A pior escolha
Amanhã, o próprio Mali corre o risco de equipar com armas recuperadas e soldados perdidos os próximos fronts americanosSerge Halimi
Quando já é tarde demais porque viramos as costas às melhores opções, escolhemos entre o mau e o pior. Nove dias após os atentados de 11 de setembro de 2001, o presidente George W. Bush já ameaçava: “Ou você está conosco, ou está com os terroristas”. Duas guerras se seguiram: a do Afeganistão e, depois, a do Iraque – com os resultados que conhecemos. No Mali, seria preciso, outra vez e com urgência, escolher entre duas alternativas execráveis. Como se resignar diante do fato de bandos armados defensores de ideologias e práticas obscurantistas ameaçarem as populações do sul depois de aterrorizar as do norte? Por outro lado, como ignorar que a mobilização de tropas humanitárias e a tendência a criminalizar os inimigos políticos (os talibãs afegãos foram associados ao tráfico de ópio; as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia [Farc], à venda de cocaína e/ou a sequestros) servem de pretexto para justificar operações militares ocidentais suspeitas de neocolonialismo – e que sempre acabam mal?
Vinte meses após o assassinato de Osama bin Laden, o corpo da Al-Qaeda ainda se mexe. Os talibãs, de seu lado, estão mais comportados do que nunca. Ainda assim, o ex-primeiro-ministro francês, Dominique de Villepin, comentou: “Os abscessos de fixação do terrorismo – Afeganistão, Iraque, Líbia, Mali – tendem a se expandir e a estabelecer laços entre si, federam suas forças, conjugam ações”.1 Cada intervenção ocidental parece, assim, fazer o jogo dos grupos jihadistas mais radicais, que atraem os adversários para conflitos sem fim e os esgotam. Os arsenais líbios alimentaram a guerra no Mali; amanhã, o próprio Mali corre o risco de equipar com armas recuperadas e soldados perdidos os próximos fronts africanos.
Para justificar o envolvimento militar do país no conflito, François Hollande anunciou que “a França sempre estará presente quando os direitos de uma população estiverem ameaçados, como é o caso do Mali, que deseja viver livre e em uma democracia”. Uma declaração tão disparatada sugere que não se trata tanto de “reconquistar” o Mali, e sim de assegurar a ordem durável levando em conta as reivindicações legítimas dos tuaregues.
Para isso, basta começar. Mas, em seguida, será necessário se preocupar com alianças militares estabelecidas sem qualquer transparência e com a dissolução das fronteiras africanas. Será necessário reconhecer que essas fronteiras foram (e permanecem) delineadas por prescrições neoliberais que arruinaram a legitimidade dos Estados, empobreceram os agricultores e os soldados, e incentivaram a superexploração das riquezas minerais do continente negro pelas sociedades ocidentais (ou chinesas). Também será preciso admitir que o tráfico transnacional de drogas, armas e sequestros existe somente porque conta com parceiros e consumidores não africanos; e será necessário concordar que a queda mundial da cotação do algodão arruinou os camponeses malineses e que a seca do Sahel se acentua com o aquecimento global.
Muito parcial, esse inventário de assuntos que não interessam a ninguém neste momento sugere que a “libertação” do Mali por meio de armas estrangeiras deixaria intactas as causas do próximo conflito – que, quando acontecer, nos submeterá outra vez a uma “escolha” que será justificada pela falta de escolha.
*Serge Halimi é diretor do Le Monde Diplomatique.