de lado, óculos Ray-Ban, terno escuro e camisa branca, um rapaz que cultiva uma semelhança surpreendente com Patrice Lumumba – o Pai da Independência assassinado em 1961 – também acredita no que vê como um encontro com a história: “Estou disposto a deixar de lado o medo da morte para lutar no dia 20 de dezembro, porque não temos nenhuma perspectiva de futuro. Isso não é vida!”, exclama. “Tudo o que conseguimos é comer arroz com um pouco de óleo de palma. Muitos congoleses dirão que preferem morrer jovens e viver de verdade a vagar pela terra como zumbis!”
No quinto andar de um prédio no centro da cidade, jornalistas e militantes acotovelam-se diante da porta do deputado da oposição Delly Sesanga. Líder do partido Voluntários para o Desenvolvimento da República Democrática do Congo (Envol, do original em francês) e membro de uma ampla frente contra a permanência de Kabila no poder, ele recebe os visitantes a conta-gotas e se mostra confiante. “A oposição não tem de dar ordens”, diz. “Pelo contrário, devemos acalmar os ardores para evitar uma explosão total. As pessoas estão tão revoltadas que o país se tornou um barril de pólvora. Kabila tem de sair!” Ele lembra que quando voltou a Kinshasa, no dia 26 de julho, após dois anos de exílio, seu adversário histórico Étienne Tshisekedi, de 83 anos, foi aclamado por uma maré humana de pelo menos 1 milhão de pessoas. Levou seis horas para que o líder da UDPS conseguisse percorrer os 10 quilômetros que separam o aeroporto de sua casa.
A poucas quadras da sede do partido no poder, em um bairro abastado de Gombe, o mediador nomeado em abril pela União Africana desdobra-se para resolver o quebra-cabeça congolês. Edem Kodjo, ex-primeiro-ministro do Togo e ex-secretário-geral da organização pan-africana, instalou-se no Pullman-Grand Hotel, um cinco estrelas às margens do rio, onde circula parte da classe política. Ele penou para abrir, em 1º de setembro, um “diálogo nacional” sobre as eleições. Lançado pelo poder, o processo é boicotado pelos pesos-pesados da oposição, que o veem como uma manobra. Eles continuam exigindo a saída imediata de Kabila, apesar do acordo celebrado em 17 de outubro pelo governo e alguns representantes – minoritários – dos opositores, que prevê um calendário de transição: eleição presidencial adiada para abril de 2018 e nomeação de um primeiro-ministro da oposição.
Como explicar o obstinado silêncio do presidente diante de manifestações com mortos e feridos? Ex-chefe do Estado-Maior, Kabila chegou muito jovem – com apenas 30 anos – à frente do Estado tido como o mais ingovernável da África. Isso foi em 2001, após o assassinato, em circunstâncias turbulentas, de seu pai, Laurent-Désiré Kabila, ex-guerrilheiro que se tornou presidente e foi derrubado em 1997 pelo marechal Joseph Mobutu. Ao mesmo tempo odiado e temido, o taciturno marechal pôs fim à “Segunda Guerra do Congo” – deflagrada após o genocídio dos tútsis em Ruanda, em 1994, e o distanciamento de Laurent-Désiré Kabila em relação a seus padrinhos de Ruanda. Entre 1998 e 2002, nove nações africanas envolveram-se em um conflito que fez centenas de milhares, até milhões, de mortos.2 Para restaurar a paz, Joseph Kabila aceitou dividir o poder com os vários senhores da guerra, ao termo de um acordo ferozmente negociado em 2002, sob a égide da África do Sul.3
Quatro anos depois, em 2006, ele foi eleito com 58% dos votos – um resultado contestado.4 Em 2007, mandou o Exército atacar a residência de seu rival, Jean-Pierre Bemba, cuja milícia não queria converter-se em exército regular. Reeleito em 2011 com 49% dos votos, após uma eleição marcada por fraudes, ele passou a fazer ouvidos moucos ao que chama de “injunções” estrangeiras (ler boxe virando a página). O Conselho de Segurança das Nações Unidas, os Estados Unidos, a França, a Bélgica e a União Europeia pedem que ele passe o cargo, como manda a Constituição. Mas, para muitos observadores congoleses, a “comunidade internacional” pratica uma diplomacia de geometria variável. “Do ponto de vista de Joseph Kabila, essas pressões revelam uma profunda injustiça, já que a maioria de seus vizinhos se eterniza no poder com relativa impunidade”, destaca uma fonte diplomática africana.5
O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, tem repetidamente alertado a RDC. Para os Estados Unidos, trata-se de preservar interesses estratégicos e não contrariar os jovens africanos, ao mesmo tempo numerosos (327 milhões de habitantes entre 15 e 24 anos, o equivalente a 32% da população total) e impacientes. Em agosto de 2014, paralelamente à primeira cúpula Estados Unidos-África em Washington, o chefe da diplomacia norte-americana recebeu Kabila e outros três presidentes africanos pessoalmente para discutir a necessidade de respeitar a limitação do número de mandatos. Três meses depois, Blaise Compaoré, de Burkina Faso, foi deposto pelas ruas, após 27 anos de presidência. Em compensação, Pierre Nkurunziza, no Burundi, foi reeleito em julho de 2015 para um terceiro mandato, sem alterar a Constituição, por meio da repressão maciça. Já Denis Sassou-Nguesso, do Congo (também chamado Congo-Brazzaville), organizou em outubro de 2015 um referendo constitucional, seguido por sua reeleição no mês de março seguinte, obtendo oficialmente 60% dos votos. Contestada pela oposição, a eleição foi seguida de uma onda repressiva.
