A onda dos webdocumentários
Permitir ao espectador imergir em um assunto, levá-lo a traçar seu próprio caminho e privilegiar a passagem do tempo: após anos tateando, o webdocumentário finalmente aprendeu a explorar plenamente as possibilidades oferecidas pela interatividade. Falta descobrir um modelo econômico estávelDavid Commeillas
A Informação digital evolui tão rapidamente que os dicionários atuais sofrem para acompanhar. No meio dos anos 2000, qualquer documentário concebido para a web se abrigava sob a palavra “webdocumentário”, com conotações pouco animadoras: orçamento limitado, amadorismo na realização, visualização entrecortada. Mas os tempos mudaram, e os webdocumentários também.
O gênero tal qual é definido hoje nasceu em 2005, com La cité des mortes [A cidade das mortas],1 uma investigação dos jornalistas Jean-Christophe Rampal e Marc Fernandez sobre o desaparecimento e o assassinato, desde 1993, de centenas de mulheres em Ciudad Juárez, na fronteira entre o México e os Estados Unidos. Variante do livro La ville qui tue les femmes [A cidade que mata as mulheres]2 e do filme de mesmo nome exibido no Canal Plus, esse webdocumentário oferece elementos da investigação: mapa interativo da região, cédulas de identidade das protagonistas, testemunhos em áudio, documentos em vídeo. “Foi realmente o começo, não tínhamos modelo”, lembra o produtor, Alexandre Brachet, fundador da agência Upian. “O webdocumentário progrediu tanto em dez anos que A cidade das mortas se tornou um bom exemplo daquilo que não deve ser feito. Ele tem o charme em desuso de seus erros de concepção. Mas, apesar de tudo, levantou algumas bases de um modo de narração que iria se tornar a norma ao longo dos anos seguintes, por exemplo, com sua cartografia, muito inovadora, quase chocante para alguns.”
Entre outros sucessos que marcaram a gênese do webdoc, Gaza / Sderot3 ainda é referência. Ele foi o primeiro a mostrar uma tela dividida em duas, no caso por uma fronteira: de um lado, a Palestina; do outro, Israel. Durante quase dois meses, de 26 de outubro a 23 de dezembro de 2008, vídeos curtos apareceram em tempo real, todos os dias, no site do canal Arte: casamentos, festas de família, noitadas nos bares e no porto de Gaza, câmera dentro de uma ambulância palestina… Depois da primeira exibição, os drops audiovisuais permaneciam no ar, e os internautas os utilizavam para escrever e compor seu próprio filme clicando neles a fim de acompanhar um personagem ou tema: “Amor”, “Canções” ou ainda… “Foguetes Kassam”!
Essas narrativas fragmentadas, com dispositivos interativos destinados a colocar o espectador no coração da história, abriram o campo das possibilidades e suscitaram novos instrumentos. “Ao produzir Voyage au bout du charbon [Viagem ao fim do carvão],4 em 2008, nos demos conta de que precisávamos de programas específicos”, explica Arnaud Dressen, cuja produtora, a Honkytonk Films, se dedica exclusivamente aos webdocs. “Trabalhamos com engenheiros para criar o programa Klynt, que desenvolvemos há cinco anos. Nós o tornamos acessível a todos há três anos por algumas centenas de euros, o que nos permitiu conhecer autores.”
Klynt, 3WDoc, Popcorn e outros programas do mesmo gênero facilitam a organização das narrações não lineares: a narrativa tradicional, cronológica, é substituída por uma “arborescência narrativa” que pode ter forma “concêntrica”, em “espinha de peixe” etc. Em Stainsbeaupays,5 série de autorretratos de alunos do colégio Joliot-Curie em Stains, na região parisiense, a própria noção de começo e fim desaparece: o documentário toma a forma de seu assunto, que é um mosaico de personalidades e lugares, que o internauta visita na ordem que desejar.
A interatividade também permite que se trabalhem as propostas apresentadas para fazer delas um material de reflexão. Por exemplo, Biohackers – Les bricoleurs d’ADN [Biohackers – Fazendo bricolagem com DNA]6 coordena um debate sobre as manipulações genéticas nos laboratórios clandestinos. O internauta seleciona os participantes ao clicar sobre seus rostos para lhes dar a palavra, confronta opiniões científicas e sentenças morais para construir sozinho as respostas a suas questões.
Essa recomposição da narrativa exclui qualquer passividade. Alguns diretores exploram ainda mais profundamente as possibilidades da interatividade: com a ludificação,7 em particular, o que o espectador vê depende de sua competência no jogo. Esse princípio se situa no encontro de dois gêneros em plena expansão: o do documentário – o Centro Nacional do Cinema e da Imagem Animada (CNC) apoiou, em 2013, 3.092 horas de documentário, um recorde histórico – e o do videogame, cujo sucesso não pode ser desmentido. O surgimento do documentário “ludificado” deve ser comparado com o aparecimento dos “jogos sérios” (serious games) e dos jogos de informação (news games), que inventam novas maneiras de informar. Em 2013, a página mais acessada do site do New York Times foi um quiz de 25 perguntas sobre a ligação entre a maneira de falar e a origem geográfica.8
Com Prison Valley, em 2010, o jornalista David Dufresne se impôs como o mestre do jogo. Sua última investigação, intitulada Fort McMoney,9 é um “webdocumentário no qual você é o herói”, filmado em Fort McMurray (Alberta), uma cidade canadense que cresceu rapidamente em volta da terceira maior reserva de petróleo do mundo. O ouro negro se mistura com a areia argilosa, e, ainda que sua extração provoque uma catástrofe ecológica, grandes empresas exploram o recurso sem escrúpulos.10
Fort McMoney propõe tanto a visita da prefeitura quanto dos centros sociais saturados de moradores de rua. O jogador, que encontra Melissa Blake, prefeita da cidade, deverá dar provas de diplomacia: a interface sugere três perguntas à sua escolha para recomeçar a conversa depois de cada uma de suas respostas; mas, se batermos de frente contra os problemas sociais e ecológicos de sua cidade, ela vai encerrar a entrevista.
Apesar de uma ludificação sofisticada, implicando indícios a serem coletados, a natureza do gênero documentário é preservada. Dufresne acha isso importante: “Assumimos essa vontade de ‘longa duração’ própria do documentário. Para mim, não há documentário de três minutos. Não se trata de um jogo como SimCity[no qual o jogador constrói uma cidade]: não podemos acelerar o tempo, transformar dez anos em dez minutos. O ambiente é real: o jogador pode ficar dando voltas e se perder ali, exatamente como nós fizemos durante essa investigação de dois meses e meio”. O webdoc ludificado constitui um exercício arriscado: todas as invenções interativas do mundo nunca vão conseguir salvar uma má investigação; e, ao contrário, muitas opções fúteis podem estragar um assunto interessante. Quando, porém, a pertinência do assunto se combina ao refinamento da forma, o internauta experimenta um raro sentimento de imersão e intensidade.
David Commeillas é jornalista.