A justiça climática e a taxação dos bilionários
Esther Duflo, ganhadora do Prêmio Nobel de economia, fala sobre a crise climática causada pelos super ricos e as consequências sofridas pelos mais pobres ao redor do mundo
Iniciando sua fala no teatro do Sesc 14 Bis com exemplos dos efeitos da crise climática no Brasil, Esther Duflo citou as recentes inundações no Rio Grande do Sul, que mesmo após dois meses ainda geram transtornos para moradores do estado. Com mais 180 mortes e 806 feridos, um total de 2,3 milhões de pessoas foram afetadas. Muito poderia ter sido feito para evitar o desastre climático, mas os políticos não deram a devida importância até que já era tarde demais. Outro evento marcante foi quando, no fim do ano passado, o Rio de Janeiro chegou a temperaturas extremas, com mais de 40ºC e uma sensação térmica muito mais elevada, de 60°C. Um desses dias de calor intenso foi marcado pela morte de uma fã por exaustão térmica, durante o show da cantora Taylor Swift.
Esther Duflo é economista e, em 2019, foi vencedora do Prêmio Nobel de economia. Ela defende o aumento dos impostos para as multinacionais mais ricas e a implementação de uma taxa internacional para bilionários. Para Esther, só com essas medidas será possível reverter a dívida histórica que essa pequena parte da sociedade tem com a população mais pobre do mundo. O intuito da palestra que ela ministrou na capital paulista foi explicar a importância da produção acadêmica e o uso de evidências para apoiar ações em prol de comunidades vulneráveis diante dos eventos climáticos intensos vividos nos últimos anos.
Como visto nos últimos meses, as mudanças no clima já estão impactando a vida da população mundial. Esses acontecimentos estiveram presentes em todo o território nacional. Ao começar citando desastres climáticos recentes no Brasil, a economista aproximou o bate-papo dos paulistanos e já fez uma alerta sobre o tema: “algo que assola hoje, não mais o futuro.”
No ano de 2019, Duflo pesquisou sobre a questão econômica e a vulnerabilidade da população mais pobre. Ao se aproximar de uma conclusão, a economista franco-americana passou pela questão da dívida moral que cidadãos de classe média e alta têm com os mais pobres do mundo, devido, justamente, aos efeitos da crise climática.
A principal causa apontada por Esther é o processo de industrialização dos países ricos, com destaque para a produção de carbono. Um exemplo é a China, um dos maiores produtores de CO2, mas além disso, uma grande exportadora do elemento químico: “a China produz bens, carros elétricos. O argumento deles é que o carro elétrico não tem pegada de CO2, mas a principal questão é que, no momento em que foi fabricado, a taxa de emissão de carbono foi alta”, comentou Esther ao público do teatro Raul Cortez.
Pessoas ricas e empresas multinacionais são as principais responsáveis pelo aumento da pegada de carbono no mundo. Ou seja, ao consumir mais, deveriam arcar com as consequências. Porém, isso não acontece. “Uma pessoa considerada rica nos Estados Unidos é responsável por 122 vezes mais carbono do que um habitante da África de baixa renda”, afirmou a ganhadora do Prêmio Nobel.
Ao reforçar o assunto, Duflo explicou que 10% dos mais ricos são responsáveis por 50% da emissão do CO2. Assim, ocorre uma maior contribuição para o aumento do aquecimento global.
Com o aquecimento do planeta, em média 2.100 regiões onde vivem pessoas mais pobres passam a ter um calor mais intenso durante o dia. Além disso, muitos trabalhadores sofrem ao trabalhar sob o sol quente, o que difere de cidadãos de classe média e alta que estão em escritórios protegidos das temperaturas altas.
Outro ponto apresentado por Esther foi o da questão racial, através do exemplo da mortalidade na África, no sul da Ásia e na América Latina, regiões onde há um maior percentual de pessoas pretas e pardas. O número de mortes decorrente dos desastres climáticos pode atingir média de 6 milhões nessas áreas de risco, com pouca estrutura para suportar calor extremo, inundações e até mesmo queimadas.
Ao calcular o total da dívida dos países ricos com os países mais pobres ao redor do mundo, a conclusão foi de que ela chegua a US$500 bilhões por ano. O que, vale ressaltar, não é uma caridade, mas sim o mínimo que deve ser pago pelos desastres naturais causados nesses lugares de extrema pobreza.
No fim da palestra, a economista apresentou o J-PAL (Abdul Latif Jameel Poverty Action Lab), um centro de pesquisa global formado por Esther Duflo e sua equipe, também presente no Sesc. O principal objetivo dos estudos do centro é explicar através de meios científicos como desenvolver com eficácia a taxação de empresas e mais ricos, além de como o dinheiro poderia ser aplicado. Esse trabalho é feito através da colaboração com os governos e outras organizações para, assim, conseguir ampliar o alcance dos resultados da pesquisa e transformá-las em políticas públicas.
Neste ano, o governo brasileiro fez uma proposta ao G20 para taxar super-ricos, o que pode chegar a arrecadar em média US$250 bilhões por ano. Esse foi um estudo elaborado e entregue no dia 25 junho pelo economista francês Gabriel Zucman, professor de economia na Escola de Economia de Paris e da Universidade da Califórnia.
Segundo a pesquisa, de início, a taxação atingiria 3 mil pessoas que têm renda aproximada de 1 bilhão de dólares distribuídos em imóveis, ações e partes em empresas. Mesmo com bens tão altos, essa parcela da população mundial não chega a pagar 2% do imposto de renda anual.
“Essa transferência de fundos pode salvar milhares de vidas. No Brasil, vocês têm a possibilidade de assumir essa liderança do tema para mostrar que é factível e útil, pois há dados e um sistema digital excelente”, encerrou Esther Duflo.
Maíra Oliveira Graça é parte da equipe do Le Monde Diplomatique Brasil.