“Convencido de que será assassinado”
Em Kinshasa, as agitações costumam ser acompanhadas por saques a lojas chinesas, já que a China é vista como apoiadora do regime. O país é o maior parceiro comercial da RDC, mas recusa publicamente qualquer ingerência nos assuntos internos dos países “amigos”.
Evento sem precedente na capital, a grande manifestação popular de janeiro de 2015 contra Kabila não foi chamada pela oposição. A palavra de ordem viralizou entre os jovens pelo Facebook. Daí a decisão das autoridades de restringir rapidamente o acesso à internet, como se fez no Gabão durante a disputada eleição presidencial contestada de agosto de 2016. Em seguida, aliados de peso do presidente Kabila juntaram-se aos dissidentes. Entre eles, Moïse Katumbi, de 51 anos, filho de um empresário judeu grego e uma congolesa. Ele faz parte dos empresários africanos convertidos à política, como Marc Ravalomanana, ex-presidente de Madagascar, e Patrice Talon, magnata do algodão eleito presidente do Benin em 2015. Katumbi fez fortuna no setor de transporte e logística. Ele é popular por causa de seu clube de futebol, o Tout Puissant Mazembe. Após financiar a campanha de Kabila em 2006, foi nomeado governador da província mineira de Katanga, uma das mais ricas do país. Em outubro de 2015, diante das manipulações da maioria, renunciou ao cargo e foi para a oposição, explicando que a Constituição é um “negócio” no qual ele “investe”. Famoso por sua gestão rigorosa das finanças de Katanga, Katumbi também se distingue por sua política social, com a construção de escolas e hospitais. Agora ele tenta reunir toda a oposição em torno de sua candidatura, graças a uma aliança com Tshisekedi. Conscientes do perigo, as autoridades fazem de tudo para impedi-lo de participar das manifestações públicas na capital, como a que se seguiu ao funeral do cantor Papa Wemba, em março de 2016, ou a gigantesca marcha de opositores de 31 de julho. Acusado de fraude fiscal e depois de recrutar mercenários, Katumbi sofreu várias acusações. Condenado em junho de 2016 a três anos de prisão por apropriação de terras, ele está, em princípio, inelegível, o que não o impede de continuar apresentando recurso.
Kabila, com 45 anos e todo o futuro pela frente, não teria nenhum “plano B”: sem aposentadoria de ouro, sem perspectiva de posição de honra. Conscientemente ou não, o primeiro presidente eleito de uma democracia que acaba de celebrar seu décimo aniversário reproduz os problemas do passado. Ele deixa que ex-mobutistas – como seu onipresente ministro da Comunicação e Mídias, Lambert Mende Omalanga, ou Tryphon Kin-Kiey Mulumba, ministro das Relações com o Parlamento e presidente do movimento Kabila Désir – alimentem o culto a sua personalidade.
Um diplomata ocidental acredita que o chefe de Estado, “sempre de colete à prova de balas, mantém em si o software do guerrilheiro, incapaz de se imaginar vivendo um único instante fora do poder, convencido de que um dia será assassinado, como seu pai”. Ele também seria habitado pela ideia de sua legitimidade histórica como filho do Mzee (o “sábio”), epíteto dado a seu falecido pai. Depositário de um poder que herdou, ele se sentiria pessoalmente investido da missão de reconstruir a RDC. E confiou essa tarefa titânica a seu primeiro-ministro, Augustin Matata Ponyo, tecnocrata e ex-ministro das Finanças com um nível de franqueza surpreendente nesse nível de poder na RDC. “Falar do potencial do país e suas riquezas não significa nada em uma das nações mais pobres do mundo”, declarou-nos em agosto, reconhecendo este cruel paradoxo: um país dotado de imensos recursos naturais, mas cuja população continua entre as mais pobres do planeta – a RDC ocupa a 176ª posição na escala de desenvolvimento humano das Nações Unidas. Ele próprio parecia constrangido com as manobras e a corrupção de um governo composto desde 2014 por políticos impostos pelo presidente Kabila. “Eles dizem abertamente que não estão ali para construir escolas, mas para ganhar dinheiro”, denuncia, preocupado em mostrar seus esforços dificultados pela crise política, e lança, sem mais delongas: “A economia não gosta de fuzis nem de coturnos em marcha”.
Em 2010, o país voltou a crescer (7% em média), apagando US$ 10 bilhões de dívida ao atingir o ponto de conclusão da Iniciativa para Alívio da Dívida dos Países Pobres Altamente Endividados (HIPC). Ele virou a página da hiperinflação, finalmente dominando a alta dos preços (2% em média, desde 2010). Da mesma forma, a taxa de câmbio estabilizou-se em 923 francos congoleses por dólar, moeda que faz girar 85% da economia. Embora o país tenha atraído US$ 2 bilhões em investimentos estrangeiros por ano entre 2013 e 2015, a quantia é pequena em comparação aos 42,5 bilhões captados por toda a África subsaariana em 2014. Os maiores fluxos, os de capital chinês investido nas minas, contribuíram para um ponto de crescimento em 2015, de acordo com o Banco Mundial. Entre os projetos em curso estão a construção de estradas, o abastecimento de água potável, a reabilitação das ferrovias, o aumento da capacidade da barragem hidrelétrica de Inga e as instalações do parque agroindustrial de Bukanga-Lonzo, 80 mil hectares desenvolvidos pelo Estado e parceiros privados sul-africanos na província de Bandundu. O PIB per capita dobrou entre 2005 e 2012, de acordo com o FMI, embora permaneça muito baixo (US$ 485 por ano).
Forças de segurança conhecidas
pela brutalidade
Líder do grupo parlamentar da UDPS, o partido de oposição de Tshisekedi, Samy Badibanga pinta um quadro muito mais sombrio: “A tripla crise que vivemos – política, econômica e social – aumenta o perigo de incêndio. O cotidiano dos congoleses é o recorde de pobreza da África, com uma taxa de 82%, de acordo com o FMI [64%, segundo critérios nacionais]. O desemprego chega a 88% [43%, segundo o governo], e as faculdades tornaram-se fábricas de desempregados”. A expectativa de vida alcança apenas 51 anos, e a mortalidade infantil (88 por mil) está na média africana (89 por mil). Como muitos observadores, Badibanga destaca a fragilidade estrutural de uma economia dependente de matérias-primas, cujos preços caem desde 2014. De acordo com o Banco Central da RDC, o crescimento não deve passar de 5,1% em 2016.
Pior ainda, apesar da liberdade de expressão de que gozam a oposição e a imprensa independente, instalou-se um clima insidioso de repressão. A RDC é conhecida na África pela violência de suas forças de segurança. Suas práticas sofreram sanções dos Estados Unidos, que, em junho de 2016, congelaram os bens do general Célestin Kanyama, chefe de polícia, e, em setembro, os de outros dois generais. Mas essas medidas, em grande parte simbólicas, não têm efeito sobre a correlação de forças interna do país.
Nos cafés do bairro popular de Matonge, onde bate o coração noturno de Kinshasa, quem bebe sua cerveja não teme zombar abertamente dos funcionários da Agência Nacional de Inteligência, sentados sem grande discrição perto dali. O serviço de inteligência, aliás, não necessariamente rastreia as pessoas certas. Ele achou tempo, por exemplo, para interrogar o famoso escultor Freddy Tsimba, cujas obras, feitas de cápsulas de balas ou ratoeiras, não são isentas de significado político. A “Cité”, termo usado para se referir a Matonge e aos bairros centrais de Kinshasa, frequentemente mergulha na escuridão por causa das quedas de energia constantes, embora o país tenha o terceiro maior potencial hidrelétrico do mundo, atrás apenas da China e da Rússia. A RDC desenvolveu somente 2,5% de suas capacidades, de acordo com o Banco Mundial. Kinshasa, cidade rebelde, resiste a sua maneira, em uma mistura de cerveja e rumba que pode se transformar em um coquetel molotov.
Tudo deveria levar Kabila a ceder, se quiser evitar um retorno do Exército ao palco, meio século após o golpe de Mobutu, em 1965. A Guarda Presidencial, 15 mil homens majoritariamente oriundos dos dois Kivu (do Norte e do Sul) e do Katanga, é considerada leal ao presidente. Mas abriria fogo se as circunstâncias chegassem a tanto? Prudentes, em 2016 os falcões do poder mandaram seus filhos para serem educados no exterior, provocando uma queda no número de matrículas no Liceu Francês.
Gigante em uma África central instável (Burundi, República Centro Africana etc.), a RDC está prestes a dar um sinal que será decisivo para o futuro da democracia na região. Os congoleses esperam assistir, no final de 2016, à primeira alternância democrática desde a independência. O acordo político alcançado em 17 de outubro deixa a chamada oposição “radical” muito desconfiada. “Como pode um presidente que não respeita a Constituição”, pergunta Katumbi, “respeitar um simples acordo?”
_______________________________________________________
BOX: Onipresença dos interesses
A África tem a forma de um revólver cujo gatilho é o Congo”. Meio século após a independência do antigo Congo Belga, em 1960, a frase de Frantz Fanon ainda parece correta. Gigante econômica da África central, a República Democrática do Congo (RDC) detém a maior reserva mundial de columbita-tantalita (coltan) e a quarta maior de cobre. Isso faz dela uma zona estratégica para as indústrias do mundo todo. Australianas, canadenses, chinesas, sul-africanas ou norte-americanas, as empresas de mineração foram chamadas, pelo escritor In Koli Jean Bofane, de “turistas com fins lucrativos”.1 Desde 2003, vários relatórios do Grupo de Peritos das Nações Unidas sobre as causas econômicas do conflito no leste da RDC2 destacaram a ligação entre as milícias armadas e a exploração, em nome de empresas estrangeiras, de minérios estratégicos indispensáveis à fabricação de certos aparelhos eletrônicos, como os telefones celulares.
Exibindo vontade de mudar as práticas, os Estados Unidos tentam agora diligentemente realizar todas as verificações sobre a origem de seu abastecimento mineral. O país até abandonou o Kivu do Norte, após a aprovação, em 2010, da Lei Dodd-Frank. A legislação exige que as empresas listadas no mercado de ações no exterior tornem pública a origem de algumas matérias-primas – estanho, tântalo, tungstênio, ouro – contidas em seus produtos, a fim de provar que não provêm da RDC nem de qualquer um de seus nove países vizinhos. Como não estão vinculados a essa medida de combate aos “minerais de conflito”, negociantes chineses substituíram as empresas dos Estados Unidos nas regiões envolvidas. Em maio, um grupo norte-americano, o Freeport-McMoRan, cedeu à China Molybdenum, por US$ 2,6 milhões, a maior mina de cobre e cobalto da RDC, a Tenke Fungurume, localizada no Katanga.
Parte do jogo se passa longe do território nacional, sobretudo na Bélgica, por razões que um diplomata europeu avalia como “geopolítica pura”. A ex-metrópole colonial acolhe de boa vontade a oposição exilada. Cinquenta e cinco anos após o assassinato pela polícia belga do herói da independência Patrice Lumumba, seu vice-primeiro-ministro, Didier Reynders, responsável pelos assuntos externos, pediu ao presidente Joseph Kabila que garanta, pela primeira vez na história de seu país, uma “transição pacífica e democrática”. O futuro da RDC também se joga em Washington, Nova York, Londres e Paris – que monitoram esse espaço geoestratégico e francófono –, ou ainda em Ruanda e Uganda, ou, em menor medida, na Zâmbia, em Angola e na África do Sul, por razões de estabilidade política e pelo temor ao influxo de refugiados congoleses.
Nenhum dos vizinhos africanos pode ser descrito como aliado confiável de Kabila. Em meados dos anos 1990, o presidente de Uganda, Yoweri Museveni, e Paul Kagame, de Ruanda, apoiaram Laurent-Désiré Kabila em sua rebelião contra Joseph Mobutu. Esses anciãos regionais foram então acusados de fomentar rebeliões no Kivu do Norte, província que faz fronteira com seus países, para explorar os minerais. Em outubro de 2013, sofreram a derrota de seu aliado, o Movimento 23 de Março (M23). O grupo rebelde foi arrasado pelo Exército congolês com o apoio da brigada de intervenção africana da Missão de Estabilização das Nações Unidas na RDC (Monusco) e, extraoficialmente, de um esquadrão de helicópteros sul-africano.3
Isso, porém, não impediu que Uganda e Ruanda se interessem em manter uma RDC frágil em suas fronteiras e continuem temendo sua capacidade militar. Em 2015, após anos de gelo, Kabila habilmente retomou as conversas com Kagame, em uma situação delicada com a “comunidade internacional” por causa de seu exercício autoritário do poder. Alguns temem uma nova agitação no Kivu do Norte, que poderia servir de pretexto para adiar a eleição presidencial.
A presença da Monusco, a maior força das Nações Unidas já colocada em ação no mundo (22.400 pessoas, sendo 19.400 militares), é uma salvaguarda pouco eficaz aos excessos repressivos. Apesar das repetidas solicitações de retirada formuladas por Kabila, todo ano o Conselho de Segurança renova a missão, criada em novembro de 1999. As tropas internacionais estão instaladas principalmente no leste do país, onde não conseguem impedir os massacres nem conter a proliferação de grupos armados. Em alerta, no entanto, elas conseguem reagir na capital, como mostraram em uma noite de confronto entre a polícia e civis, no início de agosto de 2016, perto da casa do oposicionista Étienne Tshisekedi. Mas a Monusco também é lembrada como uma força pronta para desaparecer em caso de problemas graves, como em 2007, em Kinshasa, durante o ataque do Exército contra a residência do ex-vice-presidente da República e opositor, Jean-Pierre Bemba.
As pressões internacionais farão diferença? “Aqui, não podemos fracassar”, afirmou o espanhol José Maria Aranaz, diretor do Escritório Conjunto de Direitos Humanos das Nações Unidas na RDC. Ele teme uma virada para um regime “pronto a manipular as instituições e a reprimir, como no Burundi, onde a comunidade internacional não conseguiu resolver o conflito eleitoral”. As Nações Unidas “certificaram” a eleição presidencial de 2010 na Costa do Marfim, organizada com cinco anos de atraso, sem, no entanto, impedir a grave crise que se seguiu.4 A entidade não vai assumir essa responsabilidade na RDC, apesar do dinheiro gasto desde 1999 para a manutenção da paz: US$ 1,3 bilhão por ano, o equivalente a 2% do PIB do país.
Ninguém diz que a “extrema vigilância” do Tribunal Penal Internacional (TPI) está dando frutos em Kinshasa. Em junho, o TPI, que em 2004 iniciou um inquérito sobre as violações dos direitos humanos cometidas na RDC, condenou Bemba a dezoito anos de prisão por crimes de guerra e crimes contra a humanidade, mas por causa de suas ações na República Centro-Africana, e não na RDC. Ao atingir um adversário declarado de Kabila, esse veredicto foi percebido como favorável ao poder.
A violência contra os manifestantes poderia levar o presidente congolês à justiça internacional. Mas a autoridade do TPI está desmoronando na África: o Burundi decidiu, em 16 de outubro, abandoná-lo e foi seguido pela África do Sul, Gâmbia e Namíbia. (S.C.)
1 In Koli Jean Bofane, Congo INC. Le testament de Bismarck [Congo S.A. O testamento de Bismarck], Actes Sud, Arles, 2014.
2 Ver Relatório Final do Grupo de Peritos sobre a RDC, Nova York, 12 jan. 2015. Disponível em: <https://monusco.unmissions.org>.
3 Ler “Jours d’après-guerre au Congo” [Dias de pós-guerra no Congo], Le Monde Diplomatique, jan. 2014.
4 Ler Vladimir Cagnolari, “Croissance sans réconciliation en Côte d’Ivoire” [Crescimento sem reconciliação na Costa do Marfim], Le Monde Diplomatique, out. 2015.
________________________________________________________
*Sabine Cessou é jornalista